RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIMES AMBIENTAIS

31/01/2019

A preocupação com a proteção ao meio ambiente não é nova no Brasil, sempre ganhando vulto após alguma lamentável tragédia, como a que vitimou a cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, nos últimos dias.

Nesse aspecto, a Constituição Federal, no art. 225, “caput”, estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

O art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, define meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”

A responsabilidade penal, entretanto, por crimes ambientais é que sempre tem gerado intensas discussões, principalmente no que se refere à responsabilização de pessoa jurídica.

Em nosso ordenamento jurídico pátrio, a responsabilidade penal alcança praticamente somente as pessoas físicas ou naturais, até por influência da máxima latina “societas delinquere non potest”.

A Constituição Federal de 1988, nesse aspecto, no §3º do art. 225, estabeleceu que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (grifo nosso). Portanto, a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais tem lastro constitucional, não obstante toda a celeuma gerada com relação à efetiva aplicação das penas previstas na legislação ambiental.

A Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) prevê também, em seu art. 3º, que “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente (...), nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade”.

Essa responsabilidade penal do ente coletivo vem sendo largamente admitida inclusive nas cortes superiores. Tem se entendido que a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. Até porque, se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já entendeu que a culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. Nesse aspecto, “a Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. Não há ofensa ao princípio constitucional de que ‘nenhuma pena passará da pessoa do condenado...’, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.” (STJ – REsp 564.960/SC – Rel. Min. Gilson Dipp – 5ª T. – j. 2-6-2005 – DJ, 13-6-2005, p. 331).

É bem de ver, ademais, que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, vindo esta regra estampada expressamente no art. 3º, parágrafo único, que estabelece que “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”. Assim, poderão ser responsabilizadas pelo crime ambiental tanto as pessoas jurídicas quanto as pessoas físicas envolvidas na prática delitiva.

A Lei dos Crimes Ambientais prevê, inclusive, a desconsideração da personalidade jurídica do ente infrator. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica, nos termos do art. 4º da lei, sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Isso porque, ao longo do tempo, foram sendo criados mecanismos jurídicos, cada vez mais eficazes, objetivando a proteção da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, visando assegurar a distinção entre ela e seus integrantes, incentivando a iniciativa privada que, por meio das atividades econômicas, passou a promover o desenvolvimento do Estado. Protegia-se a pessoa dos sócios, quanto ao seu patrimônio pessoal, tornando-o intocável, mas gerando, por outro lado, o incentivo à prática de fraudes e abusos de toda ordem, lesando terceiros de boa-fé. Visando coibir tais abusos, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que teve sua origem na jurisprudência norte-americana, lá denominada “disregard of legal entity” ou “lifting the corporate veil”, expressões que, traduzidas para o nosso vernáculo, significam, respectivamente, desconsideração da personalidade jurídica ou o levantamento do véu da personalidade jurídica. Para tanto, são identificados na doutrina e jurisprudência, três princípios que devem nortear a aplicação da desconsideração: a) utilização abusiva da pessoa jurídica, no sentido de que a mesma sirva de meio, intencionalmente, para escapar à obrigação legal ou contratual, ou mesmo fraudar terceiros; b) necessidade de se impedir violação de normas de direitos societários; e c) evidência de que a sociedade é apenas um “alter ego” de comerciante em nome individual, ou seja, pessoa física que age em proveito próprio por meio da pessoa jurídica.

Com relação às sanções aplicáveis às pessoas jurídicas, dispõe o art. 21 da Lei nº 9.605/98 que “as penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade.”

A multa, nos termos do art. 18 da lei, será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida.

As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica, por sua vez, de acordo com o disposto no art. 22, são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

Outrossim, nos termos do que dispõe o art. 23 da lei, a prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Por fim, a Lei dos Crimes Ambientais previu, inclusive, no art. 24, a liquidação forçada da pessoa jurídica, que se convencionou chamar de “pena de morte da pessoa jurídica”. Assim, quando a pessoa jurídica for constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na Lei dos Crimes Ambientais, terá ela decretada sua liquidação forçada e seu patrimônio considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Edifício do Banespa // Foto de: Rodrigo Soldon // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/soldon/3405036521/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura