Sobre a rejeição aos pobres – Por Agostinho Ramalho Marques Neto

06/12/2015

O que incomoda tanto vastas parcelas das classes média e alta com a ascensão socioeconômica dos pobres me parece estar relacionado ao fato de que antes eles eram “invisíveis”, ou seja, só eram vistos nos “seus” lugares: na favela, nos subúrbios, nos caixas das lojas, nas cozinhas das casas das famílias etc. “Ser visto” no “seu” lugar não deixa de ser uma forma de invisibilidade. É algo parecido com o que acontece com a Carta Roubada, de Edgar Allan Poe, que é ocultada na exata medida em que é posta no porta-cartas bem à vista de todos. Foi o fato de estar no seu lugar que tornou a carta invisível aos que a procuravam. A essa exclusão do reconhecimento pelo olhar do outro corresponde, por parte deste outro “dominante”, um sentimento de indiferença.

Nos últimos anos, muitos deles têm sido vistos fora do “seu” lugar: nos aeroportos, nos shopping centers, nos restaurantes. De repente, tornaram-se “visíveis”. E isso choca e ameaça a classe que se acostumou historicamente a olhá-los “de cima” e que agora se sente ameaçada de ser “desalojada” do que sempre se acostumou a enxergar como o “seu” lugar. O sentimento, agora, já não é de indiferença (“sou indiferente em relação a quem nem vejo”), mas de ódio (“odeio a quem vejo como ameaça para mim”).

Antes, eles eram os que, “de direito”, tinham todos os direitos de cidadania; mas que, “de fato”, eram excluídos do exercício dessa cidadania.

Agora, eles surgem dizendo: “temos direitos sim, e já estamos exercendo-os”.

A “invisibilidade” talvez seja a forma mais sutil, silenciosa e imperceptível de apartheid social, uma forma aprimorada de percepção seletiva mediante a qual as pessoas simplesmente não veem aqueles cujo “tipo” já foi antecipadamente (preconceituosamente) excluído do seu campo de visão. E é interessante notar que esse distanciamento, essa “cegueira” esteja tão arraigada na sociedade, que acontece mecanicamente, inconscientemente.  E isso aumenta ainda mais a eficácia dessa forma de exclusão!

Essas observações podem ajudar-nos a entender a reação furiosa contra os “votos dos pobres” na reeleição de Dilma Rousseff, e contra todos os programas de inclusão social, como o bolsa família.

* Escrevi este texto após troca de ideias com Elisabeth Bittencourt, Rubens Casara, Lícia Marques, Júlio Braga e Patrícia Glioche em reunião de cartel sobre o livro A Perversão Comum, de Jean-Pierre Lebrun. Copacabana, 23 de fevereiro de 2015. 


Imagem Ilustrativa do Post: Lixo humano Napoli 2 // Foto de: Aldacy // Sem alterações

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