Por Alfredo Copetti Neto e Janaína Soares Schorr - 21/11/2015
O Constitucionalismo Moderno, como é sabido, contrapõe-se ao Estado Absolutista e tem como premissa fundamental limitar politicamente o poder, não contemplando mais a potestas legibus solutas do Rei. Na verdade, no lugar do Rei foi colocada a Lei e a supremacia do primeiro foi substituída pela legitimidade formalmente democrática do Parlamento.
O Constitucionalismo Garantista, uma das vertentes do Constitucionalismo Contemporâneo, não Neoconstitucionalista, frisa-se, defende a possibilidade de se limitar e vincular juridicamente o poder, seja ele público ou privado, baseando-se, para tanto, seja nas liberdades individuais advindas da filosofia iluminista, seja na prerrogativa atual de direitos sociais.
Trata-se de um projeto normativo, que tem como ponto forte o controle material e efetivo de constitucionalidade, servindo à extinção de poderes absolutos e selvagens que ainda permeiam a realidade jurídica e fática da sociedade.
Criado com vista a se consolidar através de políticas, leis de atuação e garantias concretizáveis, o Constitucionalismo Garantista, contudo, não admite a conexão entre direito – produzido artificialmente – e moral – regra de comportamento individual ou coletivo –, o que o afasta, taxativamente, de um Constitucionalismo Principialista, cuja construção reaproxima o direito da moral, estabelece a ponderação de princípios como forma de aplicação do Direito, bem como defende a diferença estrutural entre regras e princípios jurídicos. Especificamente, para o Constitucionalismo Garantista, a moral aparece, assim como a economia, por exemplo, no ato de construção do direito, contaminando-o, porém, após este ato institucional, aquilo que é norma jurídica, construída pelo parlamento (bem como sua aplicação que vem pautada pelo princípio da legalidade, ver coluna de Streck sobre o tema aqui), e aquilo que é norma moral, construída pelo comportamento quotidiano, seja individual ou coletiva, não mais podem se confundir.
Dito de outro modo: a moral não legitima questões jurídicas e o Constitucionalismo Garantista, fiel a sua postura positiva crítica, em vista à defesa da autonomia do direito, estabelece a separação das duas esferas, seja no sentido assertivo (teoria do direito), seja no sentido axiológico (filosofia do direito).
O modelo proposto por Luigi Ferrajoli, desse modo, busca reforçar juridicamente as conquistas epistemológicas e políticas alcançadas pela modernidade, ordenando não apenas o “ser” do Direito, mas, igualmente e, sobretudo, o “dever ser” através dos seus três sentidos: como modelo normativo, como teoria do Direito e como filosofia política, a fim de que, através do direito e da democracia constitucional, sejam protegidos e efetivados os direitos fundamentais e as garantias constitucionais.
Ferrajoli aponta quatro princípios ou postulados que descrevem o paradigma constitucional garantista, correspondentes a quatro garantias, duas primárias (de responsabilidade dos Poderes Executivo e Legislativo) e duas secundárias (de responsabilidade do Poder Judiciário):
1) Princípio da legalidade: nas acepções ampla, formal ou legal e estrita, substancial ou constitucional. O princípio da legalidade assume nova complexidade no paradigma constitucional, como princípio normativo e como princípio lógico. Assim, “onde quer que haja um poder, seja ele público ou privado, executivo, judiciário ou legislativo, estatal, extraestatal ou supra-estatal, devem existir normas primárias, não apenas formais, mas também substanciais, que regulem o seu exercício, submetendo-o aos limites e aos vínculos nos quais consistem as garantias primárias correspondentes aos direitos e aos interesses constitucionalmente estabelecidos, bem como à separação entre os poderes que impedem as confusões ou concentrações destes” (FERRAJOLI, 2015, p. 62).
2) Princípio da completude deôntica: através e por consequência dele, onde quer que existam direitos ou interesses estabelecidos por normas primárias, é necessário que sejam introduzidos, como garantias primárias deles os deveres que lhe são correspondentes.
3) Princípio de jurisdicionalidade: este princípio impõe que onde existe uma norma ou garantia primária, deverá haver, também, norma secundária. Esta devido às possíveis violações daquela.
Este princípio supõe o princípio da legalidade, pois que “somente a predeterminação legal do objeto que será levado a juízo serve, de fato, para fundar a jurisdição relativamente à verificação daquilo que pela lei ou pela Constituição foi estabelecido, segundo o princípio – simétrico e oposto àquele hobbesiano – veritas, non auctoritas facit iudicium” (FERRAJOLI, 2015, p. 64).
No modelo jurídico garantista os juízes não estão submetidos também às leis, e sim, somente à lei, residindo nisto a manutenção do Estado de Direito.
4) Princípio da acionabilidade: o último postulado se refere ao fato de que onde quer que exista uma jurisdição, deverá haver, como ulterior garantia secundária, a possibilidade de sua utilização pelo indivíduo que se sentir lesado, como concretização do direito de acesso à justiça.
Estes quatro princípios compõem o conjunto de regras que disciplinam a produção do direito, e, em caso de violação, marcam o aparecimento do direito ilegítimo. Assim, os dois primeiros enfocam as relações de caráter normativo e lógico que permeiam os diferentes níveis do paradigma constitucional garantista. Enquanto que os dois últimos são princípios teóricos que, se por um lado implicam os dois primeiros princípios, por outro, são necessários para assegurar a sua real efetividade.
A crise do paradigma constitucional é, por assim dizer, uma crise de todos os quatro princípios, e é a partir do seu efetivo combate que depende o futuro do constitucionalismo e da democracia.
O constitucionalismo garantista, agindo para o bem do direito e da democracia, propõe novas soluções que, não resolvendo a crise existente no Estado Democrático de Direito de forma imediata, concede alternativas para que ela seja minimizada e possa ser combatida de forma mediata. Contudo, é necessário que todos assumam a sua corresponsabilidade no processo, vez que, nas palavras do professor italiano, “em relação ao futuro do Estado de Direito e da democracia constitucional somos todos, em várias medidas, responsáveis” (2013, p. 399).
Notas e Referências:
FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Orgs.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 13-56.
FERRAJOLI, Luigi. O futuro da democracia na Europa. Direitos e poderes na economia global. Revista Direitos Humanos e Democracia. Editora Unijuí, ano 1, nº 2, p. 386-399, julho/dezembro 2013.
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Alfredo Copetti Neto é Doutor em Direito pela Università di Roma, Mestre em Direito pela Unisinos. Cumpriu estágio Pós-Doutoral CNPq/Unisinos. Professor PPG-Unijuí. Unioeste e Univel. Advogado OAB-RS.
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Janaína Soares Schorr é mestranda em Direitos Humanos junto à Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, integrante do projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista e advogada OAB-RS. .
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