Sistema Acusatório: da opção política à sua (desejável) estrutura sistêmica

16/03/2015

Por Ricardo Fanti Lacono - 16/03/2015

Passados mais de duas décadas (26 anos) da promulgação da Constituição da República/88, porque, ainda hoje, se discute tanto o sistema processual penal adotado por ela? E nossa Lei Infraconstitucional, porque até hoje não se adequou a ela?

Perguntas estas que de forma bastante simples pretendemos enfrenta-las, sem a intenção de esgotar o tema. Intenção apenas de direcionar a discussão para onde efetivamente é necessário seguir o debate, que é a gestão da prova.

Mostra-se importante, desde logo, traçarmos algumas premissas em relação a atual sistemática processual penal. Para tanto, necessário se faz, revisarmos o sistema constitucional acusatório, bem como suas diretrizes axiológicas.

Opção Política pelo Sistema Acusatório

Antes mesmo de adentrarmos ao sistema acusatório propriamente dito, e seu princípio regente, é importante destacar que tal sistema processual nada mais é do que a opção política de cada sociedade.

A história do Direito é feita da alternância entre momentos autoritários e liberais. Os modelos de processo penal seguem a mesma lógica, amoldando-se ao momento histórico, cultural e político de certa sociedade em certo espaço de tempo.

Em síntese, “os sistemas processuais penais inquisitivo e acusatório são reflexo do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época”.

Como explicam Rubens Casara e Antonio Pedro, no plano normativo, a opção marcada na Constituição da República de 1988 foi clara: ao se conferir a exclusividade no exercício da ação penal de iniciativa pública ao Ministério Público, bem como ao se assegurar direitos fundamentais do réu, tais como o contraditório e a ampla defesa, decidiu-se por um processo de partes e por um juiz imparcial, portanto, pelo sistema acusatório.[1]

Tal escolha em relação ao modo e ao critério de aplicação do direito processual penal é uma questão de democracia.

 Vale a pena ressaltar que a evolução do Direito em nossa história percorre períodos de grandes opressões sempre se utilizando do sistema inquisitório, passando pela plena liberdade, se ancorando no sistema acusatório.

Portanto, cada período na história possuiu o seu sistema em conformidade com as exigências das respectivas sociedades ao anseio de dar uma resposta de uma suposta criminalidade por intermédio do direito penal e consequentemente do processo penal.

Aliás, seguindo este viés, o processo penal tem influência específica e direta sobre os anseios da sociedade vez que, conforme lição do professor Aury Lopes Jr., “esse fenômeno é ainda mais notório no processo penal, na medida em que é ele, e não o Direito Penal, que toca no homem real, de carne e osso”, e continua dizendo que: “no processo, o endurecimento manifesta-se no utilitarismo judicial, em atos dominados pelo segredo, forma escrita, aumento das penas processuais (prisões cautelares, crimes inafiançáveis etc.), algumas absurdas inversões da carga probatória e, principalmente, mais poder para os juízes ‘investigarem”.[2]

É notório o predomínio do sistema acusatório em países que prezam pela liberdade individual de seus cidadãos, em países democráticos. Em contra partida, o sistema inquisitório, historicamente se faz presente em países autoritários e totalitaristas, com uma grande opressão estatal suplantando os direitos e garantias individuais.

Traçando um breve paralelo entre as sociedades e suas formas de autogerir os seus conflitos internos, a sua época e a circunstância histórica específica de cada povo, desenvolveram, cada qual, a sua capacidade de resolver estes conflitos, para tanto, utilizando-se dos sistemas processuais penais, portanto, estes acontecimentos, nos ajudam a compreender a opção entre sistemas tão díspares de resolução de conflitos, como ocorre entre sistema acusatório e sistema inquisitório.

Breve Histórico dos Sistemas Processuais e o Sistema Acusatório Atual

Cronologicamente, o Sistema Acusatório teve predominância até meados do século XII, com origens no direito Grego, predominando na Índia, Athenas e na Roma Republicana. Deve seu nome ao fato de que só através de uma acusação era possível levar alguém a juízo. Desenvolvia-se pela participação direta do povo acusando e julgando.

