REVISITANDO A DEFERÊNCIA ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS

15/06/2019

No Brasil a revisão de atos administrativos pelo Poder Judiciário é balizada por parâmetros abrangentes e relativamente mal definidos. Tem-se por premissa a inafastabilidade da jurisdição, mas a discricionariedade e o mérito administrativos limitam, ocasionalmente, a sindicabilidade judicial de atos.

No que se refere às agências reguladoras, a oponibilidade da discricionariedade à revisão judicial é ampliada na discricionariedade técnica. Este preceito restringe a revisão judicial das decisões das agências, e impõe deferência judicial às interpretações administrativas (nas suas diversas manifestações: resoluções, instruções normativas) relacionadas aos aspectos técnicos do segmento regulado.

De maneira ampla, a análise da aplicabilidade e do alcance do parâmetro é realizada casuisticamente. Não há, afinal, uma doutrina pretoriana bem definida sobre os limites da revisão judicial: há apenas um preceito que orienta a deferência judicial a interpretações da agência acerca de questões regulatórias. Deste modo, o sistema brasileiro de revisão judicial das decisões das agências é binário: questiona-se, apenas, se a interpretação da agência deriva, ou se amolda à lei do setor regulado. Em sendo afirmativa a resposta, a interpretação da agência merecerá deferência.

Esse modelo de revisão, pouco parametrizado, assemelha-se bastante ao modelo americano de revisão judicial das decisões agências, sintetizado, notadamente, na doutrina Chevron. Ele não é o único: a Suprema Corte Americana (SCOTUS) definiu inúmeras doutrinas que definem o alcance da deferência que Tribunais devem atribuir às decisões das agências para distintas situações interpretativas.

Para o modelo brasileiro, a doutrina Chevron é mais pertinente. Ela define que os Tribunais devem ser deferentes às interpretações razoáveis realizadas pelas agências acerca de leis ambíguas relativas ao segmento regulado.

Esse modelo de deferência, porém, pode ser desafiado pela SCOTUS nas suas próximas decisões. Está sob julgamento, atualmente, o caso Kisor v. Wilkie. Neste o requerente pleiteou ao Tribunal a revogação de uma outra doutrina de deferência, a doutrina Auer. Distintamente da doutrina Chevron, que se aplica às interpretações da agência sobre as leis de seu setor, a doutrina Auer determina que Tribunais devem ser deferentes às interpretações das agências sobre seus próprios regulamentos ambíguos, salvo se nitidamente incorretas ou inconsistentes.

Nas audiências (oral hearings) realizadas no mês de março e numa séries de decisões anteriores, alguns Justices (Roberts, Thomas, Alito, Gorsuch, Thomas) apontaram o desejo, ou indicaram a possibilidade, de revisar a doutrina Auer, para o propósito de limitar a deferência às agências, isto porque a doutrina ofenderia princípios constitucionais - notadamente,  o princípio da Separação dos Poderes -, já que se não se poderia atribuir às agências o poder de regular e de interpretar seus próprios regulamentos.

Entende-se que a superação da doutrina Auer pode incentivar a revisão de outros parâmetros de revisão das decisões das agências, incluindo-se a doutrina Chevron, e poderia infirmar a expertise das agências reguladoras na definição do alcance da sindicabilidade judicial.

Essa decisão, assim, pode impactar o modelo de deferência brasileiro, já permeável aos padrões adotados nos Estados Unidos: a doutrina Chevron é referenciada no recente acórdão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 4874, e, ainda, noutras decisões do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, a atual discussão da SCOTUS no caso Kisor v. Wilkie e ulteriores repercussões são relevantes e podem inspirar a revitalização do mal definido modelo brasileiro de revisão judicial de atos administrativos.

 

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