A linguagem jurídica, ao longo da história, sempre desempenhou um papel fundamental na estruturação das normas que regulam a vida em sociedade. Desde sua origem, ela foi desenvolvida com o propósito de garantir precisão, clareza e segurança jurídica. Ocorre que essa evolução também trouxe consigo uma certa complexidade e formalidade que, muitas vezes, alienaram o público não especializado.
Nesse sentido, a principal função do Direito sempre foi orientar e regular as relações sociais, sendo certo que, para que essa função seja plenamente exercida, é essencial que as pessoas compreendam as normas, os textos legais e decisões que impactam suas vidas.
A linguagem jurídica sempre foi marcada pela tecnicidade, por um vocabulário específico e por construções sintáticas complexas, características que têm a intenção de evitar ambiguidades e de assegurar a exatidão nas interpretações e aplicações das leis. É muito comum as pessoas se referirem à linguagem jurídica como “juridiquês”.
"Juridiquês" é um neologismo utilizado no Brasil para designar o uso excessivo do jargão jurídico e de termos técnicos pelos operadores de Direito. O termo reflete o uso rebuscado do vernáculo na comunicação escrita ou falada, quando esta é permeada por termos técnicos complexos, por vezes em latim, comumente utilizados no âmbito do Direito. O “juridiquês” é caracterizado por ser técnico, repleto de termos específicos do Direito e frequentemente difícil de ser compreendido por pessoas sem formação jurídica.
Entretanto, essas peculiaridades da nossa linguagem técnica acabam criando uma barreira entre o mundo jurídico e a sociedade em geral, dificultando a compreensão dos textos legais por aqueles que não possuem formação jurídica. Esse distanciamento pode resultar em uma sensação de exclusão e inacessibilidade, que vai de encontro ao princípio fundamental de que o Direito deve ser acessível a todos.
À vista desse panorama, nos últimos anos, cresceu a percepção da necessidade de aproximar a linguagem jurídica do público leigo, de forma que as normas e decisões judiciais possam ser entendidas por todos. Essa necessidade é enfatizada pela própria Constituição Federal de 1988, que estabelece o direito de acesso à Justiça, à informação e à razoável duração do processo como garantias fundamentais, direitos que somente podem ser efetivados se as palavras, termos e expressões usadas nos textos jurídicos forem compreensíveis por todos.
É nesse contexto que se insere o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, uma iniciativa inovadora promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Este pacto visa transformar a comunicação no âmbito do Judiciário, adotando uma linguagem simples, direta e acessível em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição. A ideia central do pacto é garantir que a sociedade compreenda as decisões judiciais e que o acesso à Justiça seja verdadeiramente universal.
O Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples estabelece diretrizes que incentivam os tribunais e os magistrados a eliminarem termos excessivamente formais e dispensáveis, promovendo uma linguagem direta e concisa em documentos, comunicados, decisões e sentenças. Além disso, os juízes são estimulados a explicar o impacto das suas decisões na vida das pessoas, facilitando a compreensão do papel do Judiciário e a legitimidade de suas decisões. Ao mesmo tempo, essa simplificação não deve comprometer a precisão e a técnica jurídica, que permanecem essenciais para a fundamentação e para a segurança das decisões.
A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça também enfatiza a importância da acessibilidade, incentivando o uso de recursos como a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a audiodescrição para pessoas com deficiência, de modo a tornar as decisões judiciais compreensíveis a todos. Essa acessibilidade, aliada à simplificação da linguagem, reflete um compromisso do Judiciário com a inclusão e com a democratização do acesso à Justiça.
Os compromissos assumidos pelos tribunais incluem, ainda, a reformulação de protocolos e eventos, para dispensar formalidades excessivas e fomentar pronunciamentos objetivos e breves. Também se promove a utilização de versões resumidas dos votos nas sessões de julgamento, sem prejuízo da juntada de versões ampliadas nos processos judiciais, o que contribui para a celeridade processual e para a clareza na comunicação das decisões.
Para garantir a efetividade dessas mudanças, o Pacto propõe a educação e a capacitação contínua de magistrados e servidores, para que estejam aptos a elaborar textos em linguagem simples e acessível. A formação inicial e continuada desses profissionais é essencial para a consolidação de uma nova cultura de comunicação no Judiciário. Além disso, a utilização de tecnologias da informação, como plataformas intuitivas e recursos multimídia, são modernidades que podem facilitar ainda mais a compreensão dos documentos e das informações judiciais.
Um aspecto inovador do Pacto é a ênfase na articulação interinstitucional e social, promovendo a colaboração entre o Judiciário, a sociedade civil, instituições governamentais e a academia, sendo essa cooperação fundamental para criar uma rede de defesa do direito de acesso à Justiça por meio de uma comunicação clara e acessível, além de fomentar a criação de manuais, guias e programas de treinamento conjuntos para promover a simplificação da linguagem jurídica.
O Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, ademais, é pautado pelos mais importantes instrumentos internacionais de Direitos Humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de São José da Costa Rica, além de estar alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, especialmente o ODS 16, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas, garantindo o acesso à Justiça para todos.
É bem de ver, pois, que, ao unir o rigor técnico do discurso jurídico com a clareza e acessibilidade propostas pelo Pacto, o Poder Judiciário brasileiro caminha para uma nova era em que as decisões judiciais são não apenas corretas e bem fundamentadas, mas também compreensíveis e legítimas aos olhos da sociedade. Esta mudança representa, inegavelmente, um avanço significativo para a democratização do acesso à Justiça e para a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos possam entender e participar ativamente do processo jurídico.
Portanto, a linguagem jurídica deve evoluir de forma a servir verdadeiramente à sociedade, como destinatário final, garantindo que todos, independentemente de sua formação ou condição, possam compreender as normas que regem suas vidas e exercer plenamente seus direitos e deveres. O Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples é um marco nesse processo de transformação, consolidando a ideia de que a comunicação clara e acessível é uma das principais ferramentas para garantir o acesso à Justiça e para fortalecer a democracia.
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