Por Atahualpa Fernadez e Marly Fernandez - 24/07/2015
"Dentro de mí hay una batalla constante entre dos lobos", dijo un anciano Cherokee a un joven miembro de su tribu. "Uno lucha con el odio, la envidia y la desesperanza mientras que el otro lo hace armado de amor, esperanza y felicidad. Está en mí y está en ti y también está dentro de todas las personas del mundo". "¿Y cuál de los lobos ganará la pelea?" preguntó el joven; a lo que el viejo respondió: "Aquel al que alimentes".
Com o passado, o presente e o futuro como principias protagonistas de nossa existência, a mente (com as matérias primas do passado e do futuro[1]) tem mecanismos para recordar o que é prazenteiro e bloquear o que nos dá espanto, uma mente que intenta racionalizar tudo quanto nos ocorre para poder adornar a realidade, para mirar o futuro com ilusão e para sentir-nos mais seguros e aliviados: é uma questão de sobrevivência.
Que somos seres com um talento extraordinário para cambiar nosso ponto de vista sobre as coisas com o fim de poder sentir-nos melhor em relação com elas (D. Gilbert), com uma habilidade fascinante para negar a realidade (A. Varki & D. Brower) e com uma capacidade insólita para acostumar-nos a qualquer coisa são ideias que todos conhecemos e que se repetem constantemente na vida diária acerca de muitos aspectos. Quem não tem esta capacidade, natural por outra parte, está condenado a repetir em sua mente os pesadelos mais amargos e as vivências mais tristes, encerrado no lamento e na dor do que passou (e que já não tem remédio), sem poder acertar a compreender nem o presente (aquilo sobre o que se pode atuar), nem o futuro (aquilo que se pode modificar).
Quantas vezes no despertar de cada manhã tivemos que nos enfrentar à amargura de uma jornada desfavorável para nossos propósitos. Seguramente sejam mais das que cremos ou recordamos. Nosso sistema cerebral, como uma "fábrica de ilusões" (I. Morgado), tem suficientes recursos para converter esta encruzilhada tortuosa e indesejada em uma grande muralha, que construída com o desânimo que nos assedia cada manhã, seja capaz de manter-nos ilhados contra esta força demolidora chamada desídia. E enquanto nos restam forças para guerrear contra ela, "luchamos a muerte con esa fortaleza con la que es capaz de rearmarse nuestra esperanza". (J. Reverte)
A verdade é que na desconcertante e ruidosa realidade da vida sempre alcançamos divisar a enorme maioria das pessoas que não deixa de repetir uma e outra vez as esperanças que lhes embargam em relação com o futuro; pessoas que não suportam experimentar o mais terrível de todos os sentimentos: "el sentimiento de tener la esperanza muerta" (F. García Lorca). Nosso mundo e o mundo dos demais é uma mescla de crua realidade e reconfortante esperança: quando vivenciamos (recordamos ou imaginamos) algo negativo se ativam uns processos inconscientes que geram formas diferentes de interpretar o sucedido (D. Gilbert). Somos almas cândidas, uns otimistas incorrigíveis e confiantes empedernidos.
De fato, não somente existe evidência considerável de que a gente normal distorce a realidade de uma maneira autocomplacente (de que nos autoenganamos, em definitiva), senão também de que nossa maneira de ver as coisas e de como nos sentimos em um determinado momento da vida depende em grande medida de como pensamos ou antecipamos o que sentiremos no futuro; quer dizer, que o que se espera é o que importa em realidade (I. Kirsch) e que as crenças e as expectativas acerca do futuro que temos influenciam, condicionam ou determinam em boa medida o que ocorre no presente contribuindo a como pensa, sente e atua uma pessoa (P. Zimbardo). O cérebro humano, como explica Daniel Dennett, é uma "máquina de antecipação", e "criar futuro" não somente é o mais importante que faz, senão que parece ser o traço definitório de nossa humanidade: a predição constitui a verdadeira entranha da função cerebral. (R. Llinás)
Se o amável leitor (a) se observa por uma vez a si mesmo, constatará que vive de contínuo pensando por adiantado. Somos o único animal que pode contemplar seu futuro, o único que pode transladar-se mentalmente pelo tempo, prever uma variedade de futuros e imaginar o que lhe causará mais prazer e/ou menos sofrimento. E o fazemos com tanta naturalidade e frequência que sequer nos damos conta. Nosso contato primordial com o mundo se realiza através das expectativas que construímos sobre o que estamos a ponto de experimentar. Parece que a autorrealização, tão indicada em nossos dias, só é possível ao preço da autotranscendência: viver é um contínuo exercício de predição mental. Não é por casualidade que quando Dante falou de sua viagem ao paraíso e ao inferno, indicou que sobre a porta do inferno havia um letreiro com a seguinte sentença: “Los que entráis aqui, abandonad toda esperanza”. Para ser capaz de viver, portanto, "uno necesita ilusiones". (Otto Rank)
O único inconveniente é que nossa capacidade para simular o futuro e predizer nossas reações é muito deficiente e a gente rara vez é tão feliz ou tão infeliz como havia previsto (D. Gilbert). Somos bastante mais limitados do que pensamos. E isto inclui nossa capacidade de imaginar situações futuras, pese a que seja uma grande vantagem evolutiva de nossa espécie. O que nos leva diretamente ao dito pelo personagem de uma novela de Nick Hornby, ao sempre problemático tema das "falsas esperanças": "No me importa sufrir, lo que me mata es la esperanza". Realmente nos convém crer em um futuro cor-de-rosa? Vale a pena viver desejando o que não temos, imaginando e sobrevalorando o que sucederia se o obtivéramos? Por que simplesmente não nos limitamos a ver o valor de nossa realidade e reconhecer que provavelmente o que temos já é muito melhor que o que desejamos com todas nossas forças? Não se encarregará a realidade de decepcionar-nos continuamente?
