RELEVÂNCIA DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA TRAZIDA PELA LEI 13.718/2018

03/03/2020

Serão apresentados, no presente artigo, de forma objetiva, as recentes modificações no Título IV do Código Penal, qual seja “dos crimes contra a dignidade sexual”, trazidas pela Lei Ordinária 13.718 de 2018, a qual modificou alguns dispositivos já existentes e elencou novos tipos penais de necessária criminalização. Precipuamente, serão listadas as principais alterações, indagando se estas foram realmente vantajosas e caminharam de acordo com a evolução da sociedade, e por fim, constatar-se-á se tal alteração se caracteriza como uma inflação legislativa ou como uma expansão ao Direito Penal. Serão, ainda, analisados os posicionamentos da doutrina, estudiosos e da legislação vigente que tratam acerca do tema em questão. A relevância do assunto estudado situa-se, essencialmente, na grande modificação ao ordenamento penal brasileiro feito pela referida lei, a qual trouxe amparo legal para vítimas de condutas até então não tipificadas como crime.

O assunto do presente trabalho reporta-se as mais recentes alterações no Código Penal, na seara dos crimes contra a dignidade sexual trazidas pelo Projeto de Lei 618/2015, aprovado em 24 de setembro de 2018, dando início a Lei Ordinária 13.718/18. O tema, por sua vez, trata da introdução de dois novos tipos penais à legislação e também, das alterações de diversos dispositivos já existentes.

Tratam-se de alterações de grande relevância para o núcleo acadêmico e também, para o sistema penal brasileiro, uma vez que, ao abordar crimes que ocorrem de forma reiterada na sociedade, o legislador modificou e atualizou o ordenamento de forma brava, trazendo para a legislação a tipificação de condutas que vêm ocorrendo de forma reiterada na sociedade.

Tem-se que a Constituição Federal de 1988 determina diversos direitos e garantias individuais e, como exemplo, garante que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a moral e a imagem das pessoas. As modificações trazidas pela Lei 13.718/18 garantem e ressaltam tais direitos, que se ofuscaram durante anos, e que precisam de cada vez mais atenção. 

No momento de elaboração dos novos artigos 215-A e 218-A, do Código Penal, e das demais alterações que vieram para complementá-los, o legislador percebeu necessária urgência em tipificar condutas que ocorrem, reiteradamente, na sociedade e que geram incertezas e inseguranças, deixando a vítima sem amparo penal-legal. Dessa forma, a vítima que sofria com a importunação sexual ou com a divulgação de cenas de sexo, que hoje é crime, poderia buscar uma indenização no âmbito civil e se via desamparada penalmente.

Os meios metodológicos, por sua vez, empregados ao longo do artigo são: pesquisas bibliográficas, pesquisas jurisprudenciais, pesquisas em leis e também pesquisas em artigos jurídicos.

A partir disso, destacam-se os seguintes objetivos específicos: explorar os dispositivos legais que versam sobre os crimes contra a dignidade sexual; trazer a doutrina acerca do tema; rever e comparar as novas alterações com a última reforma penal; avaliar, buscando entender se a alteração no que tange a modalidade de ação penal, de alguma forma, poderia prejudicar a vítima; analisando ainda se a nova reforma é uma inflação legislativa ou se foi uma expansão ao Código Penal.

Nesses termos, o objeto geral do artigo é investigar quais as vantagens da modificação feita no Código Penal pela Lei Ordinária nº 13.718/18, para o sistema penal brasileiro e às vítimas dos crimes contra a dignidade sexual, a fim de elucidar a necessidade da tipificação de tais condutas, as quais não eram consideradas fundamentais.

 

EXPANSÃO PENAL OU INFLAÇÃO LEGISLATIVA?

Preliminar ao exame das novidades legislativas trazidas pela Lei 13.718 de 2018, é necessário fazer uma distinção entre expansão penal e inflação legislativa, temas de grande importância para o Direito Penal.

Logo, cabe destacar que conforme Oliveira (1997), o direito deve sempre caminhar lado a lado com os interesses impostos pela sociedade, acompanhando o objetivo para qual foi criado, sendo usado como meio de controle social, e em último caso (ultima ratio), visando o interesse social.

Isto é, mudanças sociais ocorrem todos os dias e a todos os momentos, provocando alterações que afetam diretamente o Código Penal e a aplicação das leis nele inseridas, por isso, este se vê sempre diante da necessidade de expandir-se, verificando a essencialidade de criar novar leis ou modificar penas para normas já existentes.