Diga-se de passagem, as primeiras civilizações desconheciam métodos de solução de conflitos, desta forma, concretizavam o Direito da época, de forma relacionada com a moral e com a religião. As regras desta época, emergiram da moral, dos costumes, hábitos, crenças e magias, resultando diferentes formas punitivas de acordo com o comportamento do indivíduo.

No direito romano da Alta República, nascem dois modelos de processo penal: cognitio e accusatio. A cognitio era dirigida, em sua maior parte, pelo magistrado, com poderes para solucionar os fatos a bel prazer. Passível de um recurso de anulação chamado de provocatio, feito ao povo, desde que, o condenado fosse cidadão e homem, havendo o pedido de recurso ao povo, o magistrado deveria apresentar, também ao povo, os elementos de sua nova decisão.

Com o tempo viu-se que esse procedimento era vazio de garantias uma vez que, excluía mulheres e os que não eram cidadãos da possibilidade de interposição do recurso, sendo também utilizado de forma política pelos magistrados da época, viu-se a necessidade de requerer então o julgamento para alguém sem vínculo com o Estado, a partir de então o povo passa a integrar os julgamentos, acusando e julgando no modelo accusatio.

A accusatio tinha em seu polo ativo um cidadão do povo, sendo assim, a persecução e a ação penal eram encomendadas a um órgão distinto do juiz e, distinto também, do Estado.

Chegando ao período do império, o sistema acusatório já não atendia às necessidades atuais para repressão dos delitos. Com a insatisfação, por conta da inércia das partes que desenvolviam suas funções, muitas vezes de forma precária, os juízes começavam a invadir a posição dos acusadores e, necessariamente, acumulavam as funções de julgadores e acusadores.

Neste momento, os juízes agiam de ofício, sem acusação formal, investigando e ao final proferindo sentença, nomeando este procedimento como procedimento extraordinário, introduzindo, posteriormente, até a tortura no processo penal Romano.

No começo predominava a publicidade dos atos e leitura de sentença oralmente, neste momento passa-se a ter processos às portas fechadas, sentenças escritas. Começa a surgir o sistema inquisitório, arrastado pelo direito canônico que o delineou.

Neste momento, com o intuito de apenas traçar um paralelo entre os dois sistemas, acusatório e inquisitório, Salah Khaled Jr., explica que “o juiz inquisidor atuava como parte, investigava, dirigia, acusava e julgava. Convidava o acusado a declarar a verdade sob pena de coação. Tamanha era a característica persecutória do sistema, que sequer havia constatação de inocência na sentença que eximia o réu, mas um mero reconhecimento de insuficiência de provas para sua condenação. A confissão era entendida como a prova máxima e não havia qualquer limitação quanto aos meios utilizados para extraí-la, visto que eram justificados pela sagrada missão de obtenção da verdade.”[3] 

Complementa Aury Lopes Jr que “a acusação era apresentada por escrito, indicando as provas que se utilizariam para demonstrar a veracidade dos fatos. Estava apenado o delito de calúnia, como forma de punir as acusações falsas. Não se podia atuar contra um acusado ausente”.[4]

Posteriormente, no século XVIII, com a revolução francesa e a afirmação dos direitos do homem, se abandonou parte dos traços do sistema inquisitório, retomando paulatinamente o sistema acusatório.

O Sistema Acusatório está muito à frente da estrutura social e política atual. Nele é assegurado a imparcialidade do julgador, também a tranquilidade psicológica para julgar, garantindo o tratamento digno do acusado que não é mero objeto na persecução penal, mas sim, um sujeito portador de direitos.

Este sistema ainda impõe ao Estado algumas obrigações, como a de criar e manter condições igualitárias na representação para aquelas pessoas que não tem condição para contratar um advogado.

Como se verifica, o Sistema Acusatório garantia muitos direitos ao acusado, porém, não havendo um acusador, o criminoso ficava impune, havia questão de suborno ao acusador por parte do acusado. Este último ainda, como respondia o processo em liberdade, poderia ameaçar testemunhas, fugir, destruir provas e acabar frustrando uma pretensão punitiva.

Ainda, o juiz deveria se contentar com as provas trazidas aos autos, mesmo que temerárias e insuficientes, pois não tinha poderes para produção de provas, além disso, a acusação era feita antes do inquérito.

