REPE&C Especial (XIª REPE&C) - Estado de Direito para quem? - Por Flaviane de Magalhães Barros

23/10/2017

Nos dias 28, 29 e 30 de outubro de 2017 foi realizada a XIª Reunião da Rede de Pesquisa Estado & Constituição – REPE&C, nas dependências do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNICHRISTUS, em Fortaleza/CE/Brasil e sob os auspícios financeiros da CAPES e do CNPQ, com a presença de membros do Brasil, Portugal, Itália e Espanha, para discutir o tema geral: “Fim do Estado de Direito (?)”.

Como forma de compartilhar com os leitores da coluna Sconfinato buscou-se organizar uma relatoria para cada uma das sessões da reunião.

Coube a mim a relatoria da primeira sessão em que interviram Jose Luis Bolzan de Morais, Walber Araújo Carneiro e Alfonso de Julios-Campuzando.

Quando se discute o fim do Estado de Direito pode-se pensar muitas coisas e diversos pontos podem ser levantados desde uma perspectiva política, sociológica, econômica, filosófica e, no caso, principalmente jurídica.  Na reunião da Rede vários aspectos como esses foram discutidos.

Partindo da proposta desenvolvida por Bolzan de Morais que retoma o conceito waratiano de “senso comum teórico dos juristas” buscou-se reforçar essa noção já que a própria pergunta sobre o fim ou mesmo a existência do Estado de Direito para muitos juristas parece um verdadeiro absurdo ou uma irresponsabilidade em tempos tão difíceis como os atuais onde, em todos os Estados-Nação, o Estado de Direito e suas instituições estão sendo postos à prova. O que pretendeu Bolzan, com isso, foi chamar à atenção para que não fiquemos paralisados diante de uma noção mítica de Estado de Direito, até mesmo como estratégia de reforço do seu projeto inacabado.

Discutir sobre a existência do Estado de Direito é colocar em prova, certamente, a compreensão do conceito de Estado-Nação, em razão das novas territorialidades e das fraturas e fragilidades da compreensão da soberania, elementos base da referida proposta. A todo tempo eles estão sendo colocados em cheque na atualidade o que permite que se questione a perenidade do Estado de Direito, diante do esboroamento de tais pressupostos da própria forma estatal moderna, o Estado.

Ou, ainda, se mergulharmos fundo na questão, como proposto na discussão de abertura da Reunião da Rede de Pesquisa Estado & Constituição, é possível discutir se o Estado de Direito verdadeiramente existiu, especialmente, quando a análise é feita a partir dos direitos sociais confrontados com dados divulgados por diversas fontes, desde organismos internacionais até ONGs.

Buscando alinhar um diálogo entre as três intervenções apresentadas na manhã de quinta-feira (28 de outubro de 2017), na Reunião de Fortaleza, podemos perceber que a implicações da discussão sobre Estado de Direito permitem várias miradas, seja no âmbito econômico, seja a partir dos impactos das novas tecnologias, seja por um viés político ou ainda por problemas considerados a partir da própria ciência do direito, relacionados aos direitos fundamentais. Essas perspectivas foram analisadas e debatidas por Bolzan de Morais, Carneiro e Julios-Campuzano.

Desse debate tomei um ponto que considero importante destacar que é a vinculação que o Estado de Direito tem como a Democracia. Democracia essa que exigiria um compromisso do Estado Democrático de Direito com a redução das desigualdades sociais e concretização de direitos fundamentais sociais. Para que se alcance tais propósitos seria importante que o Direito e algumas das instituições do Estado Democrático de Direito assumissem verdadeiramente o seu papel contramajoritário, que permitisse garantir direitos fundamentais de minorias atacados por um maioria que é contingente, porque é fluida, e muda conforme a atuação dos sujeitos políticos, dependendo de determinadas pautas. Ela exige também que se discuta o próprio papel dos políticos e como os partidos políticos se organizam e se apresentam.

Tomando essa três análises, apropriadas das intervenções da sessão matutina da reunião, creio que é possível vislumbrar que a noção de Estado Democrático de Direito não se representa por um perspectiva de formação de consenso mas pelo contrario.  Explica-se, o Estado Democrático de Direito para ser compreendido ante as contingências atuais e ante o seu continente estrutural somente pode ser analisado a partir dos dissensos e da capacidade de se constituir e se manter, mesmo com fraturas ou retrocessos.

Logo, não estaria em crise mas se constituiria pela crise, já que sempre haverá desigualdades, posto que inerentes ao capitalismo – pelo menos enquanto este modelo econômico subsistir -, haverá sempre forças políticas de se desigualam ou movimentos sociais que buscam pautas dissonantes, bem como a própria discussão da busca de direitos fundamentais pode se constituir a partir de discordâncias geradas entre maiorias e minorias fluidas.

Pode parecer singela a diferença, mas pensar o dissenso, ao invés do consenso, como a base da questão democrática, pode permitir que o debate sobre as desigualdades ou mesmo sobre a ausência ou redução de direitos ou garantias fique mais claro.

Se a contradição é fundante do próprio Estado de Direito, pautas como pleno emprego ou igualdade de direitos se apresentam como uma falácia ou utopia dentro do discurso politico, jurídico ou filosófico.  A desigualdade entre os sujeitos, a noção de que ao incluir alguma nova pauta ou novo direito se exclui alguém que discorda ou tem outras reivindicações é formadora desse dissenso.

Ao se fazer uma análise da questão, desde o meu lugar de fala (professora de processo penal) e pela minha própria formação teórica e profissional, me parece que uma pergunta ainda permaneceria:

Se não há igualdade nos direitos e nas possibilidades de sua concretização, se sempre haverá sujeitos à margem, haveria como reconhecer ao menos um conjunto de garantias e direitos fundamentais mínimos para esses sujeitos que ficaram à margem?

Me explico. Se não é possível concretizar os direitos sociais para todos, pelo menos haveria um padrão mínimo de garantias que não poderia ser ultrapassado, mesmo reconhecendo que o dissenso é fundante. Ou, quando se atinge garantias mínimas, dentre elas exemplifico com a garantia de não tortura, a presunção de inocência, a proibição de discursos de ódio, ou politicas de extermínio, ai estaríamos no âmbito dos à margem, reconhecidos e aceitos no Estado de Direito ou, nesse caso, ultrapassaríamos as fronteiras do Estado de Direito e chegaríamos no Estado de Policia?

Ainda, nessa toada, a fratura atual no sistema de garantias do Estado de Direito não é uma abertura ao Estado de Policia, que sempre existiu e sempre existirá para aqueles que estão à margem...

E, por aí, o debate continuou...

Imagem Ilustrativa do Post: Themis // Foto de: Rae Allen // Sem alterações

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