É indiscutível que o Direito Penal surgiu para guiar a sociedade à vida coletiva, impondo aos indivíduos normas a serem seguidas, para que possa existir uma boa convivência social, tipificando toda conduta lesiva ao direito de outrem, como manifesta Oliveira (1997, apud NADER, p.377 (sic)):

As instituições jurídicas são inventos humanos, que sofrem variações no tempo e no espaço. Como processo de adaptação social, o direito deve estar sempre se refazendo, em face da mobilidade social. A necessidade de ordem, paz, segurança, justiça, que o direito visa a atender, exige procedimentos sempre novos. Se o direito se envelhecer, deixa de ser um processo de adaptação, pois passa a não exercer a função para qual foi criado. Não basta, portanto, o ser do direito na sociedade, é indispensável o ser atuante, o ser atualizado. Os processos de adaptação devem-se renovar, pois somente assim o direito será um instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e harmonia social.

Haja vista que o direito acompanha a sociedade, o legislador deve ter o propósito de humanizar as relações jurídicas, adotando novos valores, adequando-os a situações de transição, para garantir a segurança social, de forma que o direito deve acompanhar as mudanças da sociedade, como afirma Brandão ao citar o Código Penal anterior a Lei 12.015/2009:

(…) o Direito é uma ciência cultural, e a cultura é dinâmica. Se na década de 1940 a sexualidade era culturalmente contida e reprimida, nos dias atuais esse panorama sofreu uma drástica modificação, e o Direito Penal acompanhou a dita modificação (BRANDÃO, 2008, p. 65).

Adiante serão elencadas significativas mudanças realizadas no ordenamento penal pela Lei 13.718 em 2018, das quais pode-se chegar a duas grandes questões, como mencionado, sendo que esta pode ser considerada uma expansão ao Direito Penal ou uma inflação ao mesmo.

Em síntese, inflação legislativa é a criação acelerada de leis, decretos, emendas constitucionais, ao passo que, a elaboração delas aumenta de forma assustadora todos os anos. Nota-se isso diariamente, quando se está diante da necessidade de consultar o diário oficial para se atualizar de alguma nova tipificação ou alteração realizada.

Aliás, quando se fala em inflação legislativa, logo vem em mente o fenômeno de sua inefetividade, ou seja, tem-se a criação de uma norma que não causa o efeito desejado na sociedade, a qual não tem capacidade de agir com a prevenção necessária sobre uma conduta atípica.

Ademais, essa inflação desenfreada passa por enfraquecer e deturpar o Direito Penal, principalmente no que se refere a sua natureza subsidiária de ser usado em ultima ratio. Por isso, o legislador deve se ater ao caráter subsidiário do Direito Penal, para evitar criação e edição de normas que tutelem bem jurídicos já protegidos por ele e por outros ramos do direito (ANDRADE, 2018).

Neste sentido, tem-se que o legislador, que é a figura que deve criar essas leis, não as faz mais por uma necessidade e sim para atender a clamores públicos e satisfazer as expectativas dos cidadãos, muitas vezes deixando de lado a criação com o fim de proteção a bens jurídicos coletivos (SOUZA, 2012).

Diante deste descontrole do poder legislativo para a criação de leis, não se pode esperar que a lei tenha sido elaborada e em cima dela houvesse uma racionalidade dos pontos negativos e positivos, e sim que a mesma fora criada às pressas e dentro do possível para sua promulgação (TAVARES, 2011).

Em compensação a essa série descontrolada de criações de leis, existem aquelas criadas para expandir o Direito Penal ao caminho das necessidades sociais e também para proteção de bens jurídicos constitucionalmente protegidos, que muitas vezes, sofrem violação, situação em que as vítimas não se veem amparadas legalmente da forma adequada, isso ocorre quando se está diante de uma expansão legislativa.

Conforme o entendimento de Sánches (2013), a expansão do Direito Penal se dá pela existência de novos bens jurídicos penais ou agravantes dos já existentes e também, ela se dá pelo aumento da criminalidade. Ele afirma também que o Direito Penal cresce com o aumento de tipos penais, descrição de condutas puníveis, as penas se incrementam, se antecipam a proteção, ou seja, há todo um conjunto de questões que determina a expansão.

Dessa forma, a expansão do Direito Penal é um fenômeno global, não podendo ser revertido e que está ligado à evolução e a dificuldade em torno das novas relações sociais que originam novos bens jurídicos penais a serem tutelados. Portanto, as existências de novos bens geram normas novas a serem seguidas e que devem guardar afinidade com as garantias constitucionais dadas ao indivíduo.

Portanto, o Direito Penal sempre teve o encargo de punir os crimes de maior incidência na sociedade e deve acompanhar a evolução da mesma para que isso seja possível; as alternâncias que sofrem as modalidades de crimes, as classes sociais e novos bens jurídicos que passam a ser atingidos por essas mutações criminosas, para que seja possível uma expansão coletiva de direitos que contemplem os crimes do mundo atual.

 

DA TUTELA DA DIGNIDADE SEXUAL

Inicialmente, destaca-se que a Constituição Federal de 1988 reservou amparo legal aos princípios fundamentais em seu Título I, desta forma, em seu artigo 1º, inciso III, elencou o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo um dos mais aclamados e respeitados até hoje. Pondera-se: 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III- a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).

Antes de ser inserida na Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana era muito abordada por filósofos, tendo criado raízes na filosofia moral e na ética, tratada em primeiro lugar como um valor, um conceito que se vincula a moral, ao bem e a condutas corretas (BARROSO, 2014).

Os princípios constitucionais são o fundamento de todo o ordenamento jurídico, é através deles que se baseiam decisões e que se inspiram normas para a proteção de direitos. O princípio da dignidade da pessoa humana encaixa-se neste paradigma, pois tomou espaço na Constituição Federal, onde foi inserido como norma basilar do Estado Democrático de Direito, para que fosse possível ao ser humano um tratamento de igualdade, não podendo ser renunciado, por ser único e intransferível.

Portanto, para que a dignidade do ser humano seja possível e o homem possa viver em condições dignas e com respeito, tendo o que comer, o que vestir, onde morar, tem-se que este princípio se sobrepõe a qualquer norma, limitando o Estado e deixando claro que este existe em função das pessoas e não elas em função dele.

Como bem explica Barroso (2014, p. 14): “a dignidade humana, como atualmente compreendida, se assenta sobre o pressuposto de que cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de uma posição especial no universo”, portanto, o valor intrínseco de cada indivíduo é inviolável, não se perdendo por nenhuma circunstância, não podendo tal princípio ser usado para amparar atos que vão de desencontro com a proteção garantida pelo ordenamento jurídico.

Todos os ramos do direito adotaram o referido princípio da dignidade da pessoa humana, pois este é o maior bem relativo ao homem. Dito isso, também se constitui este princípio importante do Direito Penal, sendo que este fornece a noção de decência, compostura, algo que vincule o ser humano e sua honra (NUCCI, 2009).

Além dessa importância ao Direito Penal, tem-se que também são direitos constitucionalmente assegurados ao ser humano, o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, conforme dispõe o artigo 5º, inciso X, da CF/88. Transcreve-se, por conveniência, o referido artigo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).

Além deste, Sarlet (2011) afirma também que a dignidade sexual é uma das espécies do gênero de dignidade da pessoa humana, esclarecendo que:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2011, p. 73).

Dito isso, tem-se que a dignidade sexual decorre do princípio da dignidade humana, visando a proteção da liberdade de escolha de que cada indivíduo detém para a obter sua satisfação sexual, daí sua importância, sem que haja qualquer violação ou exploração para que tal situação ocorra.

Aqui também se encaixa o princípio da liberdade de cada indivíduo, sendo que, como narra o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.  Dessa forma, explica Cunha (2019) que é opção do homem agir ou não agir, querer ou não querer, sem constrangimentos por suas escolhas, resguardando-se a sua liberdade em todos os sentidos jurídicos admitidos.

É indiscutível que a sexualidade integra a condição de ser humano, assim explica a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias (2018), em um artigo publicado no renomado Instituto Brasileiro de Direito de Família:  “Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sua sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual”.

Dias também explica que deve se reconhecer o direito a sexualidade de forma igualitária, ou seja, independente da propensão sexual do indivíduo, seja ele heterossexual, bissexual ou homossexual.

Portanto, sem o direito à livre orientação sexual, que é essencial, o ser humano sente-se preso, obrigado a agir de forma contrária à sua percepção, à sua moral; muitas vezes tendo a sua liberdade de escolha privada para satisfazer outrem, tendo que reprimir as suas vontades, não podendo escolher sobre com quem ela quer manter relação sexual.

Pode-se dizer, para fins de esclarecimentos, que a pessoa nasce e não escolhe o seu gênero – masculino ou feminino – mas, a atração sexual, desejo e afetividade é questão de orientação sexual, é a preferência que cada ser humano tem de se relacionar sexualmente com outro, o que está inteiramente protegido pela dignidade sexual e humana do indivíduo (ARPINI, 2017).

Ante todo o exposto, infere-se que o princípio da liberdade sexual é a base para a tipificação das condutas descritas como crimes sexuais, ou seja: a punição de tais condutas existe para que tal princípio, bem como o da dignidade da pessoa humana, sejam respeitados, mantendo, desse modo, inviolável a liberdade sexual e, via de consequência, a escolha, de cada indivíduo.

 

DA REFORMA PENAL INTRODUZIDA PELA LEI 12.015/2009

Com o advento da Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009, modificou-se consideravelmente o Título VI do Código Penal, qual era “Dos crimes contra os costumes” denominando-o “Dos crimes contra a dignidade sexual” e em consequência, várias expressões carregadas de preconceito, assim como condutas irrelevantes para o Direito Penal foram extirpadas do Código, tendo em vista que o primeiro Título já não trazia a realidade dos bens jurídicos a serem protegidos. O segundo introduziu novos tipos penais e modificou outros, e neste segmento, deixou-se de fazer distinção entre os delitos de atentado violento ao pudor e estupro, reunindo ambos em uma única conduta típica.

