Richard Posner em: O que (não) é o pragmatismo jurídico

31/08/2016

Por Bruno Torrano – 31/08/2016

Durante sua vida acadêmica, um teórico do direito tem apenas duas certezas: (i) que um dia irá morrer; e (ii) que um dia verá a doutrina que construiu ser mal interpretada – ou mesmo distorcida. Foi e é assim com os autores do realismo jurídico. Foi e é assim com os autores do positivismo jurídico. Foi e é assim com os autores do pragmatismo jurídico. Não à toa, um esforço muito útil quando se trata de debates acadêmicos é realizar um empreendimento intelectual negativo: expor aquilo que uma dada teoria não é e/ou aquilo que dela não se deduz necessariamente.

Na primeira parte de Law, Pragmatism and Democracy, Richard Posner, nessa linha de pensamento, tenta desfazer alguns mitos sobre o pragmatismo jurídico. Abaixo, acompanhando ad argumentandum o raciocínio do referido autor, faço um resumo daquilo que creio ser importante ressaltar a esse respeito: 

  1. O pragmatismo jurídico não é relativista.

Pragmatistas acreditam que o conhecimento humano é, ao mesmo tempo, local e perspectivo, e que o significado de proposições depende de suas consequências práticas. Podem ser considerados anti-essencialistas, historicistas (segundo a máxima de Oliver Wendell Holmes: “A vida do direito não tem sido lógica, mas sim experiência”) e falibilistas. Não são, todavia, céticos ou relativistas em sentido forte: afirmações como “tudo é relativo” ou “não existem verdades morais” não fazem diferença prática, pois até mesmo céticos e relativistas radicais declinam agir nos termos de suas crenças céticas e relativistas – isto é, não são céticos quanto seus próprios ceticismos e não presumem que o relativismo vale apenas para si mesmos ou para a comunidade na qual se inserem. Mais do que isso, pragmatistas não negam que 2 + 2 = 4, nem que a conclusão de silogismos é verdadeira se as premissas forem verdadeiras. De forma mais limitada, em decorrência de suspeitas quanto ao empreendimento metafísico, pragmatistas duvidam que alguém possa provar que o relativismo ou o ceticismo estão errados. 

  1. O pragmatismo jurídico não aposta em subjetivismos de magistrados.

O fato de pragmatistas serem pessimistas quanto à capacidade de grandes construções teóricas sobre moralidade, justiça e hermenêutica efetivamente guiarem ou restringirem o comportamento político de oficiais do sistema (e, especificamente, juízes) não conduz à conclusão de que eles apostam no poder discricionário de magistrados. Pragmatistas, simplesmente, sustentam que existem maneiras mais efetivas de modificar o curso do comportamento humano do que a ilusão de insistir em argumentos morais que, na melhor das hipóteses, revelam as crenças mais profundas e os sonhos mais belos dos teóricos que os elaboram – crenças que não podem ser hierarquizadas em abstrato e que, na prática, entram em conflito com incontáveis outras crenças defensáveis de outras pessoas. Como alternativa, pragmatistas preferem aderir a ensinamentos que podem ser submetidos a métodos experimentais, como os da psicologia cognitiva, da ciência comportamental e da ciência política, a fim de averiguar quais atos estratégicos e quais armas retóricas podem ser empregadas para gerar incentivos e constrangimentos nas vontades individuais de seres imperfeitos que, não raro, querem ter a razão a todo custo e tendem a ser vaidosos, invejosos, teimosos e sedentos por quantias cada vez maiores de poder.

  1. O pragmatismo jurídico não nega as virtudes políticas do rule of law.

Do ponto de vista descritivo, pragmatistas consignam que juízes costumam decidir mediante raciocínios típicos do pragmatismo do dia-a-dia (everyday pragmatism). Do ponto de vista normativo, rejeitam grandes construções morais, como a de Ronald Dworkin, que convocam magistrados a realizar raciocínios extremamente abstratos e complexos. Pragmatistas afirmam que a decisão judicial deve levar em consideração, sobretudo, as consequências práticas às quais uma ou outra interpretação podem conduzir – e, mais do que isso, afirmam que princípios morais se desenvolvem a partir da comparação das melhores formas de alcançarmos objetivos específicos, e não antes. Isso não significa, todavia, (i) negar o valor de doutrinas morais, políticas e jurídicas como meios retóricos de persuasão (o pragmatismo é simpático à concepção sofística de retórica); nem (ii) defender que apenas circunstâncias imediatas, relativas ao caso concreto, devem ser examinadas; nem (iii) menosprezar a importância social de valores políticos como a generalidade, a previsibilidade e a imparcialidade. O reconhecimento das virtudes do rule of Law, todavia, funda-se sobre a análise dos custos e dos benefícios de preferir soluções mais formalistas a soluções variáveis de caso a caso (ad hoc). Por conseguinte, a defesa do rule of law ocorre por argumentos pragmáticos de natureza sistemática, e não pela convicção de que aqueles são valores absolutos ou sagrados: pragmatistas afirmam ser possível deixar de seguir uma norma jurídica, ainda que válida, quando de sua aplicação resultem consequências absurdas ou extremamente injustas. 

  1. O pragmatismo jurídico não nega a importância do texto legal.

Pragmatistas como Posner enfatizam a sensível diferença que existe entre common law e civil law: o segundo tipo de sistema caracteriza-se pela existência de mais restrições institucionais à atividade do magistrado. Nesses termos, faz sentido afirmar que julgadores desses tipos de sistema são, ou devem ser, mais “formalistas” do que seus colegas de sistemas de common law. Embora afirmem que os materiais institucionalizados não detêm “prioridade absoluta” sobre outras fontes de informação relevantes para o exame dos casos jurídicos, os pragmatistas sustentam que usualmente é razoável seguir os limites semânticos dos textos legais (plain meaning) em ordem a proteger expectativas, preservar o poder comunicativo da linguagem ordinária e, assim, garantir que as normas positivadas façam diferença prática na vida dos cidadãos antes mesmo de pronunciamentos oficiais posteriores. Todavia, o pragmatismo não tenta disfarçar a existência de casos difíceis acerca dos quais não existem respostas corretas, e sim, na melhor das hipóteses, respostas melhores ou piores a serem tidas como vencedoras a depender da habilidade retórica daqueles que as defendem.


. Bruno Torrano é Mestre em Filosofia e Teoria do Estado, Pós-graduado em Direito Penal, Criminologia e Política Criminal, Pós-graduando em Direito Empresarial, Assessor de Ministro no Superior Tribunal de Justiça. Autor do livro “Democracia e Respeito à Lei: Entre Positivismo Jurídico e Pós-Positivismo”. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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