Repetição do indébito, contribuinte de fato e contribuinte de direito

11/02/2015

Por Velocino Pacheco Filho - 11/02/2015

O art. 165 do CTN – Código Tributário Nacional – assegura ao sujeito passivo a restituição do tributo pago indevidamente ou a maior que o devido, nas hipóteses que discrimina.

No caso dos tributos indiretos – definidos como aqueles em que o ônus do tributo é repassado ao adquirente da mercadoria, produto, serviço etc., surge a questão de saber a quem deve ser devolvido o tributo, i.e., quem tem legitimidade para pleitear a restituição?

Isto por que nos tributos indiretos distingue-se a contribuinte de fato do contribuinte de direito. Este último é a pessoa de quem o Estado pode exigir o imposto. A norma de incidência tributária, uma vez concretizado no mundo real o fato correspondente ao fato gerador do tributo, como descrito hipoteticamente no antecedente da norma, estabelece uma relação jurídica, de caráter obrigacional, envolvendo o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (contribuinte ou responsável), que tem por objeto o pagamento do tributo. Já o contribuinte de fato é a pessoa que arcaria com o ônus do tributo, embutido no preço da mercadoria, do produto, do serviço etc. É o que se chama de “repercussão financeira” do tributo.

O sujeito passivo, conforme dispõe o art. 121 do CTN “é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária”. Pode ser, de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo, contribuinte, “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”, ou responsável, “quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.

O contribuinte, no caso do ICMS, por exemplo, é quem promove a operação de circulação de mercadoria ou quem presta o serviço de transporte ou de comunicação. Estamos falando do contribuinte de direito – quem tem a obrigação de recolher o tributo – e único a ter legitimidade para pedir restituição do tributo pago indevidamente. Não se trata de um “mero dever de cobrar e repassar ao Erário”, como se poderia pensar.

Para se entender essa mecânica, devemos examinar com mais profundidade o fato econômico subjacente. Não se trata de interpretação econômica do direito tributário, mas de compreender o fato sobre o qual incide a norma tributária.

O direito cria sua própria realidade: ao completar 18 anos, o jovem passa de inimputável a imputável criminalmente; presume-se a violência no sexo com menor de idade, ainda que consentido. Paulo de Barros Carvalho distingue com propriedade o fato-do-mundo (evento) do fato jurídico. O fato-do-mundo somente adquire juridicidade quando vertido na linguagem competente do direito.

Ora, a caracterização do tributo como indireto não é um conceito jurídico, mas econômico. Contribuinte de jure ou contribuinte de facto, constituem uma classificação econômica e não jurídica. Então, precisamos entender o fato econômico, para saber onde e como se aplica a norma jurídica.

Em termos econômicos, o tributo que incide sobre a mercadoria, o produto, o serviço etc. pode repercutir sobre o adquirente no todo, em parte ou não repercutir. A repercussão depende de características do mercado do produto, tais como elasticidade-preço da sua demanda ou do poder de monopólio ou monopsônio que o vendedor ou comprador detenha. A empresa monopolista (ou olipolista) tem maiores condições de repassar o tributo nos preços que a em presa em concorrência.

Então, o contribuinte de direito pode arcar com o ônus do tributo? Sim. É exatamente isso que pode acontecer. É claro que há um limite para as empresas suportarem o tributo, além do qual elas saem do mercado.

Assim, querer reconhecer a legitimidade do contribuinte de fato para pedir restituição do indébito é querer simplificar temerariamente uma realidade muito mais complexa. Não se pode querer conformar a norma aos fatos. A norma seleciona os aspectos da realidade sobre os quais incidir.

Mas, o tributo pode efetivamente repercutir, no todo ou em parte, sobre o contribuinte de fato. Por isso, o legislador prudentemente acrescentou o art. 166 que, no caso de “tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro”, condiciona a restituição a que o contribuinte de direito prove que assumiu o referido encargo ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

O art. 166 revela o perfeito conhecimento do legislador sobre as nuanças do fato econômico sobre o qual estava legislado. Esse dispositivo contém a presunção de que o ônus financeiro é transferido ao contribuinte de fato, mas essa presunção pode ser afastada por prova inequívoca de que não o transferiu. Porém, a legitimidade para pleitear a restituição é do contribuinte de direito.

No caso de haver transferido o ônus do tributo a terceiro, para prevenir o locupletamento ilícito, o pedido de restituição deve ser acompanhado de autorização do terceiro para pedir restituição.

Não cabe ao intérprete, com base em entendimento equivocado do fato, adotar procedimento diverso do previsto pelo legislador.

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Sem título-1Velocino Pacheco Filho é Auditor Fiscal da Receita Estadual (SC). Mestre em Direito do Estado pela UFSC, pós-graduação latu sensu em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e em Administração Tributária pela ESAF (Escola Superior de Administração Fazendária). Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Contribuintes (atual TAT).

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