O Código Penal de 1940 tratava os crimes contra a dignidade sexual com uma ideologia machista da época, que pregava mais a moral e os bons costumes do que a dignidade do ser humano. Atualmente qualquer pessoa pode ser vítima de um crime contra a sua dignidade sexual, anterior a Lei 12.015/2009, homem – por exemplo – não poderia ser vítima de um crime sexual como o estupro, só seria vítima mulher honesta (BARBOSA, 2016).

Segundo Cunha (2019), ao citar Sandeville (1995), as alterações feitas pela Lei 12.015, observaram as várias críticas trazidas pela doutrina da época, passando a tutelar não mais os costumes, mas o que se liga diretamente ao desenvolvimento sexual da pessoa humana, a sua dignidade sexual. Desta forma, esclarece-se:

Assim, não é mais a moral sexual que clama proteção, e sim o direito individual da mulher [leia-se: de qualquer pessoa], sua liberdade de escolha do parceiro e o consentimento na prática do ato sexual. A violação a isso corresponde a um ilícito ligado à sua pessoa e não mais contra os costumes. Prevalece na ofensa sofrida, sua liberdade e não a moral. Daí, justifica-se a nova adequação típica das figuras penais do estupro; e do atentado violento ao pudor (SANDEVILLE, 1995, p. 05 apud CUNHA, 2019, p. 505).

Salienta-se que era denominado “Dos Crimes contra os Costumes”, pois, “os costumes representavam a visão vetusta dos hábitos medianos e até puritanos da moral vigente, sob ângulo da generalidade das pessoas” (NUCCI, 2009, p. 11). Aliás, costumes significavam contra a honra do homem.

Antes da alteração legislativa nº 12.015/09, os crimes sexuais – à época conhecido como “crimes contra os costumes” – se procediam, em regra geral, mediante ação penal privada. Dessa forma, Estefam e Gonçalves (2012, p. 195) esclarecem que as ações penais se classificam pelo seu titular, e também, que existem as ações de iniciativa pública e privada.

Há, portanto, crimes de ação penal de iniciativa pública, quando a titularidade do direito de ação penal incumbir ao Estado, por meio do Ministério Público (CF, art. 129, I), e crimes de ação penal de iniciativa privada, nos quais a tarefa de mover a ação penal recai sobre o ofendido ou seu representante legal.

Neste segmento anterior a referida lei, apenas procedia-se mediante ação pública condicionada à representação nos casos em que: a vítima ou seus pais fossem pobres na acepção jurídica do termo; ou se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou na qualidade de padrasto, tutor ou curador; e procedendo-se mediante ação pública incondicionada nas hipóteses de: a violência resultasse lesão grave ou morte; ou se o crime fosse praticado com emprego de violência real (NUCCI, 2009).

Para Estefam e Gonçalves (2012), a ação penal pública condicionada à representação é aquela em que a atuação do Ministério Público fica dependente da anuência do ofendido, ou de seu representante legal ou, ainda, do Ministro da Justiça. Ocorre que, com o advento da referida Lei 12.015/09, alterou-se a regra no tocante à ação penal, passando a ser esta a ação penal pública condicionada à representação, vindo a ser pública incondicionada na hipótese de a vítima ser: menor de 18 (dezoito) anos; ou pessoa vulnerável.

Desta feita, à luz da legislação anterior, o crime de estupro, hoje disposto no artigo 213 – CP, somente seria caracterizado pela prática de conjunção carnal, de forma que apenas poderia ser cometido por um homem contra uma mulher. Por sua vez, a nova lei alterou o sujeito ativo do crime, podendo este ser praticado por ambos os sexos, uma vez que a prática de ato libidinoso ou demais atos de conjunção carnal pode, também, ter a mulher como agente ativo do crime, por exemplo (NUCCI, 2009).

Isto posto, insta salientar que o sujeito ativo e passivo poderia ser qualquer pessoa, ou seja, é exequível que ocorra também estupro cometido por agente mulher, contra vítima homem, o que até então não era abordado pela legislação penal.

Além disso, é cediço que a Lei 12.015/09, junto ao Código Penal, dispõe de meios de proteção e tutela à dignidade sexual da mulher quando esta figurar como vítima do crime de estupro.

Outro grande passo dado pela referida lei ao Código Penal, foi a modificação do Art. 215 – Posse sexual mediante fraude – este por sua vez, tinha como majorante o indivíduo ser mulher e virgem. Esta nomenclatura ultrapassada foi totalmente eliminada da nova redação, introduzindo os termos ato libidinoso ao caput, ao qual, quando cometido com o fim de obter vantagem econômica, seria aplicado também multa (NUCCI, 2009).

