“Se eu te agarro com outro te mato, te mando algumas flores e depois escapo!”

13/03/2016

Por Elaine Gonçalves Weiss de Souza - 13/03/2016

Música cantada e escrita por Sidney Magal, fez muito sucesso no Brasil nos idos do ano de  1977. Hoje, na lista das músicas conhecidas mais como bregas (o que é uma injustiça), tem ainda uma batida interessante e animadinha pra dançar. Todavia, é impossível para o jurista desvencilhar-se da análise jurídica da canção.  Ainda mais se for uma mulher.

Hoje não é só o homem que mata. As mulheres brasileiras estão inconscientemente se matando aos poucos, em pequenas doses, a todo o momento, por tentarem atingir o ideal feminino traçado socialmente por essa república dos abacaxis (porque as bananas não são originárias daqui).

A realidade das mulheres brasileiras é diferente do resto do mundo, uma vez que todos os países têm peculiaridades próprias. Mas parece que para algumas pessoas, o mundo se restringe ao que acontece aqui no Brasil. E não é assim: há muitos países cujo respeito à mulher sequer é discutido, pois já está inerente na cultura. Entre os países constitucionais, democráticos, ocidentais, de direito, o Brasil fica devendo muito em matéria de respeito às mulheres. E não é só nos altos índices de violência física.

A mulher votou pela primeira vez no Brasil no ano de 1933. E a mulher vota em homem. Consta que um pouco mais da metade dos eleitores são mulheres, mas só há uma governadora eleita, entre vinte e sete. Entre os 513 deputados federais, são apenas 45 mulheres, e entre os 81 senadores, somente 12 são atualmente senadoras.

É mentira qualquer alegação de que as políticas sociais de igualdade tenham alcançado êxito no equilíbrio das relações entre homens com as mulheres. Toda mulher sofre na sociedade brasileira sexista. As que encontram êxito profissional, por exemplo, ou sofreram muito pra galgar um espaçozinho respeitável neste universo de homens mandões, ou em algum momento tiveram o auxílio indireto, por trás, de uma figura masculina, seja um pai, um irmão, um amigo, ou mesmo um marido. As mulheres, sozinhas, são párias na sociedade. Nem mesmo dentro das Igrejas são valorizadas, exceto quando se tornam freiras ou equivalentes, consoantes sua religião.

E a porcaria do preconceito é socialmente aceita com louvor, como uma situação rotineira e consolidada, por ambos os sexos.  A mulher brasileira é objurgada a todo o momento e isso é uma opressão tão forte, tão intensa, que mata inconscientemente, e tem levado o Brasil a ser um dos maiores consumidores de antidepressivos do mundo.

Quando vai ao médico, a mulher é constrangida pelas perguntas de estado civil. Não há qualquer importância real nesta pergunta e as secretárias, completamente despreparadas constrangem as mulheres falando bem alto nas salas de espera: “ah, solteira”. O rapaz que namora uma moça com pai ou irmão, ou alguma figura masculina próxima, que imponha respeito de alguma forma, dificilmente irá tratar a moça da mesma maneira, se ela fosse sozinha. Na escolinha das crianças, uma mãe solteira é exilada das atividades feitas pelas famílias “perfeitas”, na mais completa forma de preconceito, originário do medo de uma pseudo-ameaça que cause tentação aos maridos. Uma mulher sozinha num restaurante é sempre atacada com perguntas indiscretas dos garçons “é só você”? E Nos ambientes de trabalho, as conversas que circundam entre as próprias mulheres, assiduamente, são as questões maritais. Uma mulher solteira se conversar, mesmo que totalmente de forma profissional, com homens casados, a interpretação é sempre maldosa. Uma juíza mais rígida que se insurge é porque está na TPM. Uma escrivã que elogia alguém do sexo masculino é porque está interessada emocionalmente. Uma advogada que reclama muito é porque não tem feito sexo. Uma oficiala de justiça que não se casou, é porque nenhum homem aguenta, uma assessora que só utiliza roupas mais sóbrias é homossexual, se utiliza roupas mais alegres quer se insinuar, se a analista mulher critica o trabalho de uma mulher técnica, é invejosa, se critica o trabalho de um homem é porque ele não quis sair com ela, se uma policial comete um erro, é uma incompetente, se é muito inteligente, é exibida. E a mulher se não for casada, ou não tiver um companheiro, é uma fracassada, se não tem filhos é uma coitada ou egoísta, se engorda é uma desleixada, se discute com alguém é louca, se paga a conta do parceiro, é explorada, se o homem a sustenta é uma aproveitadora. E ainda tem as questões de trânsito, de assédio no trabalho, do caminhar na calçada em frente a uma construção. E isso tudo não tem fim. E ocorre todas as horas, todos os dias, em todas as classes sociais, níveis intelectuais, e meios profissionais.

E é fato: a mulher se tenta levar uma idéia com categoria e solicita algum pronunciamento, baseado em seus conhecimentos, costuma receber deboches e ironias se o superior for homem. Mas se vem se insinuando, mesmo que superficialmente, com uma voz suave, e risadinhas, é muito mais possível ter êxito em suas buscas, pois é avaliada pelo que aparenta. Uma voz manhosa consegue muito mais facilmente seus objetivos do que uma voz correta. Um decote, às vezes, impõe mais respeito que bons argumentos.

