Restinga: importância ecologia e proteção legal.
Introdução
Presentes ao longo do litoral brasileiro, as restingas se distribuem geograficamente, em pontos específicos e descontínuos por mais de 5.000 km. A ocorrência das restingas pode ser observada principalmente no litoral de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas, Sergipe e Bahia. Um exemplo típico é a Área de Preservação Ambiental Paulo Cesar Vinha, no litoral do Espirito Santo, entre os municípios de Vila Velha e Guarapari, criada em 1998 com uma área de 12.960/ha.[1]
A restinga, sob o ponto de vista ecológico, pode ser definida como um espaço geográfico formado por depósitos arenosos paralelos à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzida por processo de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, podendo ter cobertura vegetal em mosaico. É uma vegetação típica das praias e das dunas, porém, pode ser encontrada em estuários.[2] Trata-se de ecossistema determinado fisicamente pelas condições edáficas[3] e pela influência do mar, remanescente do bioma da Mata Atlântica.
Segundo Monik da Silveira Suçuarana[4], os estudos geológicos indicam que as restingas começaram a se formar há milhares de anos pelo recuo do nível do mar, direcionando grande quantidade de areia das plataformas continentais em direção à praia, com isso houve formação das planícies arenosas. Durante o Quaternário as variações no nível do mar ocorreram no mínimo três vezes, expondo e cobrindo áreas litorâneas que hoje formam as restingas.
Cuida-se, no presente artigo, de retratar a importância ambiental das restingas – geralmente desconhecida e da proteção legal atribuída pelo Código Florestal Brasileiro.
Aspectos gerais sobre a restinga e sua importância.
No Brasil, alguns autores usam o termo "restinga" apenas para designar o tipo de terreno, denominando a vegetação como nhundú ou jundú[5]. Para outros, a restinga pode ser definida como um terreno arenoso e salino, próximo ao mar e coberto de plantas herbáceas características.
A vegetação das restingas é influenciada por alguns fatores abióticos[6], entre os quais se destacam: a) a topografia do terreno; b) a influência marinha e c) o solo. Essas condições ambientais determinam as diferentes fisionomias vegetais da restinga.
Monik da Silveira Suçuarana[7] destaca que as principais fisionomias das áreas mais secas de restinga são:
- Vegetação herbácea ou subarbustiva – vegetação rasteira com alguns arbustos, atingindo cerca de 1 metro de altura.
- Vegetação arbustiva – localiza-se sobre cordões arenosos, formada por plantas arbustivas com até cinco metros de altura, que podem formar moitas separadas por áreas sem vegetação ou um adensamento contínuo.
- Floresta baixa de restinga – Ocupa áreas interiores da planície costeira. Vegetação predominantemente arbustiva e arbórea com árvores que podem chegar a 15 metros de altura.
- Floresta alta de restinga – ocorre mais distante do mar, dando sequência à floresta baixa de restinga, em solos bem drenados e com maior quantidade de nutrientes.
A fauna da restinga é bastante rica e diversificada, podendo destacar a presença de aves migratórias; papagaios e corujas. Em relação aos mamíferos, é possível encontrar mico-leão e lontra. É, ainda, é o habitat para caranguejos e utilizada pelas tartarugas marinhas como locais de desova.
Objetivamente, a restinga é importante para o meio ambiente por duas razões: a) a vegetação de restinga exerce importante papel físico-ambiental, constituindo uma barreira para a ressaca do mar, para a erosão das praias e na contenção do avanço das dunas e, b) as restingas abrigam importantes espécies da fauna, algumas em extinção, e da flora, muitas vezes utilizadas para fabricação de medicamentos ou mesmo base para alimentação.
As ameaças à conservação das restingas.
As restingas, em razão da localização geográfica, geralmente são ameadas quanto a sua conservação pelo conflito direto com os Seres Humanos, em razão do uso e da ocupação do solo. As principais ameaças à conservação das restingas são: a) a expansão urbana, que tem transformado extensas matas de restinga em áreas urbanas horizontais; b) a especulação imobiliária de áreas litorâneas, seja por meio da construção em área de restinga ou com a construção paralela, dificultando a regeneração ou preservação da restinga pelo sombreamento das áreas; c) o turismo predatório, sem um trabalho de conscientização da importância de preservação das Restingas; d) a poluição pelo descarte de lixo e até mesmo de efluentes (resíduos residenciais ou mesmo industriais); e) a práticas de uso relacionadas com a caça de animais silvestres, o desmatamento e as queimadas; f) o tráfego de veículos, primeiro diretamente na restinga, afetando o desenvolvimento da vegetação e segundo, pelas rodovias paralelas e incidentes em áreas de restinga, dificultando o corredor ecológico e matando as espécies da fauna; g) a presença de espécies exóticas, afetando o desenvolvimento da vegetação e a dinâmica do ambiente; h) a falta de planejamento para uso das áreas das Restingas, assim como a falta de educação ambiental sobre a importância das restingas.
A proteção legal das restingas.
A restinga, dada a importância e a relevância e, também, considerando as ameaças, é considerada área de preservação permanente pela legislação brasileira.
