REPE&C 16 - Conhecimento (Jurídico) e Ensino (do Direito): duas faces distantes e, entre elas, uma montanha intransponível!

22/01/2016

Por Alfredo Copetti Neto e Jose Luis Bolzan de Morais - 22/01/2016

“As relações humanas são essencialmente as de autômatos alienados, cada qual baseando sua segurança na posição mais próxima do rebanho e em não ser diferente por pensamentos, sentimentos ou ações. Ao mesmo tempo que todos tentam estar tão próximo quanto é possível dos demais, todos se sentem extremamente sós, invadidos pelo profundo sentimento de insegurança, ansiedade e culpa que sempre ocorre quando a separação humana não pode ser superada.”

Erich Fromm – A arte de Amar

– O importante é termos respostas, mesmo aquelas que não respondem nada, dirá o Ensino do Direito.

– Respostas para tudo não há! Resignado e calmo diz o Conhecimento Jurídico.             

– Vivemos, primordialmente, das Perguntas, e se você não reconhecê-las – e vivê-las –, somente ficará a lembrança daquilo que um dia você não foi, completa!

Esse singelo e pequeno dialogo expõe o que de há muito vem se passando com o ensino do direito no Brasil, sobretudo no que diz respeito (ainda) à sua finalidade, que orbita em torno da construção do conhecimento jurídico.

E, em tempos de marcos regulatórios, no âmbito dos quais, também se discute aquele – mais um, se tomarmos em conta, mesmo com nomenclaturas diversas, as tantas diretrizes curriculares e normativas outras editadas nas últimas décadas – do ou para o ensino jurídico, parece inexorável ter, para além de aspectos pontuais, em conta algo além de parâmetros avaliativos que, passados tantos anos, não nos tiraram do emaranhado em torno da discussão da reeiterada crise da formação jurídica, em um País que detem números estratosféricos de cursos de Direito, nas mais diversas instituições de ensino – desde as públicas até aquelas constituídas sob grandes conglomerados empresariais.

Não basta construírmos marcos regulatórios se não tivermos algum reconhecimento acerca do caminho a ser percorrido para – tentar – ultrapassar esta “montanha”, que parece intransponível.

A saga da dúvida e do questionamento, motor basilar do conhecimento, são para o ensino do Direito atual seus grandes vilões. Com algumas exceções, o ensino do direito  prêt-à-porter é o que impera no País, apesar e mesmo com todas as tentativas forjadas nestes útlimos tempos para a construção de marcadores de qualidade que afianciem a sua oferta. Sem nenhuma pretenção de sermos proféticos, podemos afirmar que a catástrofe está “anunciada”, sobretudo se não for reconhecido – e respeitado – o lugar de cada um: professores, alunos e instituições.

A questão já foi profundamente tratada por muitos, dentre os quais o memorável Luis Alberto Warat, que denunciou aquilo que nomeou como o senso comum teórico dos juristas. Atualmente, a luta constante gira em torno de índices de qualidade (sic), muitas vezes fantasmagóricos, incapazes de construir uma mínima compreensão do que é, realmente, o Direito, mas muito eficientes na produção de crenças inócuas. A confusão é eloquente e seu resultado reflete diretamente no que está sendo (re)produzido nos bancos acadêmicos na contemporaneidade.

Contudo, nossa proposta aqui vai além dessa simples premissa e visa a estabelecer como o conhecimento se apresenta (ou de como nos é apresentado), bem como ele efetivamente se constrói.

Parafraseamos Neruda no que permeia a fuga dos conselhos sensatos, a troca do certo pelo incerto, e buscamos a virada da mesa para não correr o risco da morte lenta. É preciso, com Antônio Machado, fazer o caminho ao andar e, com  isso, privilegiar as vozes silentes que nos dizem internamente.

Não obstante isso, é preciso reconhecer que encontramo-nos ainda na modernidade, ela não se liquefez, como sugerem alguns! A formatação moderna, estabelecida pelo ethos, tecne, poiesis repercute no mundo ocidental de forma a plantar Deus no seu maior egoísmo, a racionalizar a natureza como utilidade, a fazer o homem pensar a si mesmo, colocando-se no centro do mundo.

Mas, para isso, mais do que tudo, a razão tem/teve um papel elementar ao   desenvolver o chamado método científico, que enlaçou o homem e o degradou à operacionalização, tendo repercussão direta na base da educação, no conhecimento e na sua aplicação/utilização no ensino do Direito.

Assim, o problema nos dias atuais não está na ciência especificamente, mas em quem a utiliza, em quem a conhece, em quem a vê, em quem a reproduz, ou seja, a insuficiência se dá na educação, no como conhecer, no como pensar as estruturas jurídicas e em como resolver os problemas práticos, afinal é isso que espera uma sociedade (democrática) de um Direito (legítimo).