Nesse passo, Nucci (2009, p.17), ao tratar do ato libidinoso explica: “basta o toque físico eficiente para gerar a lascívia ou o constrangimento efetivo da vítima a se expor sexualmente ao agente para ser atingida a consumação”.

Outras importantes mudanças trazidas pela Lei 12.015/2009 foram nos artigos 217-A, 218, 218-A e 218-B, os quais referem-se aos crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante a presença de criança ou adolescente e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, tendo a presente lei visado majorar os crimes sexuais cometidos contra crianças.

 

DAS ALTERAÇÕES PELA LEI ORDINÁRIA 13.718/18

A legislação em análise, sancionada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antônio Dias Toffoli, em 24 de setembro de 2018, ostenta, em sua ementa, in verbis:

Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais: BRASIL, 2018).

Em suma, incorporaram-se ao Código Penal, o Artigo 215-A, que dispõe sobre o delito de importunação sexual; o Artigo 218-C, tipificando a divulgação de cena de estupro/estupro de vulnerável, sexo ou pornografia sem a devida permissão da(s) pessoa(s) envolvida(s); o parágrafo §5º, no Artigo 217-A, dispondo que o consentimento e a experiência sexual do vulnerável são irrelevantes à caracterização do delito; e por fim, o inciso IV, no Artigo 226, aumentando de um a dois terços a pena, na hipótese de ser o estupro coletivo ou corretivo (BRASIL, 2018).

 

IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

O crime de importunação sexual está tipificado no Artigo 215–A, do Código Penal, tratando-se da conduta de “Praticar contra alguém e sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”. Anterior a publicação da referida lei, o crime de importunação sexual era considerado mera contravenção penal, trazido pelo artigo 61 da Lei das Contravenções Penais, que fora formalmente revogado pela Lei 13.718/18: “Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor” (BRASIL, 1941).

Para fins de esclarecimento, explica Junior (2017), que se entende por contravenção penal, as condutas menos gravosas, punidas através de prisão simples ou de multa, ambas alternativas ou cumulativamente e as quais admitem somente a ação penal pública incondicionada, não punindo tentativa. Já crime, é entendido como condutas mais graves, punidas com pena privativa de liberdade, de reclusão ou detenção, admitindo-se todas as formas de ação penal.

A tipificação trazida pelo legislador era há tempos reclamada pelos aplicadores da lei, pois não existia um equilíbrio entre o crime de estupro, presente no Artigo 213, do Código Penal e a contravenção penal.

O Brasil é um dos países mais violentos com as mulheres e com as minorias, carregado de preconceito, e a importunação sexual é algo que assombra mulheres e homens todos os dias, no metrô, na lotação, no ônibus, no ambiente de trabalho, nas festas e outros locais (BUENO, MARTINS, 2018).

São inúmeros os casos dessa conduta em transportes públicos, onde o indivíduo fricciona o seu órgão genital no corpo da vítima ou toca no mesmo. No ano de 2017, foi de ampla repercussão, em todo o país, o caso do indivíduo que ejaculou no pescoço de uma mulher em um ônibus coletivo e, em razão de não haver tipificação legal – além da contravenção penal – os magistrados não puderam classificar a conduta do agente como estupro, então, primeiramente, o agressor foi liberado e punido com multa, pois não preenchia os requisitos do tipo, fato que gerou severa indignação social (ROVER, 2017).

Em virtude da ocorrência de tais casos, para Cunha (2018), o crime de importunação sexual está presente no dia a dia e agora é punido à título de crime comum, pois, não exige nenhuma qualidade especial do sujeito que praticar (sujeito ativo) e pode ter como vítima qualquer pessoa (sujeito passivo).

O novo texto legal irá punir a conduta dolosa do agente que praticar ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a sua lascívia ou de terceiros. Para que o delito seja consumado, o agente deve praticar qualquer ato libidinoso contra a vítima, salientando que, anterior a isso, ocorrem somente atos preparatórios (CUNHA, 2018).

Ressalta-se que o elemento subjetivo sempre será o dolo direto e especial, em outras palavras, a vontade dirigida à satisfação própria ou de terceiros, não bastando o simples toque em outra pessoa (CUNHA, 2019).

Em contrapartida ao pensamento de que as alterações da Lei n 13.718/18 foram introduzidas ao Código Penal para atender ao clamor público, surge também a preocupação de que diversas condutas que poderiam ser tipificadas como estupro, serão, com o advento da alteração legislativa, tipificadas como importunação sexual, uma vez que houve a criação de um tipo específico para tais condutas, a qual é punida de forma mais branda.

Em outras palavras, existe o receio de que condutas que se encaixem no tipo penal de estupro sejam confundidas e, via de consequência, desclassificadas para o delito de importunação sexual, de modo que o agente, o qual praticou, em verdade, a conduta de estupro, não seria punido da maneira que deveria.

Vale ponderar as diferenças entre ambos os tipos penais: o delito de estupro, em sua essência, necessita efetivamente do constrangimento da vítima mediante violência ou grave ameaça para se caracterizar, enquanto a importunação sexual se configura com a mera ocorrência de ato libidinoso sem o consentimento da vítima, de forma que se o agente praticar ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça será responsabilizado pelo crime mais grave, em qualquer caso.

Em suma, não há o que se falar em importunação sexual se o agente empregar violência ou grave ameaça contra a vítima ou se o ato perpetrado for a conjunção carnal, eis a grande diferença entre os delitos.

Nesse sentido, importa elencar uma recente decisão no Superior Tribunal de Justiça, da 6ª turma, onde a Ministra Laurita Vaz, readequou a decisão que havia considerado como crime de estupro para o de importunação sexual, por este ser mais benéfico, assim, observa-se parte do acórdão:

EMENTA: (...) 2. No caso, o Tribunal de origem reconheceu que "[...] o réu, de fato, abordou a vítima, interceptou sua passagem, e passou a mão em seu seio e cintura". Contudo, considerou que tal conduta não configuraria o delito de estupro. No entanto, "[n]os termos da orientação desta Corte, o delito de estupro, na redação dada pela Lei n. 12.015/2009, inclui atos libidinosos praticados de diversas formas, onde se inserem os toques, contatos voluptuosos, beijos lascivos, consumando-se o crime com o contato físico entre o agressor e a vítima (AgRg no REsp 1359608/MG, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, Julgado Em 19/11/2013, Dje 16/12/2013)" (AgRg no AREsp 1.142.954/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 04/10/2018.  3. Não obstante a correção da decisão agravada, nesse ínterim, sobreveio a publicação da Lei n.º 13.718, de 24 de setembro 2018, no DJU de 25/09/2018, que, entre outras inovações, tipificou o crime de importunação sexual, punindo-o de forma mais branda do que o estupro, na forma de praticar ato libidinoso, sem violência ou grave ameaça (...) (STJ, 2018).

No referido caso, que tramita perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o acusado teria abordado a vítima, interceptado sua passagem e tocado de forma lascívia em seu seio e cintura. Diante disso, o tribunal de origem considerou que a conduta descrita configuraria uma contravenção penal, disposta no artigo 65 do Decreto-lei nº 3.688/41.

À frente do recurso especial interposto pelo Ministério Público, a Ministra Laurita Vaz em decisão monocrática, entendeu caracterizado o delito de estupro, nos seguintes termos:

Quanto à extensão do conceito de ato libidinoso diverso de conjunção carnal, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento de que sua prática pode ocorrer por diversas formas, incluindo toques e contatos voluptuosos, consumando-se o estupro na ocasião em que ocorre o contato físico entre o agressor e a vítima (STJ, 2018).

Além disso, elencou várias jurisprudências que afirmavam que o delito de estupro, tipificado pela Lei 12.015/2009, inclui atos libidinosos que podem ser praticados de várias formas, ficando consumado o referido crime a partir do contato físico entre o agressor e a vítima, dando provimento ao recurso interposto.

Já em análise do Agravo de regimental – no REsp 1.730.341 – interposto contra a decisão da Ministra, a mesma explicou que com a publicação da Lei 13.718, a qual tipifica o crime de importunação sexual de forma mais branda que o estupro em relação à pratica de atos libidinosos, seria correta a retroatividade do tipo novo, para ser aplicado ao caso concreto, tendo em vista que neste não houve violência ou grave ameaça.

É inegável a existência, no judiciário, de dificuldades para realizar a adequada subsunção do fato à norma. Dessa forma, declina-se ao pensamento de que atualmente, quando ocorrer uma conduta que antigamente seria enquadrada ao crime de estupro, será esta tipificada como importunação sexual, talvez punindo o agente de uma forma mais branda da esperada (JÚNIOR e SECANHO, 2018).

O novo tipo penal, introduzido à nova lei, trata-se de uma grande expansão ao Direito Penal, já que aparentemente vem caminhando de acordo com a evolução que a sociedade necessitava, uma vez que, é de conhecimento geral que os casos de assédio a pessoas, em especial, às mulheres, em ambientes públicos, ocorrem desde o começo dos tempos e, até então, eram tratados como mera contravenção penal.

 

DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO E DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, E DE SEXO OU PORNOGRAFIA

O crime de divulgação de cena de sexo, novidade no Código Penal Brasileiro, está inserido em seu Artigo 218-C, e pune com pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, quem divulgar cena de nudez, pornografia e sexo sem o consentimento da vítima, e também, de quem viabilizar a publicação dessas imagens, seja por qualquer meio:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave (BRASIL, 2018).

Anterior ao inovador dispositivo, fora inserido no Código Penal o artigo 154-A, através da aprovação da Lei 12.737/12 que pune a invasão de dispositivos informáticos, a qual fora chamada informalmente de Lei Carolina Dieckmann, em razão da grande repercussão na qual a referida atriz teve seu computador invadido e fotos íntimas vazadas (CUNHA, 2019).

Assim como o delito anterior (importunação sexual), o presente também ocorre de forma desenfreada: quantas vezes, vê-se casos em que o (a) ex-companheiro (a) da vítima divulgou na internet e afins, fotos ou vídeos íntimos de seu ex-consorte, posterior ao término do relacionamento, ou apenas após uma briga? Esta hipótese costuma ser chamada, informalmente, de “pornografia de vingança”, caso que não era tutelado pelo Estado, antes da lei em análise e, por conseguinte, as vítimas não podiam recorrer à seara criminal, mas tão somente, quando muito, à esfera cível (CONJUR, 2017). 

O mencionado dispositivo diferencia-se do delito anterior no que tange ao aumento de pena e da possibilidade de haver excludente de ilicitude, em relação aos seus parágrafos §1º e §2º, os quais dispõem que a pena será aumentada de um a dois terços na hipótese do sujeito ativo manter ou ter mantido relação íntima de afeto com a vítima, ou praticar o crime com intuito de vingança ou humilhação.

Além disso, o armazenamento desses conteúdos pode se dar de qualquer maneira, não sendo necessário que a obtenção tenha se dado mediante ato voluntário da vítima, podendo o agente conseguir tal conteúdo de forma clandestina ou através de terceiros (FREITAS, 2018).

A brecha deixada pela legislação é no sentido de que a pessoa não será punida ao receber ou armazenar a imagem/vídeo, será punida se repassá-la. Neste sentido, faz-se alusão à hipótese da excludente de ilicitude trazida pelo parágrafo §2º, de forma que, não configurará crime se o indivíduo praticar as condutas tipificadas no caput, para fins de natureza “(...) jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos” (BRASIL, 2018).

Assim, as pessoas que desejam trocar entre si imagens de cunho sexual, afim de estimular a libido um do outro não serão punidas, nem se armazenarem tais imagens, somente se tratando de crianças ou adolescentes. Portanto, independente de como tomou posse de tais imagens, a punição será ao comportamento posterior de divulgação.

Acertadamente, o referido artigo chegou à legislação na hora exata, diante do fato de que a violação do direito à intimidade, trazida pela Constituição Federal, tem sido, inegavelmente, descumprida.

A norma caminha ao encontro da defesa da dignidade humana e também da imagem da vítima. Direitos que se ofuscaram por anos e precisam de cada vez mais atenção, além da necessidade desta em acompanhar o desenvolvimento e as mudanças sociais, era indispensável uma expansão através da legislação, para que a tutela do Estado seja suficiente para efetivar a proteção desses direitos já resguardados.

 

PRESCINDIBILIDADE DA ANUÊNCIA E DA EXPERIÊNCIA SEXUAL NO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

A Lei 13.718/18, no artigo 217-A, do Código Penal, adicionou o parágrafo §5º, o qual dispõe: “As penas previstas no caput e nos parágrafos §1º, §3º e §4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela já ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime”. A interpretação do referido parágrafo 5º deve se ater às disposições constantes no Estatuto da Pessoa com Deficiência e no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2018).

O estudo em análise versa sobre o estupro de vulnerável, ou seja, sobre aquele que mantiver conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com pessoa menor de catorze anos, ou, em outro caso, vítima portadora de enfermidade ou deficiência mental, sendo, em razão disto, incapaz de compreender a conduta que está sendo realizada, ou que, por qualquer outro motivo, for incapaz de oferecer resistência. Nessa última hipótese, nada importa se a incapacidade ou impossibilidade de resistir deu-se ou não por ato do agente (NUCCI, 2009).

Em relação as pessoas portadoras de deficiência, deve-se atentar ao fato de que, para que seja considerado estupro de vulnerável, deve ser comprovado que a pessoa portadora de deficiência mental ou enfermidade não possuía discernimento do que estava ocorrendo, pois, a presunção de violência, nesses casos, não se opera mais, desde a Lei 12.015/09 (NUCCI, 2009).

Insta salientar que o mencionado artigo classifica como vulneráveis, em sua segunda parte, aqueles que “por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática do ato”, como também protege o Estatuto da Pessoa com Deficiência, entrando este ordenamento em conflito com o Código Penal. Uma vez que, em relação a estes, faz-se imprescindível a efetiva constatação de que a pessoa portadora de deficiência mental ou enfermidade tinha ou não discernimento para a prática do ato.

Ora, se o §5º já veio para estabelecer que o estupro de vulnerável está caracterizado independentemente da anuência da vítima, a brecha existe quando não fica claro como se proceder nos casos de enfermos ou deficientes mentais, pois tal previsão legal impede que se apure se a portadora realmente não tinha discernimento para consentir (CUNHA, 2019).

