Sistemas Processuais Penais – Por Paulo Silas Taporosky Filho

02/04/2017

O estudo com rigor dos sistemas processuais penais é necessário para todo aquele que se aventure nos meandros do processo penal, seja na academia, seja na prática forense. Somente com uma compreensão estrutural de como surgiu o sistema atual, das origens e bases de cada sistema histórico, enfim, dos aspectos fundantes do “sistema” atualmente vigente, é que se faz possível analisar e trabalhar o tema com seriedade e conhecimento de causa.

Daí a contribuição do livro[1] de Camilin Marcie de Poli para com a temática. Uma obra fantástica, robusta, de peso, que busca e expõe o âmago da questão proposta. Não se trata de apenas um livro que apresenta uma síntese dos sistemas processuais penais. Antes, é uma obra que vai a fundo na questão, que problematiza com diversos pontos envoltos ao estudo do tema, que estrutura as divisões, quando cabíveis, de maneira fidedigna, enfim, que trata a temática com notória seriedade.

O livro, conforme evidencia o título, trata dos sistemas processuais penais. A análise histórica de cada um dos sistemas apresentados é único, vez que a riqueza de fatos trazidos pela autora é notória e não se encontra facilmente em qualquer obra. A própria noção de sistema é um ponto do livro que merece destaque, vez que, conforme bem pontuou Jacinto Nelson de Miranda Coutinho no prefácio, “a própria noção de sistema ganha a maior dimensão, e, assim, fica situada a perspectiva kantiana, em torno da qual as bases fundamentais vão aparecendo: princípio reitor, finalidade, estrutura, e assim por diante”.

Fruto de parte da dissertação de mestrado da autora, “Sistemas Processuais Penais” alcança evidente êxito em seu intento, o qual, nas palavras da autora, “tem como escopo a análise dos sistemas processuais penais, mormente a partir do viés histórico e epistemológico”. Daí que para se analisar e compreender o sistema atual que rege a condução do processo penal, faz-se necessário estudar com afinco o viés histórico no qual cada um se situa. Disso que se tem como necessária a problematização acerca do que é e como é cada sistema, vez que, ainda com a autora, “para se entender o processo penal é de suma importância que se conheça (e se entenda) não apenas a dogmática, mas os fundamentos e, além deles, os fundamentos dos fundamentos”.

A divisão do livro se dá de acordo com os sistemas processuais tratados, de modo que cada capítulo trata de um sistema/modelo próprio, onde é feito um resgate histórico que busca estabelecer um diálogo entre vários campos do saber – condição necessária para que se tenha uma compreensão concreta da temática.

A exposição se inicia com o “sistema inquisitório”, o qual “foi criado e instituído como resposta defensiva à evolução daquilo que se convencionou chamar de doutrinas heréticas”. A imersão realizada é bastante profunda, quando um verdadeiro resgate histórico é feito mediante a apresentação de diversos fatos e documentos históricos que “contam a história” do estabelecimento de tal sistema, explicam o contexto e as razões pelas quais se estabeleceu e ganhou a força que teve durante vários anos. Seus reflexos respingam até hoje no modelo em voga, e pela abordagem aqui realizada se faz possível compreender os motivos de tal fenômeno.

Na sequência, tem-se o “sistema acusatório”, o qual, de igual modo, é explanado com louvor. Sua origem histórica é construída, demonstrada e explicada pontualmente a cada etapa que se apresente no decorrer do livro.

Finalmente, o ponto mais crítico está no capítulo que encerra a abordagem proposta: “laicização do inquisitorialismo e criação do modelo misto, napoleônico ou reformado”. Diz-se aqui do modelo surgido na França em 1808. É nessa parte que a autora desconstrói a ideia de “sistema misto”, evidenciando a problemática em se argumentar em tal sentido. Uma das razões, se não a principal, dá-se pelo fator que caracteriza o princípio unificador do sistema processual penal, e a gestão da prova é o critério determinante dessa caracterização. Estando a gestão da prova nas mãos do julgador, não se pode falar em sistema acusatório mesmo naquela fase atual em que se costuma assim dizer.

É um livro que deve ser estudado por todos aqueles que lidam com o processo penal, tanto para que haja uma compreensão devida do tema, como para se derrubar mitos que são ditos atualmente, pois, conforme a autora, “os sistemas processuais não são mais puros”, não podendo assim se falar em sistema misto, ou seja, o modelo misto “não pode ser classificado como um sistema, uma vez que não possui um princípio unificador próprio”. A conclusão da autora, e certamente a do leitor ao encerrar a leitura, é no sentido de que o sistema processual penal vigente no Brasil é essencialmente inquisitório, e assim permanecerá enquanto não houver uma mudança paradigmática (para um viés democrático e constitucional) no trato e na condução do processo.

Leitura necessária. Fica aqui a dica!


Notas e Referências:

[1] http://emporiododireito.com.br/sistemas-processuais-penais/

POLI, Camilin Marcie de. Sistemas Processuais Penais. 1ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.


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