Assim, para conter ou mitigar a degradação da restinga, garantindo que essas áreas possam continuar exercendo sua importante função ambiental, o Código Florestal brasileiro – Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012 enquadrou as áreas de restingas como Áreas de Preservação Permanente - APP, estipulando regras para uso e ocupação, conforme dispõe o inciso VI do art.4º e 7º da Lei.
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
(...)
Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
O Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA, por sua vez, editou algumas Resoluções retratando a situação das restingas, dentre as quais é possível destacar a Resolução n.º 07/1996, que definiu o conceito de restinga sob o aspecto normativo: entende-se por vegetação de restinga o conjunto das comunidades vegetais, fisionomicamente distintas, sob influência marinha e fluvio-marinha. Estas comunidades, distribuídas em mosaico, ocorrem em áreas de grande diversidade ecológica sendo consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do solo que do clima.
A segunda Resolução em destaque foi a de n.º 303/2002, que dispôs sobre parâmetros, definições e limites da APP, estabelecendo que constitui APP a área situada nas restingas: em faixa mínima de 300 m, medidos a partir da linha de preamar máxima; ou em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.
O debate sobre a compreensão jurídica de proteção da restinga e a Apelação Cível Nº 2014.079.082-7 do TJ/SC
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Apelação Civil n.º 2014.079.082-7, segundo informa o site da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina[8], reconheceu a ilegalidade de uma decisão judicial de piso que impedia a Fundação do Meio Ambiente (Fatma) de conceder qualquer licença ambiental para corte de vegetação de restinga em todo o Estado sob o argumento de violação ao Código Florestal Brasileiro.
A notícia informa que o fio condutor da exegese vitoriosa no Tribunal de Justiça foi a compreensão de que a restinga só seria considerada Área de Preservação Permanente (APP) quando cumprisse a função de fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.
O debate exegético, embora eventualmente possa atender aos parâmetros jurídicos de um julgamento objetivo à luz da Resolução CONAMA n.º 303/2002, desconsiderou os aspectos ecológicos envolvidos na decisão, qual seja, que a restinga, apenas por seus atributos, é uma área de preservação permanente e, ao mesmo tempo, um remanescente da Mata Atlântica.
Logo, permissa vênia, a proteção para as áreas de restingas contida no ordenamento jurídico não deve sofrer um corte hermenêutico raso, circundando apenas os ambientes em que as restingas exerçam a função de fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, pois, as restingas possuem dupla filiação jurídico-legal, sendo área de preservação permanente e ecossistema especialmente protegido do bioma da mata atlântica. Sobre o tema, recomenda-se a leitura do REsp n.º 945898 SC 2007/0094247-7, voto do Ministro Herman Benjamin[9].
Conclusão
É possível concluir, primeiro, que a restinga está presente em todo o litoral do Brasil, cumprindo importante função ambiental e ecológica; segundo que embora as restingas sejam essenciais ao meio ambiente, o Ser Humano desconhece e ignora sua importância pela falta de Educação Ambiental; terceiro que as restingas, embora sejam consideradas como área de preservação permanente e como um ecossistema protegido do bioma da mata atlântica, sofre pressão da expansão urbana e da especulação imobiliária.
É curial que a sociedade e os poderes públicos constituídos compreendam o papel e a importância jurídico-ambiental das restingas, seja pela flora, sendo considerada a maior vegetação litorânea presente no território brasileiro; seja pela biodiversidade, em razão da presença de espécies que não podem ser encontradas em outro ambiente ou, ainda, pela função físico-ambiental de contenção da erosão, da ressaca do mar e do des
[1] Disponível em https://uc.socioambiental.org/uc/592204 - Acesso em 04 de jan. 2018.
[2] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Restinga - Acesso em 04 de jan. 2018.
[3] Disponível em https://www.dicio.com.br/edafico - Acesso em 04 de jan. 2018. Definição de edáfico: que pertence ou pode estar relacionado ao solo; que está compreendido nos limites do solo; diz-se da água. Diz-se daquilo que pode ser influenciado pelo solo; diz-se dos vegetais.
[4] Disponível em https://www.infoescola.com/biomas/restinga - Acesso em 04 de jan. 2018.
[5] Löfgren, A. (1898). Ensaio para uma distribuição dos vegetaes nos diversos grupos florísticos no estado de São Paulo. Boletim da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, n.11, p.5-50, 2a ed., [1]. [1a ed., 1896.]
WALTER, B. M. T. (2006). Fitofisionomias do bioma Cerrado: síntese terminológica e relações florísticas. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, [2].
[6] Disponível em http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Ecologia/abioticosebioticos.php - acesso em 04 de jan. 218. É aquilo que é desprovido de vida, o contrário de biótico. A (negação) bio é igual a vida.
[7] Disponível em https://www.infoescola.com/biomas/restinga - Acesso em 04 de jan. 2018.
[8] Disponível em http://www.pge.sc.gov.br/index.php/imprensa/noticias/1095-tj-julga-ilegal-decisao-que-proibia-qualquer-corte-de-restinga-no-estado - Acesso em 04 de jan. 2018
[9] Disponível em https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16825914/recurso-especial-resp-945898-sc-2007-0094247-7-stj/voto-16825918?ref=juris-tabs. Acesso em 05 de jan. 2018.
Imagem Ilustrativa do Post: Restinga // Foto de: ricklecone // Sem alterações
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