Por Luiz Ferri de Barros - 17/11/2015
"As religiões são uma força para o bem? (...) É patente que a religião tem um grande potencial para o mal – e esse potencial se realizou milhares de vezes através dos séculos". (...)
Quando a religião é a força governante de uma sociedade, ela produz horror. Uma cultura dominada por fé intensa invariavelmente é cruel com as pessoas que não compartilham dessa fé – e, às vezes, com muitas que a compartilham".
Esse é o tema e a idéia central de Perseguições Religiosas (Ediouro; 215 págs.) de James A. Haught, premiado jornalista americano.
O livro rastreia os horrores das religiões desde as Cruzadas e a Inquisição. Descreve também práticas mais antigas, como, por exemplo, os sacrifícios humanos dos maias, incas e astecas, na América Latina.
O autor não poupa cristãos, muçulmanos, hindus, budistas, tibetanos, sikhs, sunitas, xiitas, drusos, maronitas e inúmeros outros povos ou grupos religiosos.
Fartamente ilustrado com gravuras clássicas, embora o subtítulo da edição brasileira refira-se a "uma história do fanatismo e dos crimes religiosos" não é esta a tônica do livro, pois o autor não se preocupa em analisar, interpretar ou mesmo em contextualizar adequadamente o que descreve.
Trata-se antes de um relato de fatos históricos em estilo jornalístico superficial, consistindo em mera coletânea de episódios, que faz lembrar textos de antigos almanaques.
Mesmo assim o livro pode ser importante para aqueles que nutrem noção idealizada das religiões ou mesmo para estudiosos, que poderão beneficiar-se da pesquisa e das referências bibliográficas do autor.
Confira a seguir a entrevista via e-mail concedida pelo autor ao Diário do Comércio em 2004.
Entrevista com o autor:
APÓS SÉCULOS DE GUERRAS RELIGIOSAS, HOJE OS INGLESES NÃO VÃO À IGREJA
Luiz Barros: O senhor ataca severamente as religiões, apontando suas manifestações violentas e representativas do mal, da mesma forma que outras pessoas defendem ardorosamente as religiões indicando seus benefícios, representativos do bem. Ambas posições parecem ser simplificações maniqueístas, ou não?
James Haught: Defino religião como a adoração de espíritos sobrenaturais. Sacrifício humano, caças às bruxas, inquisições etc. eram atividades puramente religiosas e não creio que é simplista considerá-las como mal. Guerras santas, pogroms e outras coisas similares são entrelaçadas de tal forma com política, tribalismo étnico, luta por poder e tantos outros fatores que não é tão fácil culpar apenas as religiões. Mas, ao mostrar essa feiúra estou apenas revelando um aspecto das religiões que tem sido parcialmente oculto há séculos. Tanto quanto eu saiba, "Holy Horrors" (Perseguições Religiosas) foi o primeiro livro a ser escrito descrevendo todos os tipos de matanças religiosas.
Luiz Barros: A leitura de seu livro deixa a impressão de que o cristianismo, em especial o catolicismo, é a religião mais violenta que já existiu. Essa é realmente sua opinião?
James Haught: Na realidade, nos dias de hoje os muçulmanos são mais mortais ("more deadly"). Após o 11 de setembro eu atualizei meu livro para enfocar a escalada da violência islâmica. Entretanto a versão traduzida para o português corresponde aos originais de 1990.
Luiz Barros: Apenas uma religião, o judaísmo, não é criticada em seu livro. Os judeus sempre são apresentados como vítimas. Por que? Essa visão, aliás predominante no mundo ocidental, não deve ser examinada pelos pesquisadores? É fato que em sua história multimilenar o judaísmo nunca inspirou os judeus a praticarem violência religiosa ou guerras religiosas? E o que dizer do estado de Israel, guerreiro desde os primórdios e altamente militarizado?
James Haught: Normalmente os judeus eram de longe suplantados em número, de tal forma que não ousavam atacar os outros. Isto teria representado sua exterminação. Mas agora, em Israel, eles freqüentemente comportam-se como opressores.
Luiz Barros: Seu livro apresenta uma coleção de eventos históricos, mas nenhuma explicação ou interpretação a respeito das razões que fazem com que a religião leve à violência. Por que a religião gera violência? O senhor acredita que o mundo pudesse ser melhor caso a religião não existisse?
James Haught: Parece ser parte da natureza humana que a maioria das pessoas acreditem em espíritos sobrenaturais, temendo-os e adorando-os. Para que a religião deixasse de existir seria necessária uma mudança profunda na humanidade. Entretanto, a religião praticamente morreu na Europa e hoje há muito pouca violência religiosa por lá. Durante vários séculos os ingleses mataram-se uns aos outros por motivos religiosos – e hoje dificilmente algum inglês se preocupa em ir à igreja. É um desfecho estranho.
LB.
Originalmente publicado no Diário do Comércio. São Paulo, 2004.
Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.
Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.
E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br
Imagem Ilustrativa do Post: Holy Wars // Foto de: Gideon Wright // Sem alterações
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