Saudade de uma Sustentabilidade para o momento presente

10/12/2015

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino - 10/12/2015

Nas várias colunas publicadas, tenho insistido de que Sustentabilidade não é fundamento o qual pode ser flexibilizado conforme os desejos humanos a fim de se criar uma imagem deificada de nossa imensa capacidade racional. Qualquer sentido imagético sem um “saudável constrangimento” para representar o que é no mundo da vida será tão somente uma ilusão, algo que persiste em não abandonar o famoso mundo das ideias, na qual Platão enfatizara todo o sentido de um discurso epistemológico.

Por esse motivo, a expressão saudade que utilizo neste escrito deve ser vir como advertência a fim de inspirar o que, de modo perpétuo, o momento presente deseja para outros tempos, ou seja, o que evoca, o que permite deixar aquela sensação de reminiscência[1], de acreditar que utopias são futuras porque seu espaço não se refere ao aqui e agora.

Esse futuro, genérico, sem rosto, efusivo de sensações as quais enclausuram a vontade no calabouço do imaginário porque estão desacompanhadas das perguntas: transformar é possível? Como se pode modificar esse único tempo que se perpetua chamado presente? Por esse motivo, as utopias animadas pela Sustentabilidade são tão somente abstratas, futuras, cheias de saudades de um tempo que não virá.

A Sustentabilidade não pode alimentar um tempo inexistente, mas contribuir, estimular, oportunizar a criatividade e a práxis para a melhoria do conhecimento e a amplitude da participação. Insisto: Sustentabilidade não é expressão de salvação. Ninguém salva ninguém, sob o ângulo do verbo deificar. Veja-se: é a cumplicidade, o esclarecimento conjunto acerca daquilo que se vivenciou historicamente pela atitude desmedida do Homem que a Sustentabilidade se torna, mais e mais, pressuposto de outra convivência entre humanos e não humanos.

Bosselmann já indica uma percepção equivocada acerca da Sustentabilidade desde a edição do Relatório Brudlantd[2]. Não é possível, desde a Declaração de Estocolmo de 1972 até o mencionado documento, identificar, com um pouco mais clareza, o que é a Sustentabilidade. O que se enfatiza, especialmente no dito relatório, é a necessidade do Desenvolvimento Sustentável a fim de se assegurar, de modo sadio, a permanência (indefinida) do ser humano nas presentes gerações e não comprometer, especialmente o legado do mundo natural, para as futuras gerações.

Aqui se observa dois nós górdios[3]. O primeiro, destacado pelo citado autor, é a ignorância ecológica na diferença entre as expressões Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável. Esse foi o equívoco descrito no Relatório Brudland. Sem uma clareza acerca da matriz ecológica que confere sentido à categoria Sustentabilidade, pouco se pode entender sobre qual projeto se destina o Desenvolvimento Sustentável e quem são os seus beneficiários. A Sustentabilidade, a partir de sua matriz ecológica, é pré-requisito ao Desenvolvimento Sustentável, e não o seu aspecto secundário[4]. Em outras palavras: o Desenvolvimento Sustentável ainda é o nó górdio da civilização humana.

O segundo nó górdio se refere à ansiedade pelo futuro. Novamente, a redação do mencionado relatório destaca a necessidade de não se comprometer, especialmente as riquezas oferecidas pela Natureza, para as futuras. No entanto, repito: somente no momento presente se consegue identificar – na medida que esse tempo se perpetua – a pluralidade de desejos, de critérios, de mecanismos os quais favorecem a disseminação global da Dignidade que não se restringe tão somente aos seres humanos[5].

Se no momento presente já se torna difícil estabelecer mínimas condições para se identificar aquilo no qual vivifica a solidariedade, a cooperação, a atitude ética, a justiça, como fazê-lo num tempo que não existe, não se sente, mas apenas se desenha conjecturas, possibilidades que podem não vir a ser? O futuro é uma aposta e nada mais.

Por esse motivo, como se torna possível saber, especular, com precisão matemática, quais serão as necessidades das gerações futuras? E mais: que futuro é possível de se imaginar para se conviver na medida em que, mais e mais, a vida se deteriora? A insistência da redação proposta pelo Relatório Brudtland para o Desenvolvimento Sustentável é algo para o futuro, pois o momento presente evoca genuína política dos choques[6].

Deve-se inverter a lógica na qual aniquila toda a vida e cria esse genocídio o qual todos assistem, inertes, a sua disseminação como algo normal: fome, miséria, desrespeito pela Natureza como “ser próprio”, desrespeito ao ser humano que é tratado, também, como coisa, como mercadoria[7]. Insisto: que futuro desejável pode existir se nem no momento presente se visualizam chances para um cenário de convivialidade? Nenhum, diriam os pessimistas. Est(ar)ão certos? Como advertência, sim, mas, como força na qual persiste, imobiliza toda ação capaz de gerar efeito contrário ao desastre posto e conhecido, porém sem chances de transformar o presente insustentável para outro pior: insuportável.

Gaba-se do título de pessimista. Todos o são – ou, pelo menos, desejam ser - porque se cria uma redoma contra as possíveis frustrações, por não se acreditar que somos capazes de tornar viável aquilo que, conjuntamente, determinamos como necessidade para tornar o momento presente algo vivo, que pulsa, que nos convida a descer ao inferno[8], dia após dia, para se saber qual vida, qual convivialidade, qual sentido se eterniza, mesmo se for apenas um instante de trinta segundos, que será rememorado seguidamente?