Claro que o pior que pode ocorrer a alguém é passar ao lado de sua felicidade sem reconhecê-la, esperar sempre por um acontecimento milagroso que nos redima sem ver que o milagre pode estar no acontecimento que estamos vivendo ou jamais admitir que talvez a incessante busca de algo grandioso seja precisamente a razão pela qual não podemos encontrar. Tampouco há que negar que o que chamamos "stress" não é outra coisa que o conflito ou o desequilíbrio que com frequência tem lugar entre nossos desejos e nossas possibilidades, isto é, entre nossas emoções e nosso razoamento (é querer – emoção – mais do que é possível – razão –, esperar ou propor-nos continuamente mais do que podemos, e experimentar com regularidade a frustração e a melancolia de não haver conseguido).
As coisas seriam muito mais simples se pudéramos sentir-nos satisfeitos com o que vivemos. O que faz que os tratados sobre a felicidade sejam, em geral, tão insípidos, é que propõem uma única e mesma mensagem: "Conformem-se com sua sorte, moderem seus desejos, desejem o que têm e assim terão o que desejam". Uma sensatez tão resignada (e tão antinatural) como enfadonha, donde se dão cita correntes espirituais de todo tipo, gurus da autoajuda e profissionais do consolo. Nada obstante, a conformidade absoluta com tudo o que existe ("amor fati", Nietzsche), o perder-se pelos caminhos da condescendência ditosa e aceitar a vida com a certeza de que vai oferecer-nos a tão anelada felicidade não somente é perigoso, senão que nos faz olvidar que a alegria de viver somente surge quando discriminamos entre o odioso e o maravilhoso, quando nos negamos a aceitar as coisas tal e como são. A capacidade de dizer que «sim» somente tem sentido acompanhada pela capacidade de dizer que "não". (P. Bruckner)
Ninguém está condenado a suas condições de existência presente. Às vezes, o simples fato de pressentir um destino mais favorável já é suficiente para permitir derrubar os muros que nos aprisionam. O encanto da esperança é fazer-nos penetrar no desconhecido, distorcer a realidade e abrir na trama do tempo uma benéfica fissura. O que aspiramos a ser é o que modela e enobrece nosso caráter, porque o melhor do que somos está precisamente no que esperamos chegar a ser, a melhor versão de nós mesmos. Por isso se descobre mais acerca de uma pessoa quando se conhece suas esperanças que quando se conhece seus logros. (A. C. Grayling)
A mais insidiosa de todas as concessões é a que o indivíduo pactua consigo mesmo quando suas esperanças começam a decair, quando começa a aceitar passivamente suas próprias limitações, etapa em que na maioria das vezes denota uma retirada e esgotamento frente ao medo de um futuro imaginado e não uma justa apreciação de suas próprias forças e potencialidades. Um tipo de atitude que subverte nossa confiança, interfere em nossos atos, mutila nossa determinação. Também corrompe nossa percepção, criando obstáculos e fantasmas onde não existe nada.
Mas, não é viver uma grande mentira deixar-se guiar pela mão invisível de Lúcifer e abraçar constantemente "falsas esperanças"? Pois, depende de como se mire a esperança. Normalmente a entendemos como uma ideia que vai contra toda possibilidade realista, em cujo caso se considera que é uma forma não desejável de enfrentar-se a um fracasso real ou potencial. Também há outra alternativa. Se, como disse Gabriel García Márquez, "la vida no es sino una continua sucesión de oportunidades para sobrevivir", não creio que tenha sentido pensar na esperança somente quando as possibilidades de êxito estão a nosso favor. A esperança não quer dizer que tudo vai sair bem, senão simplesmente que é "possível".
