Por José Luiz Toro da Silva - 06/04/2017
Normalmente, a doutrina jurídica nacional ou estrangeira se fixa nos direitos do paciente, enumerando diversos direitos que lhes são conferidos, seja em relação ao médico, ao hospital, ao Estado, aos laboratórios e aos planos privados de assistência à saúde. Mas, verifica-se, na atualidade, que não existem direitos absolutos e que o direito da saúde possui uma contrapartida. Pois os pacientes também possuem deveres em relação ao Estado, aos médicos, aos hospitais, aos planos privados de assistência à saúde e à sociedade como um todo.
É inegável que as ações e serviços de saúde são considerados de relevância pública, como estabelece a Constituição Federal do Brasil e que o foco é a saúde dos cidadãos e consumidores. Porém, toda moeda possui duas faces, assim como na contabilidade toda conta do ativo possui uma contrapartida no passivo, existindo na natureza uma lei de causa e efeito. Deve-se, portanto, sempre analisar os dois lados da moeda também no direito à saúde.
Os deveres de proteção, promoção e preservação da saúde implicam efeitos e consequências que vão além do âmbito da própria pessoa, pois atingem outras pessoas, até mesmo outras gerações. Os custos com a saúde não são arcados somente pela própria pessoa, mas atinge toda a sociedade, tanto na saúde pública, como na saúde privada, existindo uma verdadeira socialização do risco, ou seja, um verdadeiro mutualismo, onde um contribui com o outro, haja vista que, na maioria dos casos, uma pessoa individualmente não teria condições de suportar com os custos de todos os tratamentos médicos realizados durante toda a sua vida, principalmente na fase da velhice ou na existência de sérias patologias.
Aludidos custos de proteção, promoção, preservação e tratamento são repartidos com todos os membros de uma determinada comunidade, tanto na área pública, como privada. A vida em sociedade estabelece esta solidariedade, sendo que os custos são arcados pelo Estado ou por entidades privadas constituídas para tal finalidade, tais como planos ou seguros privados de assistência à saúde, dentro desta lógica mutualista ou da socialização ou repartição dos riscos.
A saúde é um direito, mas também representa um dever para o cidadão, sendo que a inobservância de tais deveres poderá ter implicações civis, trabalhistas e até mesmo penais. Deveres de zelar pelo seu estado de saúde, de informação, de remuneração e de seguir o tratamento proposto. Conjunto que inclui deveres de respeitar as regras de funcionamento das instituições prestadoras de cuidado de saúde e as pessoas que usam ou trabalham em tais locais, bem como de observar as determinações da autoridade sanitária.
Existem deveres de cuidado e proteção que devem ser observados por todas as pessoas. E a inobservância de tais cuidados pode dar margem a diversas medidas repressivas, até mesmo de cerceamento da liberdade e da autonomia da vontade, em face, da existência, inclusive, de verdadeira polícia sanitária.
Não é justo que alguns que possuem uma vida regrada, com observância dos deveres acima mencionados, tenham que pagar a conta daqueles que não se preocupam com a sua saúde. O conceito de responsabilidade individual deve ser implantado no que concerne à saúde. Pois quando o cidadão não observa tais deveres, acaba por sobrecarregar o sistema e onerar toda a sociedade. Estas pessoas deverão suportar parte dos mencionados custos.
Os planos ou seguros privados de saúde poderão negar a cobertura de determinados eventos quando ficar evidenciado a falta de cuidados de proteção pelo consumidor. Ou, ainda, não participou das ações de promoção da saúde e prevenção de doenças que foram oferecidas. Pode até se estabelecer, caso assegurada a cobertura, que deverá suportar um encargo maior dos que observaram os citados deveres do paciente. O mutualismo não deve ser aplicado com a finalidade de fazer os que observam mencionados deveres de cuidado paguem a conta dos que não cuidam de sua saúde, principalmente quando lhes são colocados à disposição assistência terapêutica e medicamentos.
As operadoras de planos privados de assistência à saúde devem ser autorizadas a exigir a apresentação do competente atestado de vacinação. Isto como condição para a celebração do contrato de plano de saúde, assim como existe tal obrigatoriedade para as empresas em relação aos seus empregados e as escolas em relação aos seus alunos. Tal medida também terá um efeito de induzir comportamentos, fazendo com que cada um cuide de sua saúde.
A elas também deverão ser autorizadas a praticar valores e condições diferenciadas para fumantes e dependentes de álcool e drogas, devendo a legislação deixar expresso que as operadoras deverão assegurar assistência terapêutica e medicamentos para aqueles que quiserem parar de fumar, beber ou utilizar drogas. Sendo que, na medida que o tratamento evoluir, essas pessoas terão uma redução no valor de suas contraprestações pecuniárias.
Inegável que a sociedade é cada dia mais complexa, sendo que os direitos não podem ser exercidos de forma irresponsável, pois a ação ou omissão de cada um poderá acarretar prejuízos incomensuráveis para todos. Necessário cuidar do meio ambiente como um todo, devendo construir um mundo saudável para esta e para as outras gerações. Deve existir um sopesamento entre a autonomia da vontade e o direito a um mundo mais saudável para todos. A legislação deve ser indutora de bons comportamentos e algumas restrições a autonomia da vontade serão necessárias em benefício do bem comum.
. . José Luiz Toro da Silva é presidente do IBDSS – Instituto Brasileiro de Direito da Saúde Suplementar e sócio fundador do Toro Advogados. . .
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