Sustentabilidade não deve evocar uma saudade do futuro simplesmente para afirmar: não haverá nenhum momento presente capaz de significar algo para alguém; a Sustentabilidade é apenas uma expressão cujo sentido denota aquilo que não pode vir a (eternamente) ser. Aos poucos, aquele rígido gelo – ilustrado, muito mais, como um iceberg – se desfaz, de modo muito lento. Na dimensão jurídica, por exemplo, a Constituição do Equador conseguiu ir mais adiante que o Brasil, pois sintetizou, de modo expresso, o caráter polissêmico da Sustentabilidade: a) na perspectiva da preservação de um meio ambiente natural sadio (artigo 14); b) no uso, acesso da Terra e preservação da água utilizada para irrigação de alimentos (artigo 282); c) na atitude de administrar, regular, controlar e gestar os setores estratégicos[9] conforme o princípio da Sustentabilidade (artigo 313); d) na organização de todas formas de estímulo à gestão participativa, eficiente e transparente (artigo 320); e) no sistema de seguridade social (artigo 368); e) nas ações que assegurem, por parte do Estado, a sustentabilidade econômica necessária para a preservação da biodiversidade e suas funções ecológicas (artigo 405).

Sustentabilidade, como se observa, pertence tão somente ao momento presente para que oriente como esse tempo se torna mais vivo, mais significativo na medida em que se restaura, se elabora, se rememora a sua importância vital por meio do Desenvolvimento Sustentável. O primeiro, a partir de sua matriz ecológica, é o fundamento de existência do segundo, e não contrário.

Caso haja a persistência do Desenvolvimento Sustentável como o único discurso de um mundo habitável, de respeito aos limites de todos os seres, humanos e não humanos, esse trará apenas a saudade do futuro e jamais a vida que pulsa no momento presente, ou seja, se insistirá naquelas palavras de Fernando Pessoa[10]: Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!


Notas e Referências:     

[1] COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro: transmodernidade, direito e utopia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 10.

[2] BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 50.

[3] “Ao mesmo tempo em que se tornou incerto para nossas consciências, o mundo tornou-se complexo não apenas no sentido original no termo – o que é tecido em conjunto – mas também no sentido em que a unidade contém em si seu contrário: o planeta se unifica ao mesmo tempo em que se torna cada vez mais fragmentado. Tudo se comunica, tudo está em relação, tudo permite a compreensão, mas, ao mesmo tempo, a incompreensão aumenta cada vez mais. Tudo é solidário, mas ao mesmo tempo tudo é conflituoso. [...] Em vez de seres considerados como desafios a aceitar, as incertezas e interdependências de nosso mundo complexo surgem como obstáculos insuperáveis que, por sua vez, alimentam a impotência e a rotina diária”. MORIN, Edgar. A minha esquerda. Tradução de Edgar de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 44/45.

[4] BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade: transformando direito e governança. p. 56.

[5] “É justamente no pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais expressiva - [...] – ainda hoje parece estar identificando as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação de dignidade da pessoa humana. Até que ponto, contudo, tal concepção efetivamente poderá ser adotada sem reservas ou ajustes na atual quadra da evolução social, econômica e jurídica constitui, sem dúvida, desafio fascinante [...]. Assim, poder-se-á afirmar [...] que tanto o pensamento de Kant quanto todas as concepções que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana – encontram-se, ao menos em tese, sujeitas à crítica de um excessivo antropocentrismo, notadamente naquilo em que sustentam que a pessoa humana, em função de sua racionalidade [...] ocupa um lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos. Para além disso, sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia que não está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em última análise, exigência da vida humana e de uma vida humana com dignidade, tudo a apontar para o reconhecimento do que se poderia designar de uma dimensão ecológica ou ambiental da dignidade da pessoa humana”. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 42/43.

[6] “Já que ficou a moda da política dos ‘choques’, proporemos então alguns. O primeiro é o choque do parar. Vamos parar para pensar, e para sentir. O segundo – inspirado na prevenção rodoviária ainda – é escutar e ver. Escutar os outros e escutar-se a si mesmo. E ver o que está em volta, e ver-se no espelho. As coisas podem não estar, para todos, um mar de rosas. Mas – aí o terceiro choque – tudo será melhor se, em vez de intrigarmos, remoermos, criticarmos sem avançarmos propostas construtivas, começarmos a consertar as coisas: começando pelo nosso canteiro. Começando por nós”. CUNHA, Paulo Ferreira. Constituição, crise e cidadania. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 79.

[7] “Tudo é feito mercadoria. E somente pode ter acesso aos bens de mercado quem tem poder aquisitivo. A grande maioria está fora do mercado, porque o poder aquisitivo é insuficiente. O mercado, nesse sentido, é sacrificialista. É como um Moloc que cria vítimas e exige mais e mais vítimas. Entre as vítimas estão a própria natureza e a humanidade como um todo, cujo futuro se vê seriamente ameaçado”. BOFF, Leonardo. Ética da vida: a nova centralidade. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 50.

[8] “[...] O confronto com o mundo subterrâneo é mesmo encarado como um momento necessário para o que é considerado um ‘ser-mais’ em devir”. MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo: resumo da subversão pós-moderna. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 41.

[9] Segunda o mesmo artigo: Setores estratégicos, de decisão e controle exclusivo do Estado, são aqueles cuja importância e magnitude têm influência decisiva econômica, social, política ou ambiental, e devem ser direcionados para o pleno desenvolvimento dos direitos e interesse social.

[10] PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 245.


. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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