No prólogo ao livro de sua esposa, Seymour Epstein, o marido de Alice, dissipa com notável fortuna esta visão negativa da esperança: “Algumas pessoas temem as «falsas esperanças». Nunca entendi o que é uma falsa esperança. Toda esperança é «falsa» no sentido de que aquilo que se espera pode que não se materialize. No momento de ter esperança ninguém pode saber o resultado. Se a esperança serve para melhorar a qualidade de vida e não causa que se evite tomar uma ação de adaptação quando isso é possível, nem que se sinta ressentimento se o resultado esperado não se materializa, então obviamente é algo desejável”. (R. S. Lazarus & B. N. Lazarus)
Não confundamos o "pensamento positivo" (um estado cognitivo, um pensamento ou expectativa consciente, cuja essência - "pensamentos positivos geram (de fato) realidades positivas" – tem basicamente duas partes: (i) um pensamento mágico: podes conseguir qualquer coisa com uma atitude positiva e (ii) a responsabilidade pessoal: se fracassas, a culpa é toda – e unicamente - tua), com a "esperança" (um desejo, um sentimento, uma emoção ou uma mera expectativa de que as ações do presente "podem" produzir uns resultados favoráveis no futuro, desde que te esforces diligentemente para alcançá-los), e nem tampouco com a "sabedoria" (que consiste "en el trabajado dominio de uno mismo y el poder encontrarle el sentido a la vida").
Ainda que os desejos não se cumpram só por desejá-los, é importante compreender a esperança, não somente porque constitui um apoio para a vida – algo que já de por si é bastante milagroso –, senão porque tem a capacidade de permitir-nos sacar o melhor partido de uma má situação, de viver com entusiasmo e dignidade apesar de tudo. Na verdade, é precisamente quando nossa situação vital é terrivelmente desfavorável quando mais necessitamos a esperança. Até o ponto em que a esperança reforça nossa capacidade de enfrentar-nos firmemente com a maneira como são as coisas e de manter uma atitude virtuosa ante a vida. O significado pessoal da esperança é que "uno cree que existe una posibilidad de que las cosas mejoren, no importa lo sombrías que pueden parecer en el momento actual. La trama argumental de la esperanza es, por lo tanto, temer lo peor pero anhelar lo mejor". (R. S. Lazarus & B. N. Lazarus)
Seu sentido consiste precisamente em crer que existe alguma possibilidade e, a partir daí, com uma combinação de "diligência" e "opções", obrar com a certeza de que ninguém está obrigado a renunciar a possibilidade concedida a cada qual de ser dono de seu destino e de melhorar sua existência. As pessoas com grandes esperanças são as que estão dispostas a "atuar" (diligência) e têm o talento para pensar nos "caminhos" (opções) que lhes podem levar até seu objetivo. Se não temos o controle sobre todas as coisas, sim que podemos controlar nossas próprias ações e dedicar nossa energia e esforço a encontrar os caminhos que nos levem ao que desejamos. Em um mundo cínico e cruel, recorda Bertrand Russell, haverá que cultivar a esperança e a fortaleza do espírito para não cair no derrotismo, na desesperança e no medo, estes monstros da alma humana.
Há que aprender a confiar na vida, educar nosso cérebro a ver o futuro com serenidade e moderação, escolher os fatos e as ilusões que queremos crer, e, o mais importante, "acreditar que, de algum modo, tudo acabará encaixando em algum momento em nosso caminho, em nosso futuro" (S. Jobs). Saber que junto ao "sentido de realidade" existe também um "sentido de possibilidade" é precisamente o que nos permite abrir os olhos respeito às múltiplas alternativas com que a vida nos brinda e o que nos motiva a assumir o compromisso de cumprir nossos desejos pessoais; quero dizer, de empenhar-nos na consecução de certas coisas de uma lista de objetivos sonhados ou esperados pelos quais merece a pena esforçar-se. Somente atuando assim "tendremos la confianza para seguir a nuestro corazón, aunque nos conduzca por fuera de los senderos más transitados". (L. Mlodinow)
A esperança (a capacidade de contemplar o futuro e o otimismo – S. Taylor) natural da mente humana é um de nossos grandes dons (T. Sharot), uma virtude que, bem cultivada, não depende de seus resultados. É um antídoto contra a ansiedade, a angústia e a tristeza (que Montaigne considerava o pior vício que existe e a paixão mais covarde e vil) que podem chegar a ser muito limitantes; um valor intrínseco, um fim em si mesmo, aliada da sabedoria, da coragem e da imaginação, uma atitude diligente repleta de possibilidades e aspirações. Isto é esperança. Sejamos, pois, esperançados, mas não cegos; otimistas, mas não ingênuos; sonhadores, mas sem expectativas delirantes ou desmesuradas, porque, depois de tudo, independentemente do lobo que alimentemos, todos morreremos "en algún lugar de lo inacabado". (R. M. Rilke)
Notas e Referências:
[1] Nota bene: Os estudos recentes mostram que existe uma espécie de conexão íntima entre recordar e imaginar, uma sobreposição ou coincidência na atividade cerebral associada com recordar o passado e a de imaginar o futuro; quer dizer, que imaginar o futuro se baseia nos mesmos mecanismos neuronais que se usam para recordar o passado. Estes descobrimentos conduzem a um conceito denominado como «o cérebro prospectivo»: a ideia de que uma função crucial do cérebro é utilizar informação armazenada para imaginar, simular e predizer possíveis eventos futuros (D. Schacter). Por dizê-lo de alguma maneira: sem memória tampouco há futuro.
Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España.
Marly Fernandez: Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana- UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.
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