E assim, para algumas mulheres, parece ser muito mais fácil se casar, e às vezes receber umas bofetadas, mas ser protegida do resto das agressões da sociedade, do que viver sozinha, e receber violências emocionais diuturnamente de todos os lados. É mais cômodo casar do que viver dando satisfação para uma sociedade que não sabe conviver com mulheres sozinhas, seja a que título for.

Quando uma mulher vai registrar um boletim de ocorrência é julgada por um servidor que teria no máximo o direito de ouvi-la. Quando vai às oficinas mecânicas, não é tratada como uma consumidora, mas como um ser idiota, que será facilmente enganado. Quando deseja ter um filho sozinha, é tratada como uma alienígena que destruíra a vida de uma criança, pois o pai é a “coisa” mais importante do mundo. É muito julgamento e pouca consideração.

A sociedade brasileira não lê, não evolui, não estuda, acha que é o centro do universo e acredita em tudo que vê na televisão ou internet.  E parou no tempo. As pessoas acham que o que acontece no Brasil é o que se sucede no mundo inteiro, inclusive na forma de ver a “função” do sexo feminino. Acham que os pensamentos dos que tem voz no Brasil é o pensamento do “mundo”. Que a mulher é um ser secundário.

As mulheres não estão conseguindo desenvolver suas individualidades, por terem que seguir a todo tempo padrões históricos de casar, ter filho, ser mãe equilibrada, ficar bonita, magra, bem vestida, unhas lindas, cabelos organizados, depilação, roupas da moda e tantas mais regras socialmente impostas. É impossível conhecer-se nos próprios gostos, até mesmo saber que estilo de roupa gosta de verdade, que tipo de música realmente lhe agrada, o que deseja fazer com a sua vida, com seus cabelos!  As moças e mulheres estão todas fisicamente iguais e uniformizadas. Vide as baladas. Não sabem do que gostam realmente, pois estão sempre se arrumando para fazer charme aos homens, para sentirem-se confortáveis aos olhos dos outros, correndo atrás de estereótipos hollywoodianos inalcançáveis. Algumas mulheres realmente querem viver uma vida doméstica, mas para outras, essa é única opção, e é constrangedor que a sociedade apoie essa premissa de que uma companhia masculina é a única idéia de sucesso possível para uma mulher. Isso é real e toda opinião contrária não passa de hipocrisia tanto de homem como por parte de outras mulheres.

As mulheres precisam urgentemente conhecer seus valores. Não ter medo da ausência masculina. Esse receio é muitas vezes fruto de uma péssima estrutura familiar, pouco sólida, da falta de referências masculinas descentes, de um porto seguro que atribua a adequada auto-confiança para enfrentar a vida, saber escolher e evoluir. Aí se seguram no primeiro que for menos ruim. E isso tem um contorno com consequências sociais enormes, que vão desde a sexualização precoce, gravidez de adolescentes, maus tratos na infância, violência doméstica, uso de drogas, até homicídios e suicídios.

A vida passa muito rápido, e o caminho preparado para as mulheres no Brasil é horrível e vai levar às depressões e frustrações horríveis. Ser uma mulher que se demonstre dócil, frágil, submissa, calma lhe trará o reconhecimento total da classe masculina. Mas jamais demonstrará quem você é de verdade. E isso uma hora causará um sufoco interno enorme com consequências horríveis para a saúde, para a vida, para o futuro.

O homem traído da música do Magal ainda é o homem atual em co-autoria com a sociedade. Os crimes passionais nem sempre são somente homicídios. A sociedade mata as potencialidades femininas todo o dia com preconceitos mesquinhos e históricos. A mulher não pode servir apenas para afagar o ego masculino. As revistas femininas comumente trazem reportagens de como agradar sexualmente e emocionalmente os homens. Tudo para não ficar para “titia”. Isso é um vexame emocional, pois acabam se submetendo a trastes em forma de homens.

E não é conversa feminista. O olhar da sociedade precisa parar de julgar a mulher. É para as mulheres que as políticas afirmativas deveriam começar. Vagas mínimas no congresso, nas assembleias, nas câmaras, nos tribunais, nos concursos. Em todos os órgãos públicos, em todos os poderes.  E considerando que o país não libera o porte de arma, as mulheres devem receber, a partir do ensino médico, aulas de defesa pessoal. E os homens, em destaque aos despreparados, pois há muitos melhorando, estes devem ser submetidos às aulas de psicologia desde sempre, para que compreendam o que uma mulher representa na sociedade, desmistificando o que assistem em  novelas e filmes, e muitas vezes vivem dentro de casa quando crianças. Isso sim é um reajuste de proporções de cunho aristotélico, o resto é perfumaria.


Elaine Gonçalves Weiss de Souza. Elaine Gonçalves Weiss de Souza é Mulher. Mãe. Advogada. Procuradora Municipal da cidade de Balneário Camboriú. Especialista em Direito Tributário. Especialista em Direito Eleitoral. Especialista em Docência no Ensino Superior. Mestre em Ciências Jurídicas. Doutoranda pela Universidade do Minho-Portugal em Ciências Jurídicas. Professora Universitária. .


Imagem Ilustrativa do Post: Domingo na Casa Dia Internacional da Mulher | São Paulo (SP) 08/03/2015 // Foto de: Circuito Fora do Eixo // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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