Saúde ou publicidade. Qual é a prioridade? – Por Clenio Jair Schulze

15/08/2016

Em tempos de crise econômica e de escassez orçamentária torna-se importante o debate sobre a alocação dos recursos públicos.

Neste contexto, é inevitável a comparação entre os gastos públicos em saúde e em publicidade oficial.

A Folha de São Paulo informou que no primeiro semestre de 2016 o gasto do Governo Federal em publicidade foi superior a 386 milhões de reais1. Nos últimos mandatos, os gastos com publicidade foram assim distribuídos2: 9 bilhões de reais no primeiro mandato da Presidente Dilma; 7.339 bilhões e 5.887 bilhões de reais no segundo e no primeiro mandatos do Presidente Lula e 5.155 bilhões de reais no segundo mandado do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Como se observa, a cada mandato há aumento substancial da alocação de verbas públicas para publicidade do Governo Federal. Se fossem computadas as cifras dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o valor total certamente seria assustador.

A questão vem à baila em razão da grave crise na saúde pública brasileira. Há falta de hospitais, de profissionais da área da saúde, de tecnologia e de cumprimento adequado das determinações constitucionais. Estas são causas comuns da judicialização da saúde.

Nos processos judiciais, não é incomum o descumprimento da decisão que determina o fornecimento de medicamento, insumo ou outras tecnologias em saúde. Nestes casos, uma questão interessante é saber se o juiz pode bloquear a verba pública destinada à publicidade do ente público.

Há decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região autorizando o bloqueio:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM JUDICIAL PARA FINALIZAÇÃO DE OBRA EM UTI'S. DESCUMPRIMENTO. BLOQUEIO DE VERBAS DESTINADAS À PUBLICIDADE. POSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO. 1. Agravo do Estado do Ceará contra decisão que, em sede de Ação Civil Pública, determinou sua intimação para que, no prazo improrrogável de 15 (quinze) dias, efetuasse o pagamento do valor restante para conclusão das unidades de UTI's neo-natais e pediátricas na Santa Casa de Misericórdia de Sobral/CE - garantida em ato judicial anterior - no valor de R$ 449.656,74, a ser abatido do montante destinado à publicidade e propaganda institucional. 2. A circunstância de o recorrente envidar louváveis esforços na construção do Hospital Regional do Ceará não o exime do cumprimento da ordem judicial que lhe foi imposta na ação civil pública que subjaz ao presente recurso, não só porque são construções distintas, mas sobretudo porque a liminar proferida no feito em referência objetiva salvaguardar a saúde e a vida de neonatos e crianças que necessitam com urgência de atendimento intensivo na macrorregião do SUS de Sobral. 3. A medida fustigada não implica qualquer ofensa aos regramentos contidos na Lei nº 9.494/97 nem tampouco ao art. 100 da Constituição Federal - que exclui a possibilidade de penhora ao estabelecer procedimento especial de execução contra a Fazenda Pública - já que, dentre os valores envolvidos, o direito à vida deve se sobrepor. 4. Diante do reiterado desrespeito às ordens judiciais proferidas ao longo do processo, o bloqueio dos valores em questão - destinados à publicidade governamental - apresenta-se como única medida capaz de garantir a efetividade da prestação jurisdicional, vez que o aludido montante será de pronto utilizado na finalização da obra de que ora se trata. 5. Precedentes do STJ. 6. Agravo de instrumento improvido. (PROCESSO: 00182869820104050000, AG111994/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO, Segunda Turma, JULGAMENTO: 22/03/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 31/03/2011 - Página 192).

Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região também manteve decisão do juiz que determinou o fornecimento de medicamento com verba de publicidade. O Desembargador relator assentou que não é possível admitir a falta de recursos para saúde pública enquanto o governo “segue veiculando regularmente na TV, internet e jornais impressos anúncios publicitários desvestidos de qualquer caráter educativo, informativo ou de orientação social, voltados à mera exaltação das iniciativas do Governo”3

O tema, contudo, não é pacífico no Judiciário. Há posição que não admite o bloqueio específico de verba de publicidade sob o fundamento de violação ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição).

Não se pode, contudo, conferir liberdade absoluta aos governantes em relação tema, especialmente porque a Constituição consagra inúmeros princípios que orientam a administração pública, com destaque para impessoalidade, moralidade e eficiência. Assim, nada impede a impugnação, em ação própria, de abusos de administradores na aplicação de recursos públicos para publicidade em desproporção ao limite constitucional razoável.

De qualquer forma, o palco mais adequado para a resolução deste problema é a via democrática, cabendo ao cidadão o papel de exigir mais transparência e controle na alocação dos recursos públicos.


 

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