Hoje, quando falamos em Sistema Acusatório, automaticamente nos vem à mente as seguintes características (Aury Lopes Jr): “i) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; ii) a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades); iii) mantem-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; iv) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidade no processo); v) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); vi) plena publicidade de todo procedimento (ou de sua maior parte); vii) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); viii) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; ix) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; x) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.”[5]

Portanto, o juiz não participa da produção de provas e se mantém inerte, deixando a cargo das partes tal tarefa, que tem ampla liberdade probatória. Não se discute fatos incontroversos e o juiz decide de acordo com sua livre apreciação das provas com a devida fundamentação em sua decisão. Passível impugnação ou recurso das decisões (duplo grau de jurisdição), instituições atendendo ao conceito da coisa julgada impossibilitando nova acusação sobre fato já apurado.

Por fim, é assegurada a igualdade de oportunidade entre as partes, mantendo o equilíbrio e a paridade de armas entre elas. Presente o contraditório e a ampla defesa. O processo é público, com predomínio na forma oral aos atos processuais. O juiz é imparcial e inerte. Como regra o acusado responde o processo em liberdade garantindo a presunção de inocência deste.

Diferenciação entre “Princípio” e “Sistema” 

Após esta síntese sobre o histórico dos Sistemas, suas particularidades, suas características e sua real função nos dias atuais, se faz necessário distinguirmos Princípio e Sistema.

Para isto nos socorremos do professor Geraldo Prado, em sua brilhante obra sobre o tema, que menciona: “É certo, conforme o nosso juízo, que, se pretendemos a definição de um sistema acusatório como categoria jurídica composta por normas e princípios, não há como, pura e simplesmente, justapô-lo com exclusividade a um preciso princípio acusatório, pois a identidade entre um e outro resultaria, por exigência lógica, na exclusão de uma das duas categorias, pela impossibilidade de um princípio ser, ao mesmo tempo, um conjunto de princípios e normas do qual ele faça parte, numa relação de continente e conteúdo”. E continua, sustentando que: “por sistema acusatório compreendem-se normas e princípios fundamentais, ordenamente dispostos e orientados a partir do principal princípio, tal seja, aquele do qual herda o nome: acusatório.”[6] 

Falando em Princípio, estamos diante de uma matriz da qual o próprio sistema se valha, como bem esclarece Alexandre Morais da Rosa: “assim é que no Sistema Inquisitório o Princípio Inquisitivo marca a cadeia de significantes, enquanto no Acusatório é o Princípio Dispositivo que lhe informa. E o critério identificador é, por sua vez, o da gestão da prova. Sendo o Processo Penal atividade marcadamente recognitiva, de acertamento de significantes, a fixação de quem exercerá a gestão da prova e com que poderes se mostra indispensável, no que se denominou ‘bricolage de significantes’”.[7]

Uma coisa é certa, por mais que possamos ter um sistema misto (ainda que bastante discutível)[8], jamais poderemos ter um princípio fundante misto, como bem explica o professor Jacinto Coutinho vejamos: “não há – e nem pode haver – um princípio misto, o que, por evidente, desconfigura o dito sistema. O fato de ser misto significa ser, na essência, inquisitório ou acusatório, recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos que de um sistema são emprestados ao outro.” [9]

Portanto, fica claro que para definirmos o sistema processual adequado[10], e no caso em estudo, o Acusatório, temos que definir o princípio que funda o sistema, e falando em Acusatório, o Princípio é o Dispositivo, pois nele a Gestão da Prova está nas mãos das partes, o juiz será apenas e tão somente o juiz-espectador, aquele que aguarda a produção da prova, para com o que for lhe trazido decidir, muito diferente do modelo Inquisitório, que tem como seu Princípio o Inquisitivo, tendo ainda, a gestão da prova nas mãos do julgador (juiz-ator).

Gestão da Prova como Princípio Fundante no Sistema Acusatório

Como dissemos no tópico anterior, ainda que os sistemas sejam mistos, jamais o princípio fundante de qualquer deles será misto, como explica Aury Lopes Jr., “o misto deve ser visto como algo que, ainda que mesclado, na essência é inquisitório ou acusatório, a partir do princípio que informa o núcleo. Então, no que se refere aos sistemas, o ponto nevrálgico é a identificação de núcleo, ou seja, do princípio informador, pois é ele quem vai definir se o sistema é inquisitório ou acusatório, e não os elementos acessórios (oralidade, publicidade, separação de atividades etc.)”.[11]

No tocante a separação inicial da atividade das partes como uma importante característica do Sistema Acusatório, vale lembrar, porém, que não é o objeto delineador dos sistemas processuais penais, como classificam alguns doutrinadores.

