Robinson Crusoe, um brasileiro

11/08/2015

Por Luiz Ferri de Barros - 11/08/2015

Numa conferência de 1912, James Joyce afirma que "O espírito anglo-saxão está por inteiro em Robinson Crusoe: a independência varonil; a crueldade inconsciente; a persistência; a inteligência lenta mas eficiente; a apatia sexual; a religiosidade equilibrada e prática; a reserva calculada".

Muito mais que um herói inglês, entretanto, Robinson Crusoe transformou-se em mito universal e, quem diria, tinha não apenas grande ligação com o Brasil, mas, ao que se indica no romance de Daniel Dafoe, também certo tipo de nacionalidade brasileira.

Isto pode surpreender a muitos, porque apenas a parte relativa a seu naufrágio e ao período de vida solitária na ilha restou na memória e no imaginário cultural, tantas vezes a história foi contada e recontada em infinitas variações e adaptações.

Embora tenha sido livro de grande vendagem e muito influente, desde seu lançamento, em 1719, hoje são poucos os que conhecem o texto original integral e nem sempre há edições disponíveis no mercado. O lançamento de Robinson Crusoe pela editora Iluminuras (2004) cumpre desta forma importante função de resgate deste clássico. O leitor que aprecia histórias de aventuras não se decepcionará com o romance, menos ainda aqueles que se interessam por história, ou história da literatura.

Robinson Crusoe passou vinte e oito anos em sua ilha, mas suas aventuras estendem-se por período de trinta e cinco anos, tempo compreendido entre o momento em que fugiu da casa paterna na Inglaterra para evitar a monótona vida de classe média ("condição mediana, a posição superior de um estado inferior") para render-se à sua atração pelo mar.

O livro é escrito em forma autobiográfica e dois terços da narrativa transcorrem na ilha. Os capítulos iniciais e finais, entretanto, delimitam o Brasil como o ponto geográfico de partida e de chegada de sua viagem à ilha deserta, embora, naturalmente, os verdadeiros referenciais sejam os europeus, Londres e Lisboa. Mas a presença brasileira é decisiva na história porque no início das aventuras, tendo sido capturado por corsários turcos, Crusoe cai escravo no porto de Sallee, sendo de lá resgatado em mar, após fugir de seu amo, por um navio português que o traz ao Brasil.

Chegando à Baía de São Salvador, aqui investe seu capital – pois Crusoe nunca deixou de ter certo capital, em todas as fases da história. Para estabelecer-se como plantador de cana, em certa passagem o vemos providenciar a naturalização brasileira, a fim de comprar terras, nos seguintes termos: "Fazia pouco tempo que eu estava ali, mas me assenhoreei da maneira como eles plantam e fabricam açúcar. E, observando como os plantadores viviam bem e ficavam ricos muito depressa, decidi que, se conseguisse licença para me estabelecer por lá, seria um plantador entre eles. Então resolvi, nesse ínterim, encontrar uma maneira de me enviarem o dinheiro que havia deixado em Londres. Para isso, consegui um tipo de carta de naturalização, comprei o máximo de terra inculta que meu dinheiro permitia e fiz um plano para minha plantação e meu estabelecimento, um plano que fosse adequado ao capital que eu pretendia receber da Inglaterra".

Essa plantação no Brasil, que Robinson Crusoe deixou a cargo de procuradores de confiança ao viajar novamente ao mar, permitirá que após os vinte e oito anos de confinamento na ilha, o personagem chegue ao final de suas aventuras como homem rico.

Também foi por conta de questões relacionadas à economia colonial brasileira que Crusoe foi parar na sua ilha. Mais uma vez atraído pela aventura e cobiçando os altos lucros que uma vigem à África para capturar escravos para as plantações de cana poderia trazer-lhe, lançou-se ao mar, saindo de Salvador com destino à Guiné. Tempestades marítimas impediram a travessia do Atlântico e o navio acabou por naufragar nas costas da América do Sul. A ilha de Robinson Crusoe localiza-se perto da foz do rio Orinoco, na Venezuela.

Robinson Crusoe pode ser lido como um livro de aventuras e esta é sua verdadeira natureza. Daniel Dafoe era um escritor profissional prolífico, que ao longo da vida escreveu nada menos do que 548 livros. O romance Robinson Crusoe teve duas continuações que não se tornaram célebres, nem chegam a constituir uma trilogia.

Desde o início e ao longo dos séculos seguintes, o livro de Dafoe foi objeto das mais variadas análises. Jean Jacques Rousseau recomendou em seu tratado Emílio ou da Educação que esta deveria ser a primeira leitura de um menino. Karl Marx discutiu a economia desenvolvida na ilha por Crusoe em O Capital, contestando análises que diversos economistas já haviam apresentado sobre o livro. O interesse desses e outros consagrados autores foi decisivo para perpetuar a importância da obra de Dafoe no mundo intelectual.

A psicologia de Crusoe também foi bastante estudada em seus aspectos religiosos, como emblemático representante do individualismo, como símbolo da dignidade do trabalho e como representante do homem econômico, um dos tipos ideais weberianos.


Resenha de:

Robinson Crusoe. Daniel Dafoe. Tradução: Celso M. Paciornik. Editora Iluminuras, São Paulo, 2004.

Originalmente publicado no Diário do Comércio. São Paulo, 2004.


Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.

Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.                                        

E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br 


Imagem Ilustrativa do Post: DOMINICAN REPUBLIC.NOW THIS IS WHAT I CALL A BEER GARDEN // Foto de: Ronald Saunders // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/ronsaunders47/177205267

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura