Ser ou não ser garantista? Semi - garantista, será?

24/07/2015

Por Danielle Mariel Heil - 24/07/2015

Os crimes, caros colegas, nunca deixarão de existir, mesmo porque, todos os cidadãos possuem uma liberdade, ainda que imperfeita, e livre-arbítrio nas suas escolhas e vontades.

Uma vez transgredida a ordem jurídica (aquela palavrinha da nossa bandeira ORDEM E PROGRESSO), cabe ao Estado intervir para reprimir os atos cometidos contra os elementos constitutivos do bem comum, e não através da justiça com as “próprias mãos”, “justiceiros de plantão”, “batman's” ou ainda, pelo “olho por olho, dente por dente” para a alegria de Hamurábi.

Digo mais, pretender o mal do próximo e satisfazer-se prazerosamente com esse mal, é uma vingança tão baixa quanto o crime prévio.

Utilizam-se os garantistas, dos descompassos do sistema penitenciário para propor não a impunidade, mas um Direito Penal minimalista, sob o discurso da defesa dos cidadãos contra as arbitrariedades do Estado, conforme assevera Alexandre Morais da Rosa.

Nessa linha de raciocínio, Carbonell é mais incisivo e objetivo ao defender que “a teoria garantista de Luigi Ferrajoli apresenta-se como um paradigma inacabado, como uma obra no meio do caminho, carente de complementação e devida compreensão”. (CARBONELL, Miguel. 2005. p.171).

Para os mais radicais, destaco que o garantismo não trata somente de açucarar as penas e adocicar os crimes, mas uma doutrina humanitária e sim, bem intencionada, com elevada carga constitucional, afinal todos desejam o tão idealizado mundo perfeito, e não a ideologia da morte.

E a pergunta que não quer calar: ser ou não ser garantista? A resposta é simples, não se trata de existir uma doutrina perfeita, ou de qual pensamento é melhor, mas sim de partir do pressuposto de garantir os direitos fundamentais do réu como do ofendido de forma igual, merecendo ambos a mesma igualdade e paridade de armas.

O garantismo prega a compreensão plena da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual diga-se de passagem, é essencialmente garantista, uma vez que possui diversas normas que tratam do famoso “in dubio pro reo”.

Para Strek, não há dúvida de que o legislador está umbilicalmente obrigado a elaborar a norma infra-constitucional de acordo com a Constituição, inclusive de acordo com os seus princípios. Concorda, assim com Ferrajoli no sentido de que um texto normativo só é válido se interpretado de acordo com a Constituição. (STREK, Lênio. 2002. p. 203-204).

Para uma adequada prestação jurisdicional, prefiro afirmar que a tutela do réu não pode se sobrepor à tuela social e vice versa, pois deve haver equilíbrio entre os interesses em conflito, ou seja, trata-se de garantias que devem estar justapostas e não sobrepostas. Mas seria este um caminho hábil para a consecução da justiça?

Considerando as diferentes personalidades dos delinquentes, não é a solução ministrar o remédio garantista, pois a democratização do processo penal não irá se manifestar unicamente através do fortalecimento do sujeito passivo, são necessárias demais medida positivas do Estado.

O endurecimento das penas corporais não se trata de meio eficaz e garantidor para a solução total da criminalidade, mesmo porque é notório que o demasiado encarceramento estaria tratando das consequências e não da raiz do problema. A solução seria quem sabe a imposição da sentença capital, ou como antigamente, que as pessoas mesmo sem defesa e sem provas ouviam o pronunciamento de suas sentenças, obrigatoriamente na guilhotina.

Ambos argumentos são extremos e falaciosos. As penas corporais tem utilidade e efetividade sim, mas acreditar que o seu enrijecimento irá reduzir drasticamente a taxa de criminalidade é pura utopia.

Justamente em virtude dos crimes serem diferentes, bem como as pessoas que os praticam, como já dizia Aristóteles a verdade está no meio, e porque não dizer que a justiça igualmente está no meio, isto é, no equilíbrio e no direito penal preventivo, punitivo, e igualmente regenerativo. Como bem salientado por Callado de Oliveira, a justiça levada à sua exatidão extrema, torna-se injusta, assim como são injustas as ideologias inflexíveis e imoderadas. Fora da equidade não há justiça, mas inclemência/desumanidade.

Assim, pode se concluir que não será a pena capital, com o exacerbado poder punitivo do Estado, nem tampouco a filosofia do garantismo que irão definir um direito penal justo e válido, mas sim através de políticas públicas e sociais, pois, afinal, uma boa política social é a melhor política criminal.

Com a excessiva benevolência ou exacerbado inquisicionismo visto nos fóruns e tribunais atuais, a sociedade não se tornará moralmente sadia, pelo contrário.

E finalizo pontuando que a grande questão não está no aumento ou endurecimento das penas, mas sim na certeza da punição, como já dizia Beccaria: a certeza do cumprimento da pena inibe muito mais o crime do que a previsão abstrata, sem instrumentos materiais, de pena mais severa, citado pelo Defensor Público catarinense Ralf Zimmer Junior.


Notas e Referências: 

CARBONELL, Miguel. La garantía de los derechos sociales en la teoría de Luigi Ferrajoli. In:  Garantismo: estúdios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005.

MORAIS DA ROSA, Alexandre. A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal. Lisboa: Rei dos Livros/Empório do Direito, 2014.

OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Garantismo e Barbárie – a face oculta do garantismo penal. São Paulo: Conceito Editorial, 2011.

STREK, Lênio. A aplicação do princípios constitucionais: a função corretiva da hermenêutica - o crime de porte de arma à luz do controle de constitucionalidade. In: WUNDERLICH, Alexandre (Org).

Escritos de direito e processo penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

Disponível em: http://www.defensoria.sc.gov.br/index.php/2013-04-04-21-03-48/376-um-flagrante-do-retrocesso.


Danielle Heil (1)  

Danielle Mariel Heil é advogada, atualmente Procuradora Adjunta do Município de Brusque-SC, especialista em Direito Constitucional pela Fundação Educacional Damásio de Jesus e em Direito Penal e Processual Penal pela Escola do Ministério Público de Santa Catarina

 
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  O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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