Sem carteira assinada, só caía em cilada: por uma mudança no discurso jurídico rumo à consideração do empregado doméstico como um verdadeiro sujeito de direito nas relações laborais

21/12/2015

Em matéria trabalhista, sem dúvidas, o ano de 2015 marca-se pela (tardia) regulamentação à Emenda Constitucional nº. 72, de 2013, relativa aos direitos dos empregados domésticos. No dia 02 de junho de 2015, para anseio de muitos, a Lei Complementar nº 150, de 2015, conhecida, informalmente, como a lei dos domésticos, foi publicada para regulamentar a Emenda à Constituição nº 72, de 2013. Para situar-se dentre as inúmeras inovações e avanços trazidos pela Lei dos Domésticos, primeiramente se faz necessário uma breve distinção de quem serão os destinatários da referida lei.

Em linhas gerais, trabalho doméstico é aquela atividade desempenhada cujo fruto não representará produção de lucro ao empregador, ou seja, este trabalho não terá qualquer finalidade econômica. Sendo assim, trabalhador doméstico é que presta serviço no âmbito residencial e o fruto de seu labor não gera nenhum tipo de contraprestação econômica para aquele que o emprega.

Cabe salientar que trabalhador doméstico não será apenas aquela pessoa responsável pela limpeza do lar. Exemplos deste tipo de trabalho são vários, dentre eles pode-se destacar o motorista, o segurança particular, a cozinheira, o jardineiro, a enfermeira, o mordomo ou caseiro, a arrumadeira ou até o limpador da piscina, mas é imprescindível que este trabalho seja desempenhado em âmbito familiar. Dos exemplos apontados fica cristalina a ideia de que o trabalho não fica adstrito ao interior da residência podendo ser desempenhado externamente.

Estes conceitos já eram disciplinados pela Lei 5859, de 1972, bem como pelo art. 7º da Constituição Federal de 1988. Uma das inovações trazidas pela Lei Complementar nº 150, de 2015 veio para sanar uma divergência doutrinária acerca do número de dias trabalhos para que esta atividade fosse reconhecida como trabalho doméstico. A nova lei dos domésticos disciplinou que se considera trabalhador doméstico aquele que laborar mais de dois dias por semana para o mesmo empregador.

Importante destacar que a Lei Complementar conferiu aos trabalhadores domésticos os direitos trabalhistas regidos pela CLT, tornando este diploma subsidiário para a solução de conflitos oriundos do trabalho doméstico. Com a promulgação da Lei dos Domésticos o trabalhador passou a ter direito ao aviso prévio proporcional, jornada de trabalho de até 44 horas semanais, intervalo para repouso ou alimentação, adicional por trabalho em viagem, férias, licença maternidade, salário família, seguro desemprego, isenção de qualquer desconto com alimentação e moradia (aos empregados residentes no local de trabalho),bem como FGTS, INSS, seguro contra acidente e multa por rescisão contratual imotivada, verbas estas que totalizam 20% de encargos que o empregador deverá recolher mediante guia do “simples doméstico”. Por fim, a nova legislação disciplinou o Programa de Recuperação Previdenciária dos Empregados Domésticos (REDOM), para regularização e parcelamento dos débitos junto ao INSS.

As inovações trazidas pelo novo diploma legal doméstico são muitas, que por um lado garantiu certa igualdade aos trabalhadores domésticos frente aos trabalhadores celetistas, mas por outro lado representou maiores custos para o empregador doméstico, cujos efeitos práticos nas relações laborais domésticas ainda deverão ser profundamente estudadas, escapando-se de qualquer juízo valorativo atrelado ao senso comum teórico.

A ampliação de direitos para o trabalhador doméstico pode aumentar as demissões neste setor e fomentar aqueles trabalhadores excluídos da lei dos domésticos, ou seja, uma maior contratação de diaristas ou autônomos, sem vínculo empregatício. Note que antes da edição da nova lei, ao empregado doméstico eram resguardados alguns direitos, mesmo que em menor número ainda os diferenciava das diaristas ou dos autônomos.

A preocupação resta lastreada que tal mudança possa gerar uma grande instabilidade aos “empregados domésticos” que, devido a alta carga trabalhista, somado às instabilidades político-financeiras vivenciadas pelo país, o mercado de trabalho doméstico diminua drasticamente, fazendo com que este trabalhador seja obrigado a retornar à informalidade, sem qualquer direito trabalhista.

Cumpre destacar que a nova lei tornou obrigatório o controle de jornada do empregado doméstico, devendo o empregador fazer o controle. Com isso, outra problemática rascunha-se, ou seja, o empregador é obrigado a fazer prova do controle, uma vez rejeitada tal prova, o ônus probatório será inviável de outra forma, pois na grande maioria dos casos, os lares familiares não contam com mais de um empregado doméstico, impossibilitando a prova testemunhal, uma vez que as pessoas aptas para a comprovação da jornada cingem-se aos integrantes da família, considerados parciais/suspeitos perante o judiciário.

O novo diploma não deixou solução clara para a situação daquele trabalhador doméstico que reside no lar da família empregadora em seu período de férias, ou seja, a nova lei dos domésticos não apontou o responsável pelo custeio das despesas do empregado em seu período de férias quando residente no mesmo lar da prestação de serviço.  Por fim, a LC150/15 limitou que somente os maiores de 18 anos podem ser considerados trabalhadores doméstico, resguardando a informalidade para os jovens de 15 a 18 anos que desempenham este trabalhopor evadir das regiões rurais ou interioranas com este único ofício, historicamente conhecido no Brasil.

Em tese a Nova Lei dos Domésticos trouxe muitos avanços, mas como toda alteração legal, muitas incertezas e desacertos podem ocorrem. O maior temor é que esta proteção conferida acabe por prejudicar justamente os reais destinatários do novo diploma legal, e acabe aumentando ainda mais o volume de reclamatórias trabalhistas no Judiciário.

Aproveitamos a oportunidade para desejar um FELIZ NATAL a todos os leitores do Empório do Direito!


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