República da Bruzundanga – Uma interpretação sob a visão jurídica contemporânea – Por Roberto Victor Pereira Ribeiro

13/09/2017

Afonso Henriques de Lima Barreto respirou o primeiro oxigênio da vida extrauterina no dia 13 de maio de 1881, na então Capital do Brasil, Rio de Janeiro.

Lima Barreto, com descendência mulata, viveu em um Brasil que a pouco havia abolido oficialmente a escravatura. Contrariando os ditames sociais da época, Lima Barreto teve oportunidade de adquirir excelente instrução escolar.

Assim como Esopo se tornou célebre com a famigerada fábula do “lobo em pele de cordeiro”, quebrando, assim, os paradigmas da sociedade. Lima Barreto expôs toda sua crítica contra a República velha dos tempos imperiais e a fez em sua clássica obra “Os Bruzundangas”.

Lima Barreto parece ter se espelhado na biografia de Omar Khayyam, profícuo escritor persa, quando começou a reunir em sua mente perfeitamente revestida pelo córtex cerebral, conhecimentos de todas as searas acadêmicas, seus tipos e formas.

Narra a biografia que Omar recusou de um amigo a fortuna que lhe oferecia. Ao invés disso, pediu ao amigo que o deixasse, apenas, viver sobre a sombra de sua fortuna, para assim ter a vantagem de ganhar conhecimento de todas as ciências, sem se preocupar com sua mantença.

A República da Bruzundanga, país imaginário idealizado por Lima Barreto, possuía o clássico modelo de Montesquieu, a famigerada teoria da tripartição de poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

“A República dos Estados Unidos da Bruzundanga tinha, como todas as repúblicas que se prestam, além do presidente e juízes de várias categorias, um Senado e uma Câmara de Deputados”.[1]

A Separação dos poderes é a tese desenvolvida por Montesquieu em sua conhecida obra “O Espírito das Leis”, que visa moderar e regular o poder estatal, dividindo-o em funções, e dando competências a órgãos diferentes da estrutura governamental. Montesquieu concluiu que "só o poder freia o poder", no chamado “Sistema de freios e contra-pesos" (Checks and balances).

A eleição parlamentar da Bruzundanga possui similitude com a do Brasil hodierno, já que ambas as repúblicas têm as eleições de seus representantes do legislativo, efetuadas através de sufrágio direto e com prazos de mandatos diferentes entre senadores e deputados federais.

Na Bruzundanga, os doutores tinham o privilégio de serem detidos em celas especiais, como podemos ler: “O nobre doutor tem prisão especial, mesmo em se tratando dos mais repugnantes crimes. Ele não pode ser preso como qualquer do povo.”[2]

No Brasil depara-se com essa mesma realidade e, por determinadas condições culturais, acrescenta-se outras funções, entre as quais: Ministros de Estado; Parlamentares; Governadores e Secretários; Prefeito; Magistrados; Advogados e Procuradores; Membros do Ministério Público; Dirigentes eleitos pelos sindicatos; Delegados e policiais; líderes religiosos; Jornalistas Oficiais das Forças Armadas; Oficiais do Corpo de Bombeiros; Graduados com curso superior e funcionários da Administração Criminal.

Os delegados de Bruzundangas eram chamados de “alcaídes” e atuam com semelhança as funções de nosso delegado de polícia. O cargo de delegado no país de Lima Barreto só podia ser ocupado por advogados e por nomeações temporárias.

Tal como a nossa Constituição Federal de 1988, a Carta Maior de Bruzundanga proibia peremptoriamente a acumulação de cargos públicos.

“A Constituição da Bruzundanga proíbe acumulações remuneradas, mas as leis ordinárias acharam meios e modos de permitir que os doutores acumulassem”.[3]

Na Bruzundanga, o assunto era tratado com certa relatividade, sendo muito comum presenciar “médicos que são ao mesmo tempo clínicos do Hospital dos Indigentes; lentes da Faculdade de Medicina e inspetores dos telégrafos; há, na Bruzundanga, engenheiros que são a um só tempo professores de grego no Ginásio Secundário do Estado, professores de oboé no Conservatório de Música e peritos louvados e vitalício de incêndios”.[4]

Na Bruzundanga de 1923 era comum encontrar os diversos casos de nepotismo.

Vocábulo proveniente do latim nepos, neto ou descendente, Nepotismo é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas, no que diz respeito à nomeação de cargos.

Originalmente, os filólogos atribuíam esta palavra exclusivamente aos comportamentos do papa em relação aos seus parentes, mas atualmente a acepção é outra. Hoje é sinônimo de privilegiar parentes colocando-os em cargos públicos.

À título de curiosidade, no Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha é lembrada como o primeiro caso de tentativa de nepotismo. De acordo com a interpretação original, ao final da carta Caminha teria pedido ao rei um emprego ao seu genro.

Lima Barreto comenta que em Bruzundanga “não há homem influente que não tenha, pelo menos, trinta parentes ocupando cargos do Estado; não há política influente que não se julgue com direito a deixar para seus filhos, netos, sobrinhos, primos, gordas pensões pagas pelo Tesouro da República”.[5]

Em ares de recência, o Conselho Nacional de Justiça elaborou uma Resolução contra o nepotismo no Brasil. O texto da Resolução 7 é expresso:

Art. 1º É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.

Portanto, em plagas brasileiras, ou melhor, na República Federativa do Brasil, a prática do nepotismo está sendo fiscalizada e, quando flagrada, apenada.

Não havia respeito ao Estado Democrático de Direito na República da Bruzundanga, principalmente depois do advento de uma lei proposta por um deputado que previa a seguinte redação: “Toda a vez que um artigo da Constituição ferir os interesses de parentes de pessoas da situação ou de membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso”.[6]

O Estado Democrático de Direito, deve ser observado e policiado pelo legislador para não existir criação de leis ou normas que privilegiem ou persigam pessoas.

O Estado Democrático de Direito preconiza que ninguém se encontra acima das leis, nem mesmo o Presidente da República.

Essa obra de Lima Barreto é um dos clássicos da literatura nacional e até mundial, exerce-se, portanto, um dever literário a indicação desta obra que comenta os percalços de uma república imaginária, mas que guarda muita semelhança com a que vivemos.


Notas e Referências:

Os Bruzundangas Lima Barreto Ed. Martin Claret 2014 – 172 páginas

[1] Ibid, 2005, p. 17

[2] Op. Cit. 2005, p. 22

[3] Op. Cit. 2005, p. 22

[4] Ibid,  2005, p. 22

[5] Ibid, 2005, p. 28

[6] Ibid, 2005, p. 37


 

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