Restrição (inadequada) no cabimento do agravo de instrumento – Por Marco Aurélio Serau Junior

09/12/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

O CPC/2015 foi discutido com a perspectiva de acelerar o tempo de duração dos processos e passou a vigorar carregado de esperança do pleno exercício dos direitos das pessoas.

Nesse caminho, a aposta mais alta residiu na alteração do sistema recursal, alterado em vários de seus segmentos.

Uma das mais drásticas alterações proporcionadas pelo CPC/15 teve como alvo o recurso de agravo de instrumento. Tomamos a liberdade, devido a sua importância, de transcrever a redação integral do art. 1.015 do estatuto processual civil:

“Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

XII - (VETADO);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.”

Como se vê, o sistema recursal atual passou a comportar hipóteses apenas taxativas de cabimento do agravo de instrumento. O art. 1.015 permite que a legislação preveja outras hipóteses, fora do CPC, onde caiba o agravo de instrumento, a exemplo da impugnação da decisão liminar em mandado de segurança (art. 7º, § 1º, da Lei 12.016/09 – Lei do Mandado de Segurança), ou a decisão que recebe a petição inicial em ação de improbidade administrativa (art. 17, § 10, da Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa).

Outra novidade foi a extinção do agravo retido, igualmente visando a celeridade processual.

Os demais tipos de decisões interlocutórias não se submetem à preclusão (art. 1.009, § 1º), e podem ser aventadas como matéria preliminar do recurso de apelação ou nas contrarrazões.

Bem resume esse novo cenário recursal o magistério de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER et alli:

“A opção do NCPC foi a de extinguir o agravo na sua modalidade retida, alterando, correlatamente, o regime das preclusões (o que estava sujeito a agravo retido, à luz do NCPC, pode ser alegado na própria apelação) e estabelecendo hipóteses de cabimento em numerus clausus para o agravo de instrumento: são os incisos do art. 1.015 somados às hipóteses previstas ao longo do NCPC”[1]

Segundo lição doutrinária de nossa autoria, com respaldo no imenso BARBOSA MOREIRA:

“A recorribilidade ou irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas no primeiro grau de jurisdição parece, antes de qualquer coisa, uma questão de política legislativa. O legislador definirá se e como as decisões interlocutórias poderão ser objeto de recursos. Deste modo, surgem basicamente três sistemas: irrecorribilidade, recorribilidade imediata e intermediário (, )

No sistema processual do CPC/73, por sua vez, toda e qualquer decisão interlocutória permitia a interposição do agravo de instrumento, ainda que houvesse a possibilidade de sua conversão em agravo retido. Essa é a redação contida no art. 522 daquele diploma:

“Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de dez dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.”

É claro que importantes modalidades de decisão interlocutória estão albergadas na redação do art. 1.015 do CPC/15, como agravo de instrumento contra decisão relativa a tutelas provisórias (inciso I); relativas ao mérito do processo (II); a respeito de desconsideração da personalidade jurídica (IV) ou aquelas sobre gratuidade processual (inciso V) ou litisconsórcio (incisos VII e VIII).

Entretanto, outras hipóteses de decisão interlocutórias, igualmente relevantes, ficaram de fora, sob o argumento de evitar o aumento do (já elevado) nível de recorribilidade no sistema judicial brasileiro.

Ficaram de fora, para dar um único e importante exemplo, as decisões interlocutórias referentes à instrução probatória, como aquelas que determinam a emenda à petição inicial (exigindo a juntada de documentos tidos como indispensáveis à propositura da ação, ou determinando o esclarecimento do pedido formulado na exordial), ou aquelas que indeferem a produção de provas.

Discordamos frontalmente da linha adotada pelo novo CPC/15 quanto ao recurso de agravo de instrumento, em razão de seu viés exclusivamente norteado à redução de acervo judiciário.

Ademais, não identificamos atualmente espaço para ampliações hermenêuticas do conteúdo do art. 1.015, na tentativa de abranger também outras hipóteses importantes, como decisões interlocutórias referentes à instrução probatória. No mesmo sentido a tese do mandado de segurança contra ato judicial, em relação ao que igualmente não vislumbramos espaço nos Tribunais.

O quadro é preocupante porque visualizamos duplo prejuízo aos jurisdicionados. A uma, se houver a anulação do processo, a fim de que seja produzida a prova requerida ou refeito o ato processual relativo à instrução probatória (a despeito da previsão do art. 1.013, § 3º, do CPC/15), ocorrerá delonga desnecessária e evitável do curso processual.

A duas: a nítida tendência é a formação de uma jurisprudência defensiva, no sentido inequívoco da manutenção das sentenças tais quais proferidas, sem interferência no julgamento do primeiro grau, ainda que eventuais vícios processuais tenham ocorrido.

Essa dupla perspectiva, contrário ao princípio constitucional do acesso à justiça, é grave e deve ensejar pronta mobilização dos atores processuais, a fim de que seja revista a previsão legal restritiva e compatível apenas com a redução de acervo judiciário.

Que sejam ouvidas as sábias palavras de Denis Donoso, em obra em que tenho o prazer de dividir a coautoria:

“Em conclusão, o rol do art. 1.015 do CPC é taxativo, mas não deveria sê-lo, porque insustentável diante da riqueza das situações advindas da prática do foro. O CPC vigente assume, embora não devesse, o sistema intermediário, prevendo um regime de irrecorribilidade para as interlocutórias não agraváveis. São tantas as inconveniências das opções legislativas que não será surpresa se a jurisprudência mitigar, como, historicamente, tem feito, os rigores para a admissão do agravo de instrumento”[2].


Notas e Referências:

[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de, Primeiros Comentários ao novo Código de Processo Civil – artigo por artigo, S. Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª tiragem, 2015, p. 1.453.

[2] DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – teoria e prática (Editora Juspodivm, 2016).


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