A divisão das funções de investigação, acusação, defesa e julgamento, entregues aos atores processuais distintos, é fator importante no Sistema Acusatório, porém, não é sua essência, o seu núcleo fundante.

Tal separação inicial de funções é um importante elemento na cadeia dos conjuntos organizados que formam o sistema processual penal, que, aliados a outros elementos, tais como, oralidade, publicidade, igualdade de oportunidade, iniciativa probatória etc., formam o sistema acusatório.

Diferentemente desta situação, se apresenta o sistema inquisitório, além de seu Princípio Inquisitivo, as características da gestão da prova, primam pela instrução e conhecimento de ofício por parte do juiz em busca da verdade absoluta (verdade real?)[12], tratando o investigado como mero objeto de investigação.

Já o sistema chamado “misto”, como sistema processual penal, em verdade, como ensina Jacinto Coutinho, é um sistema essencialmente inquisitório, pois é formado por um núcleo inquisitivo que, apesar de haver uma separação inicial das atividades entre as partes, atribui poderes instrutórios ao juiz, não significa que ao redor deste núcleo, não o circunde características do Sistema Acusatório como: oralidade, publicidade, livre convencimento motivado etc.

E, nos filiando a crítica efusiva de Jacinto Coutinho, sobre o sistema “misto” ser na verdade um sistema prioritariamente inquisitório, Salah Khaled Jr., dentre outros, corrobora esta tese, dizendo que: “embora em outros casos, sistemas mistos possam ser majoritariamente acusatórios, o fato é que qualquer comprometimento na estrutura acusatória do sistema já basta para caracterizá-lo como inquisitório. Inclusive pode ser dito que não há efetivamente nenhum sistema plenamente acusatório em vigor em escala mundial, seja na estrutura da civil law (continental) ou na estrutura da common law (anglo-americana). Em suma: a Inquisição ainda vive, ou pelo menos o sistema por ela proposto, considerado por Coutinho como o maior engenho jurídico que o mundo já conheceu.”[13] 

Sempre existirá insuficiência do sistema quanto a separação inicial de funções, quando uma das partes formular a acusação e, no decorrer do processo, o juiz produzir provas, como é o sistema processual brasileiro, pior ainda, permitir que este mesmo juiz, de ofício, converta prisão em flagrante em prisão preventiva (artigo 310 do CPP), que deve ser visto isso como “prisão decretada de ofício”, deixar que o juiz determine uma busca e apreensão (artigo 242 do CPP), que o juiz produza provas de ofício, ainda que antes de iniciada a ação penal (artigo 156, I, II, do CPP), que o juiz condene, ainda que o Ministério Público tenha requerido a absolvição (artigo 385 do CPP), que o juiz altere a classificação jurídica do fato “emendatio libelli” (artigo 383 do CPP).

De que adianta no discurso inicial se atribuir a competência ao Ministério Público, se, depois, o juiz assume uma posição inquisitiva no processo produzindo provas de ofício?

A função do juiz é clara, julgar, mantendo-se alheio ao “campo de batalha” entre as partes, ou seja, alheio à produção das provas, aos requerimentos, nada disso deve ser feito de ofício pelo magistrado.

Se há uma separação de função (e realmente há no sistema acusatório), decorrência lógica é que as partes estejam encarregadas da iniciativa probatória (gestão da prova), pois, somente isso assegura a imparcialidade de quem vai julgar.

A professora Flaviane Barros, assevera que “a possibilidade de o juiz de ofício determinar a produção de provas de natureza cautelar, na fase investigatória, analisando a urgência e relevância, com base em critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, é com certeza a maior abertura para a discricionariedade para o subjetivismo do juiz no processo penal brasileiro. Essa mudança desnatura toda a base de princípios garantidores da liberdade do cidadão definida na CR/88.”[14]

Identificada está, a necessidade de manter a gestão da prova limitada às partes, pois caso isso não seja feito, surge uma problemática com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz, pois é possível que se decida antes e depois busque o material probatório necessário para confirmação de sua versão.

