Seguidos embates políticos aperfeiçoaram o modelo de voto na Venezuela

28/06/2018

            Um dos aspectos mais interessantes da eleição presidencial celebrada na Venezuela no dia 20 de maio de 2018, na qual sagrou-se vencedor Nicolás Maduro, é o rigor com que foi implementada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Para qualquer um que tenha acompanhado o pleito de perto, in loco, salta aos olhos a contradição entre as acusações e rechaços ao processo eleitoral venezuelano e o modus operandi adotado durante o processo pelo CNE. Na realidade, as garantias asseguradas tanto na emissão do voto quanto no cômputo dos resultados são tão fortes que, provavelmente − para horror de muitos −, tal fato torna a eleição venezuelana uma das mais transparentes e seguras do mundo.

Importante realçar que é exatamente a presença de um conjunto de garantias durante o processo eleitoral venezuelano que permitiu que atores de oposição[1] se inscrevessem no pleito, embora uma fração importante dos agrupamentos contrários ao governo se negassem a participar, pregando a abstenção. Aliás, foi essa perspectiva quanto às garantias eleitorais que levou o ex-presidente do governo espanhol (2004-2011), José Luis Rodríguez Zapatero, a criticar o posicionamento da União Europeia que rechaçava de antemão as eleições venezuelanas, sem nem mesmo analisar a situação concreta em que seria realizada a disputa.  

Uma narrativa simples serve para evidenciar como ocorreu efetivamente a eleição na Venezuela no dia do pleito. O sistema eleitoral venezuelano, assim como o brasileiro, é totalmente informatizado − o voto manual só existe em situações excepcionais. Ademais, as organizações políticas participam de todo o processo de verificação das urnas. No dia da eleição, a cidadania se locomove até uma Mesa Eleitoral, que normalmente está localizada na sala de aula de uma escola ou universidade. Dentro dessa sala, a eleitora ou o eleitor percorre algumas mesas que, em sequência, acabam por ter a forma de uma ferradura, daí se falar em herradura electoral.

O primeiro procedimento a ser adotado pela cidadania é apresentar a sua cédula de identidade perante a primeira mesa, a qual confere os dados e lança-os no sistema, confirmando que a eleitora ou eleitor está inscrito naquela respectiva Mesa Eleitoral. Em seguida, deve-se captar a biometria do eleitor, fato que impede que uma única pessoa votante possa exercer o sufrágio mais de uma vez, fazendo-se passar por outra. A partir desse momento, a eleitora ou o eleitor se dirige até a urna eletrônica que está completamente cercada por um tapume, garantindo que ninguém possa identificar a quem foi atribuído o voto.

Ao contrário do Brasil, existe um grande quadro (boleta electoral) ao lado da urna eletrônica no qual aparece a foto dos candidatos presidenciais com o nome embaixo e o respectivo partido que o apoia. Isso significa que a eleitora ou o eleitor não necessitam decorar números de candidatos: basta reconhecer os nomes e as fotos que estão disponíveis. Conforme se tecla em cima do nome do candidato no quadro eletrônico, as opções aparecem na urna eletrônica que está ao lado. Ao final, a cidadania confirma o voto na urna eletrônica. Feito isso, imediatamente a máquina imprime um comprovante do voto. A eleitora ou o eleitor reitera que o voto impresso é idêntico ao voto eletrônico emitido e deposita-o em uma urna.

Na mesa seguinte, a eleitora ou eleitor assina uma folha de presença e, então, é recolhida a impressão digital. Em cada sala onde existe uma Mesa Eleitoral há a presença de testemunhas (fiscais) das organizações políticas que disputam o pleito. Quando a votação é encerrada, mais da metade das urnas passam por uma auditoria cidadã, ou seja, confere-se se os votos depositados na urna de papel correspondem aos votos computados na urna eletrônica. Dessa contagem participam todos aqueles que desejarem, pois o procedimento é público.  

A garantia do sigilo do voto e a fidedignidade dos resultados eleitorais são tendências irrefutáveis do processo eleitoral venezuelano hoje. Como já deixamos claro, não significa que as eleições sejam completamente à prova de fraudes ou que não possam ser questionadas, mas, sim, que não se deve negar o nível de aperfeiçoamento da coleta e do cômputo dos votos no atual cenário, particularmente quando comparado a outros países.  

De fato, parece-nos que o sistema eleitoral venezuelano foi se tornando mais seguro por razões de ordem política. O acirramento dos conflitos entre os agrupamentos a favor e contra o governo, desde a eleição de Hugo Chávez em 1998, tem acarretado o questionamento constante do sistema eleitoral. Em síntese: parte da oposição, de boa-fé ou não, interpreta a derrota nos pleitos não como resultado de projetos políticos rejeitados por parte da cidadania, e sim como fruto de uma trapaça ou fraude implementada por agentes do governo.

As acusações nesse sentido são diversas: alterações de resultados eleitorais; manipulação da cidadania; violação do sigilo do voto, colocando eleitoras e eleitores sob ameaça; compra de votos por meio de programas assistenciais de governo etc. Essas imputações, invariavelmente, implicam uma visão de mundo na qual se confirma a existência de um povo iludido, enganado e inculto diante de lideranças populistas. A perspectiva aqui é nitidamente elitista, com traços psicológicos próprios. O chavismo, ao lançar parte das massas populares para dentro do processo político, desequilibrando a correlação de forças na competição eleitoral, necessariamente deu vazão imediata a esse fenômeno.

Diante desse quadro, o Conselho Nacional Eleitoral reage procurando estabelecer procedimentos que gerem o mínimo de dúvidas possíveis quanto aos resultados eleitorais, sendo esta uma tendência irreversível. Tal circunstância explica porque, em alguns processos eleitorais nos últimos anos, parte da oposição tenha aderido à uma violência contra o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e seus servidores. De toda sorte, o que se vê na dinâmica política venezuelana é que a eleitora ou eleitor, quando diante da urna, tem plena liberdade de escolha, podendo inclusive trair partidos e candidatos que em tese seriam de sua preferência; no mais, os resultados eleitorais dificilmente poderão ser fraudados após a manifestação da cidadania.

Qualquer análise séria quanto à atual situação crítica vivenciada na Venezuela deveria levar em consideração o explicitado acima, sob pena de ser mera replicação de propaganda negativa, cujo objetivo não parece ser o de reforçar o sistema democrático.

Notas e Referências

[1] Os candidatos opositores foram: Henri Falcón (Avanzada Progresista), Javier Bertucci (Esperanza por el Cambio) e Reinaldo Quijada (Unidade Política Popular 89).

 

Imagem Ilustrativa do Post: Venezuela 2008 // Foto de: Andreas Lehner // Sem alterações

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