Não existe um ensino jurídico crítico e reflexivo que produza uma vinculação afetiva do conhecimento, da qual sempre falou Bachelard, que esteja desvinculado da sociedade. O que se tem é a (re)produção de um senso comum teórico, com dito por Warat, edificado por um positivismo cognitivo onde o ensinar (sic) pressupõe uma única resposta certa já (ante)vista.

Pensar o ensino do direito é pensar a cidadania, a qual é gerada por uma educação permanente, por uma pedagogia relacional entre mestre e estudante, sendo o estudo o resgate da memória, em que o aluno se envolve na própria produção do conhecimento (e essa é uma das poucas certezas que temos!). Conhecimento este que é autêntico, autônomo e principalmente reconhecido como provisório, falho, mas verdadeiro.

Porém, o que se experimenta em maior grau no ensino do Direito  é uma opressão mercadológica – não restrita às IES convertidas em empresas capitalísitcas - ao conhecimento jurídico, que agride tanto aprendiz quanto mestre. Em outras palavras, para se ensinar Direito hoje, nega-se a história, nega-se a sua própria origem e institui-se um conhecimento (sic) linear, esquematizado, estável,  e, sobretudo, desconectado do indivíduo e da razão.

Isso, a nosso ver, vem gradativamente se produzido em decorrência da falta de significado da palavra educação, ou melhor dizendo, da sua perda de significado, pois, como explica Erich Fromm, ao contrário do que diz a raiz da palavra ­e-ducere – que literalmente se expressa por levar adiante, ou fazer brotar algo que se acha potencialmente presente – está-se-lhe atribuindo um sentido manipulador, que exclui  qualquer possibilidade de convicção nas potencialidades pessoais. Dito de outro modo, o que ocorre literalmente é a introdução de uma venda, de um preenchimento do que é desejável pelos indivíduos – e os indivíduos desejam infinitamente, em especial em sociedades hiperconsumistas como as da atual fase do capitalismo globalizado –, suprimindo o que não pareça adequado ao pensamento fácil.

Contrário a isso, por outro lado, para que o conhecimento jurídico se desenvolva adequadamente é fundamental um olhar crítico, bem como é importante se estabelecer o lugar de onde se fala, até porque, no ensino jurídico instituído prêt-à-porter, a escuta só existe no plano externo aos próprios indivíduos, isto é, o discurso de ocasião vem unicamente com o intuito de estabilizar, de estabelecer o permanente, que desde já  se sabe que não existe, e que determina, de antemão, o lugar da fala e da (não) escuta.

Assim, estamos diante de um ensino jurídico que nada mais é do que uma imposição de modelos, como diria Warat, de uma fórmula autoritária da relação ensino-aprendizagem, de uma escolarização desumanizadora. Esta situação, infelizmente, gera a perda do senso de alteridade, estimula o preconceito (não o pré-conceito, embora este seja faça parte do modelo de saber que assim se reproduz), estabelece a perda da autonomia individual  e torna o conhecimento jurídico impossível, uma vez que o saber é imposto, inquestionável e absoluto.

Assumir o risco da vida, esse é o mote do/para o conhecimento jurídico! E, com ele, todas as suas imbricações, na medida em que é necessário se fazer libertar das amarras que estão presas ao instituído mercadológicamente e, assim, possibilitar que as idéias sejam desenvolvidas com liberdade e autoria próprias.

Entretanto, para que isso ocorra, a consciência deve ser tomada por aqueles que, de uma forma ou de outra, se vinculam ao conhecimento jurídico e assumem papeis ímpares para essa mudança, os quais poderão trazer de volta o verdadeiro significado da palavra e-ducere e, assim, (começar a) ultrapassar a montanha que separa o Conhecimento Jurídico  do Ensino do Direito.


Notas e Referências: 

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar. 2001. 

FROMM, Erich.  A arte de Amar. Belo Horizonte: Editora Italiana. 1966. 

WARAT. Luis Alberto. Territórios Desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianópolis: Boiteux, 2004.


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alfredo

. Alfredo Copetti Neto é Doutor em Direito pela Università di Roma, Mestre em Direito pela Unisinos. Cumpriu estágio Pós-Doutoral CNPq/Unisinos. Professor PPG-Unijuí. Unioeste e Univel. Advogado OAB-RS. . .


José Luis Bolzan de Morais. José Luis Bolzan de Morais é Mestre em Ciências Jurídicas PUC/RJ. Doutor em Direito do Estado UFSC/Université de Montpellier I (França). Pós-doutoramento Universidade de Coimbra/PT. Professor do PPGD-UNISINSO. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Pesquisador Produtividade CNPQ. .


Imagem Ilustrativa do Post: Cathedral Peak and the Drakensberg Mountains - 1993 // Foto de: Gareth Williams // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/gareth1953/5557195320

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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