Repatriação de capitais e a Petrobras

16/09/2015

Por Charles M. Machado - 16/09/2015

Cada dia que passa, o cidadão tem razões de sobra para desconfiar da intenção dos nossos homens públicos, não é por menos, afinal os noticiários estão recheados de bons motivos para que estes tenham sempre a certeza da dúvida, no lugar do benefício.

A iniciativa de criação de um fundo para a repatriação de capitais, levanta inúmeras discussões, a começar pelo público que a medida procura atender, afinal se visa estender a mão a quem sonegou, cabe a primeira reflexão.

O Sonegador é uma pessoa que vive para sonegar ou sonega para viver? Com essa questão inicia-se um debate que em alguns instantes pode parecer com a pergunta, quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? Sim, porque essa analogia, bem cabe no modelo econômico fiscal brasileiro.

Longe estamos da intenção de fazer apologia à sonegação, mas a mesma deve ser vista não somente como o ato de subtrair dos cofres públicos a parcela monetária que ao Estado de direito caberia, essa visão unifocal, de quem extrai o conteúdo da palavra pelo seu signo semântico, em nada contribui para a resolução de um problema, que hoje é tratado pelos diversos ramos didáticos do Direito, seja ele tributário, penal ou administrativo, mas também por outras áreas da ciências humanas, como a sociologia, a psicologia e a história.

O fato é, que a sonegação é ao mesmo tempo causa e efeito, sim, porque no momento em que a carga tributária brasileira é mal distribuída, levam-se setores da economia a mais completa informalidade, quando não a sua extinção, e nesse momento o mercado mundial é implacável, esse tão apregoado livre mercado, livre para as empresas brasileiras, e protegido pelo protecionismo dos países desenvolvidos, não tem coração nem piedade, pouco importa se ser empresário seja a arte de remar contra a maré, pois como na música, a empresa brasileira não se navega, quem a navega é o mar de ondas implacáveis.

De tal sorte que, para muitos, a sonegação fez-se tábua do último suspiro e a morte é uma questão de tempo, sim, o tempo da fiscalização visitar a empresa ou enviar a notificação.

Para combater essa antissocial conduta, o Estado vem a passos largos se armando, buscando eficiência na utilização apurada da alta tecnologia, e dia a dia dispõe de mais e melhores ferramentas, seja na consolidação e cruzamentos das inúmeras declarações, ou na ampliação dos convênios celebrados com diversos países, facilitadores do envio de informações fiscais.

O fato é, que a tecnologia vem alterando imensamente o perfil da fiscalização, o que implica em ganhos de produtividade para esse setor, do serviço público de vital importância para efetivação das políticas públicas, a tendência é vermos cada vez menos as autoridades fiscais nas empresas, e ao invés dela, intimações e notificações, oriundas do cruzamento de informações. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal vem funcionando cada vez mais de maneira ordenada, buscando o combate à criminalidade organizada, despreocupada com a prisão do ladrão de galinhas, e atenta sim, às modalidades criminais de colarinho branco.

Seria ingenuidade crer que a sonegação está com os dias contados, mesmo porque a legislação atual coloca no mesmo saco sonegadores e inadimplentes, fazendo com que o processo crime seja muito mais um instrumento de pressão na cobrança dos débitos fiscais do que possuir a pretensão punitiva e educativa, que deveria ter. Está na hora da política jurídica estabelecer a diferença entre o joio e o trigo, pois não será a cadeia que irá educar o empresário que não obteve êxito no seu negócio, sufocado pela desmesurada carga tributária, e por um estado que pouco lhe oferece.

Sem essa urgente reforma legal, para a maioria, a sonegação continuará sendo uma questão Shakespeariana entre ser ou não ser?

E eis que o Estado brasileiro, em seu invencionismo fiscal estende uma bandeira branca para pôr fim à guerra fiscal entre as unidades da Federação e acenando para elas com o resultado da arrecadação fiscal obtida pelo repatriamento de bens não declarados existentes em pessoas vinculadas no exterior.

A MP 683, editada em 14 de julho de 2015, propõe ser o ponto de partida dessa política, ainda pouco aclarada, mas pelo pouco noticiado, esperar por um bom resultado é tão certo como esperar por um novo milagre, e todos sabemos como esses milagres estão em falta em épocas de crise.

Não faltam eufemismos na proposta, como o de ofertar uma regularização cambial de ativos no exterior.

Isso me parece uma conversa de bom cristão temente, no exercício da confissão com medo da penitência. Como a União está com falta de dinheiro para propor medidas compensatórias para os Estados Federados, ela criou uma nova base de arrecadação, assim consegue o apoio dessas unidades ao mesmo tempo que aprova novos instrumentos de política fiscal.

É evidente que o passo seguinte para efetivação dessas medidas só ocorre com a ampliação de acordos de colaboração fiscal entre o Brasil e os demais países.

A proposta nasce fadada ao fracasso, seja na tributação exagerada, 35%, ou seja, no curtíssimo prazo para adesão, apenas 120 dias.

Como a proposta exclui os ativos de origem ilícita, é evidente que ela acaba tendo endereço certo, ou seja, as empresas fornecedoras e parceiras dessas fornecedoras na Operação Lava Jato.

Ou seja, as empresas que ao logo do processo de investigação foram identificadas, através de operações offshore como controladas, coligadas ou apenas ligadas às grandes construtoras envolvidas na operação.

Dessa maneira se legaliza aquilo que a opinião pública já ficou sabendo, e como parte desses bens já estão no exterior há muitos anos, teremos muita dificuldade para comprovar o que é lícito e o que não é licito, cabendo ao fim das contas a última palavra ao Banco Central e Sistema Financeiro.

Perde-se uma ótima oportunidade para se trazer um considerável capital de brasileiros não ofertados a tributação, que está e que seria fundamental para o desenvolvimento e a recuperação nesse momento de crise.

Diversos são os países, que já utilizaram do mesmo expediente, como Alemanha, Itália, Estados Unidos, Bélgica, Chile, Rússia e Portugal entre tantos outros, porém no Brasil seria a primeira vez.

A proposta perde pelas credenciais de quem propõe e pelo momento que vivemos politicamente.

O julgo moral da sociedade é curioso; ao mesmo tempo em que acha inteligente o pagamento de multas em diversos processos penais, fecha a cara e faz juízo de valor quando o assunto é repatriação.

De onde veio o dinheiro deve, nesse momento, importar bem menos do que para onde ele vai, afinal, mais importante do que a origem, o que nos salva é o destino.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Le Jour ni l'Heure 4282 // Foto de: Renaud Camus // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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