Quando atribuído poderes instrutórios ao juiz, este cria hipóteses sobre o fato analisado, passo seguinte, decide qual hipótese é a mais correta, segundo seu próprio entendimento, em seguida vai atrás da prova que, na verdade, apenas justifica a decisão que já foi tomada na escolha da hipótese, montando assim um cenário mental sobre a decisão antes mesmo de produzida a prova.

A colheita de prova por parte do juiz antecipa seu juízo, é o que explica Geraldo Prado: “a ação voltada à introdução do material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos rumos que o citado material, se efetivamente incorporados ao feito, possa determinar”.[15]

Ou seja, o juiz tem plena consciência de quais são as consequências que as provas produzidas por ele causarão ao processo, diante desta afirmação, Prado esclarece: “quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador”. 

Como bem assinala Gustavo Badaró “é incompatível com os direitos e garantias individuais, violador dos mais elementares princípios processuais modernos. Sem um julgador equidistante das partes não há imparcialidade. O juiz que formula a acusação liga-se psicologicamente à causa, perdendo a objetividade no julgamento. Há uma nítida incompatibilidade entre as funções de julgar e acusar.[16] 

Conclui-se que a posição do juiz, perante a produção das provas, é ponto fundamental para determinar o núcleo e, consequentemente, o tipo de sistema processual penal.

E você, se fosse (ou for, nunca se sabe!), acusado criminalmente, qual juiz gostaria que lhe julgasse? Pense nisso.


[1] CASARA, Rubens R R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do Processo Penal Brasileiro, 2013: Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, p. 95.

[2] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal, 9ª edição, Editora Saraiva, p. 116

[3] KHALED JR, Salah, O Sistema Processual Penal brasileiro – Acusatório, misto ou inquisitório? -, Civitas, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p.293-308, maio-ago, 2010, p. 295

[4] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal, ..., p. 116

[5] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal, ... págs. 118-119

[6] PRADO, Geraldo, Sistema Acusatório – A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais -, 3ª edição, Ed. Lumen Juris, 2005, RJ, págs. 102 – 107

[7] MORAIS DA ROSA, Alexandre, Guia Compacto do Processo Penal – conforme a Teoria dos Jogos, ed. Lumen Juris, RJ, 2013, págs. 54/55

[8] Neste ponto, imprescindível trazer ao presente trabalho, as lições de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “Um sistema processual penal misto, ao contrário do que comumente pensam alguns, não é a simples somatória de elementos dos dois sistemas puros. E isso porque epistemologicamente não se sustentaria uma somatória do gênero, por um lado, mas, por outro (e quiçá mais relevante), porque a própria noção de sistema não comporta algo do gênero. Ora, como precitado, o nascimento dos sistemas processuais penais puros não se deu em função de bases filosóficas ou, pelo menos, não foram elas as forças motrizes de suas constituições, mas, sim, opções políticas, tanto na Igreja Católica (quando do nascimento do Sistema Inquisitório, embora nela se soubesse da questão ligada ao pensamento aristotélico) quanto na Grã Bretanha de Henrique II, onde nasce, como estruturado, o Sistema Acusatório, quando, por certo, sequer se cogitou sobre o assunto, dado estar a atenção quase que integralmente voltada para outros pontos, todos políticos. Do ponto de vista filosófico, então, a preocupação com os modelos processuais penais só aparece mais tarde e, como não poderia deixar de ser, em face do momento histórico, sempre vinculada à Filosofia da Consciência. Tendo por referência o pensamento cartesiano, objeto e método sempre forma os núcleos da base filosófica da descoberta da verdade. Assim se pensava o mundo e da mesma forma se passava, então, com o Direito e seus ramos. Com o Direito Processual Penal não seria diferente. Enquadrado como estrutura complexa por definição, o processo (e a teoria toda que lhe sustentava) não poderia ser pensado hilemorficamente, mesmo porque integrado por elementos que, por si sós, eram de uma complexidade intolerável à redução à unidade, necessidade inafastável no modelo aristotélico. Bom exemplo era – e segue sendo – a audiência. Eis porque, dentre outros motivos, com o tempo passou a ser pensado, o processo, pela matriz semântica, agora vista no modelo kantiano. Ora, como se sabe, foi Kant que concebeu, na sua Arquitetônica da Razão Pura (na sua obra Crítica da Razão Pura), a possibilidade de se encontrar a verdade em estruturas complexas e assim o fez imaginando a possibilidade de se conhecer os conjuntos (‘systema’, do grego). Para ele, sistema era o conjunto de elementos colocado em relação sob uma ideia única. Ela, por sua vez, seria determinada pela finalidade do conjunto e estaria colocada como princípio de ligação entre os elementos integrantes, logo, funcionaria como um princípio unificador, reitor da conexão e, como tal, dado a priori. Foi assim que se pode pensar em sistemas nos mais variados campos, algo que vai do sistema solar ao sistema de governo, ou seja, matéria aparentemente de conhecimento corriqueiro no cotidiano. Em todos, porém, há um princípio unificador. Por este viés, não difícil compreender que todas as ciências e teorias se fundam em princípios unificadores, ali colocados como a representação da coisa, da Verdade que, se existir, não pode ser dita, justo por faltar linguagem para tanto. Tal princípio unificador, reitor, fundante, que se coloca no lugar da Verdade que se não pode dizer, é um mito, ou seja, a verdade (com minúscula) que é dita, como linguagem, no lugar daquilo que, em sendo, não pode ser dito. É o significante primeiro.” – (Sistema Acusatório: Cada Parte no Lugar Constitucionalmente Demarcado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. O Novo Processo Penal à Luz da Constituição (Análise Crítica do Projeto de Lei n. 156/2009, do Senado Federal). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, págs. 6-7).

