Saber Ambiental como fundamento de efetivação da matriz ecológica da Sustentabilidade - Por Matheus Figueiredo Nunes de Souza e Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

23/11/2017

O presente texto tem como ponto de partida a obra de Enrique Leff, Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. O escrito é esclarecedor para a construção de um novo saber sobre Sustentabilidade, voltada para a sua dimensão ambiental. É a partir de uma nova perspectiva que se torna possível observar o meio ambiente com novos olhos, compreendendo a necessária mudança paradigmática que reivindica a racionalidade ecológica da Sustentabilidade.

Ao partir de uma perspectiva histórica, o autor vai pontuar que a crise ambiental se evidencia a partir dos anos 60, com a Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, que se caracteriza por uma irracionalidade dos padrões de produção e consumo, marcando os limites do (infinito) crescimento econômico.

Em suas proposições iniciais, destaca que o conceito utilizado pelo Desenvolvimento Sustentável (que levaria à uma Sustentabilidade Ambiental) não passa de uma forma de “ecologizar a economia”, uma tentativa de eliminar a contradição existente entre o crescimento econômico e a preservação da Natureza.

Essa fase ecológica do capitalismo não passa de uma relação destrutiva, utilizando-se do discurso do desenvolvimento sustentável, para que esse crescimento não cesse. No entanto, esse discurso que se apresenta com uma tonalidade neoliberal faz com que as políticas de desenvolvimento sustentável diluam e deturpem o conceito de Natureza e Meio Ambiente.

Frente a esse cenário, verifica-se uma (intensa) degradação ambiental, que se manifesta como um indício de uma crise de civilização que é marcada pela Modernidade – predomínio da razão tecnológica sobre a organização da Natureza. A racionalidade econômica não pode ser parada por qualquer lei que busque a preservação e a reprodução social, visando apenas a continuidade da degradação do sistema. A inovação se torna uma condição de segregação social na medida em que revela a mediocridade humana fundada numa Razão Instrumental.

Por toda esta situação, Leff vai propor que deve haver uma mudança da racionalidade econômica para uma racionalidade ambiental, pois esta torna possível conjunto de práticas sociais que associam as mais diversas ordens materiais e que trazem sentido e organização aos processos sociais. É a partir desta racionalidade ambiental que se torna possível desenvolver uma consciência ecológica e compreender a Sustentabilidade como é e não como acreditamos que seja.

Para se ter essa visão mais ampliada, sugeriu-se um “Saber Ambiental”, que desafia as sólidas bases das ciências, pois necessita-se, cada vez mais, de uma relação interdisciplinar entre Natureza e Sociedade, colocando em xeque alguns dos paradigmas absolutos e imutáveis de um pensamento ocidental metafísico.

O Saber Ambiental se mostra como verdadeira epistemologia política que busca oportunizar o desenvolvimento de todas as vidas, permitindo outro olhar ao conhecimento e transformando as condições do saber pelas relações entre o ser com o pensar e o saber, e com o conhecer e atuar no mundo.

Nessa linha de pensamento, mostra-se, nitidamente, a desconstrução daquela racionalidade capitalista, inspirada no Projeto da Modernidade, com um crescimento desenfreado. Essa desconstrução demanda a elaboração de outra racionalidade social junto à ambiental, bem como a realização (do conceito) da racionalidade ambiental como vetor de uma legítima utopia.

Embora tudo que já foi destacado, é preciso afirmar, ainda, que o Saber Ambiental não é algo homogêneo, pois a sua construção ocorre por meio das diversas interações entre as disciplinas, buscando integrar processos naturais e sociais, matérias e racionalidades distintas, podendo se concretizar em um ambiente de diálogo dos saberes das identidades culturais plurais.

O Saber Ambiental, por esse motivo, é responsável pelas novas significações sociais, já que se inscreve em uma relação de alteridades e criadora de outras alteridades. Nesse caso, confronta-se as diversas formas de significação do real a partir desse estar-junto-com-o-Outro-no-Mundo. Esse é o cenário no qual faz com que surjam novas formas de subjetividades, de identidades, de identificações e posicionamentos políticos.

Essas atitudes políticas são expressões de Ser-no-Mundo, da diferença e da diversidade, sendo que o Saber Ambiental atua de forma solidária, ressaltando o direito de ser diferente e de ter sua autonomia, servindo também de proteção frente à ordem econômico-ecológica globalizada, a qual é avassaladora, dominadora e nada equitativa.

O Saber Ambiental busca problematizar o conhecimento fragmentado que é ofertado em diversas disciplinas e construir um novo campo de conhecimento que é orientado pela rearticulação das relações entre Sociedade e Natureza. Trata-se de um saber constituído pela confluência dialogal das existências e pela emergência de um conjunto de saberes que podem ser teóricos, técnicos ou estratégicos.

Esse Saber Ambiental não é o conhecimento apenas da Biologia e da Ecologia; não trata apenas do saber exclusivo acerca do Meio Ambiente, sobre as externalidades das formações teóricas centradas a partir de seus objetos de conhecimento, mas da construção de sentidos coletivos e identidades compartilhadas que formam significações culturais diversas na perspectiva de uma complexidade emergente e de um futuro sustentável. Eis o significado de se compreender a Sustentabilidade na sua matriz ecológica pelo Saber Ambiental. 

No entanto, a construção e compreensão da Sustentabilidade a partir desse Saber Ambiental somente se torna possível por meio daquilo que Nietzsche vai chamar de Filosofia do Martelo, ou seja, precisa-se destruir as construções arcaicas e obsoletas que impedem o erguer de uma nova morada comum.

É necessário desconstruir para construir. Abandonar uma racionalidade capitalista mercantil que se aproveita do discurso do Desenvolvimento Sustentável a fim de mascarar sua ganância por um crescimento econômico ilimitado para ceder espaço a uma racionalidade ambiental, que permite o surgimento de uma ética ambiental e uma consciência ambiental.

Observando todas as manifestações do cotidiano, é possível construir um conhecimento amparado nos mais diversos saberes, com uma face nitidamente interdisciplinar, que englobe múltiplas identidades culturais e tornam realidade a utopia do respeito à diferença, à autonomia, à autodeterminação. Em suma, o Saber Ambiental proporciona a efetivação de uma Sustentabilidade de matriz ecológica, com respeito à vida, em suas diversas formas.


REFERÊNCIAS

LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlic Orth. 8. ed. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2011

 

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