[9] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do Processo Penal Brasileiro. Revista de estudos criminais, Porto Alegre, Nota Dez Editora, n. 1. 2001

[10] Como por exemplo o sistema pós-adversarial (trazido por Michele Taruffo). Rechaçando tal possibilidade, o Professor Ricardo Jacobsen Gloeckner, esclarece que: “a tentativa de se pensar, por exemplo, em um sistema pós-adversarial ou pós-acusatório se constitui como tentativa desesperada de escapar do excesso sistêmico, da contingência que leva junto de si as categorias acusatório e inquisitório (o que faz com que o termo justiça restaurativa seja um abrigo para representações pós-processuais). Todavia, um processo penal pós-acusatório pressupõe alguns problemas de ordem epistêmica que produzem um regime de saber frágil, incapaz de servir como baluarte para novas formas de compreensão do cenário processual. E, por outro lado, acabam por ser colonizadas por uma racionalidade diversa, normativa, podendo, ao invés de criar um mecanismo de alternativa ao sistema de justiça criminal, um sistema alternativo de processo penal, mais flexível, maleável, agravando os problemas que se propusera a resolver.” - (Processo Penal Pós-acusatório? Ressignificações do Autoritarismo no Processo Penal, Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, jan.-fev. 2015, págs. 394-395).

[11] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal, ... p. 134

[12] Importe neste tema, as lições de Salah Khaled Jr.:”A verdade correspondente é mais do que um conceito; é uma espécie de critério argumentativo que oferece suporte à arquitetura processual, que persiste em manter-se vigente, mesmo dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito, o qual por excelência não deveria comportar espaço para o florescimento de sensibilidades inquisitórias.” – (KHALED JR., Salah, A Busca da Verdade no Processo Penal para Além da Ambição Inquisitorial. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 11).

[13] KHALED JR, Salah, O Sistema Processual Penal brasileiro – Acusatório, misto ou inquisitório? -, Civitas, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p.293-308, maio-ago, 2010, p. 299

[14] BARROS, Flaviane Magalhães. (Re)forma do Processo Penal, Belo Horizonte; Del Rey, 2008, p. 32.

[15] PRADO, Geraldo, Sistema Acusatório – A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais -, 3ª edição, Ed. Lumen Juris, 2005, RJ, p. 158.

[16] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi. Correlação entre acusação e sentença, 2ª edição, Ed. RT. 2010, p. 24.


Ricardo Fanti Iacono. Advogado Criminalista. Membro da Comissão de Direito Criminal da OAB/SP – Subseção Guarulhos. Associado do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               


Imagem Ilustrativa do Post: "It's a Mac ... Ro!" // Foto de: JD Hancock // Sem alterações Disponível em: http://photos.jdhancock.com/photo/2010-12-25-012321-its-a-mac-ro.html

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