Veja que o Estatuto da Pessoa com Deficiência regulamenta a dignidade dessas pessoas, sendo que a deficiência e a enfermidade não são hipóteses de incapacidade nem mais no Código Civil. Portanto, imagina-se que uma pessoa com deficiência é plenamente capaz para exercer todos os seus direitos, inclusive os sexuais, logo sem nenhuma razão, o Código Penal ao considerá-los vulneráveis e caracterizar sua relação sexual com, por exemplo, esposo ou companheiro, como estupro de vulnerável (CUNHA, 2019).

Por outro lado, no tocante aos menores de 14 (catorze) anos, o entendimento permanece inalterado: na prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com tais indivíduos, a violência é presumida. Diante disto, o mais acertado, ao que parece, é que tal dispositivo seja interpretado de maneira restrita (NUCCI, 2009).

Conclui-se que a inclusão do referido parágrafo, no tocante aos menores de 14 anos e aqueles incapazes de oferecer resistência foi totalmente benéfica ao Código Penal e à sociedade, tendo em vista que essas pessoas não tem discernimento suficiente para decidir o que é certo ou errado para suas vidas, se desejam ou não algo, presumindo-se, em todo caso, a sua vulnerabilidade. Dessa forma, a mesma ter mantido relação sexual anterior ao fato, ou ter anuído com este, não altera de forma alguma presunção de sua vulnerabilidade perante a lei, devendo o fato ser punido e devidamente julgado como crime.

 

ALTERAÇÃO DA ESPÉCIE DE AÇÃO PENAL

A Lei 13.718/18 alterou mais uma vez o Artigo 225, do Código Penal, passando a ser a ação penal para os Capítulos I e II do Título IV, sempre pública incondicionada, não mais dependendo o Ministério Público de qualquer condição especial – neste caso, a existência de representação feita pela vítima – para exercer seu direito de ação, tornando, assim, os crimes de: Estupro (art. 213), Violência sexual mediante fraude (art. 215), Importunação Sexual (art. 215-A), Assédio Sexual (art. 216-A), Estupro de Vulnerável (art. 217), Corrupção de Menores (art. 218), Satisfação da Lascívia mediante presença de Criança ou Adolescente (art. 218-A), Favorecimento da Prostituição ou de outra forma de Exploração Sexual de Adolescente ou de Vulnerável (art. 218-B) e Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (art. 218-B) de competência exclusiva do Ministério Público, bastando a existência de suficientes indicadores de materialidade e autoria para que esteja o Promotor de Justiça autorizado a oferecer a denúncia (BRASIL, 2018).

Cabe ressaltar, por óbvio, que o parágrafo único, do antigo Artigo 225, trazido pela Lei 12.015/09 foi revogado pela alteração legislativa em análise, qual seja:

Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

Parágrafo único.  Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável (BRASIL, 2009).

Indispensável também se faz a análise de que a presente alteração está predisposta a trazer, às vítimas, mais prejuízos do que benefícios, pois, à luz da vigência do artigo 225 da referida lei, tal dispositivo retirou da vítima o poder de escolher seguir ou não adiante com o procedimento criminal e, por conseguinte, a garantia de que sua intimidade - direito constitucionalmente garantido - seria preservada se essa fosse a sua vontade, a fim de evitar os comentários de fatos íntimos de sua vida.

O Estado, em crimes como os constantes dos Capítulos I e II que, por conta de sua natureza, afetam em tão alto grau o psicológico do ofendido, não deveria preferir seus interesses punitivos aos interesses pessoais da vítima, visto que, durante todo o trâmite do processo penal, terá de reviver os acontecimentos traumáticos que deram causa à denúncia como, por exemplo, descrever a dinâmica dos fatos diversas vezes para o magistrado e aos advogados, e até mesmo, reencontrar-se com o sujeito ativo.

Superando os possíveis malefícios, na defesa dessa alteração há dois argumentos, conforme narra Cunha (2018): em primeiro lugar, de que a mesma beneficiaria as vítimas, sobretudo em ambiente familiar, temerem que o agente atentasse contra sua segurança, deixavam de comunicar o crime às autoridades; e, em segundo, por ter extinguido as discordâncias acerca da aplicação da súmula 608 do STF, qual seja, “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada”. Uma vez que, transformando-se a ação penal do delito de estupro em todas as suas modalidades em pública incondicionada, não há mais a necessidade de se recorrer a essa súmula.

Essa alteração deixa claro ao autor do abuso sexual de que sua conduta será sim processada e devidamente punida, além de transmitir à vítima a impressão de que só precisa comunicar o fato e deixar o resto com as autoridades competentes, bem como reforça para a sociedade que o direito de alguém tem limite no direito de outro. Sua roupa, postura, porte físico, sua orientação sexual, não devem intervir no mérito de que um crime aconteceu. 

Ao lado do entendimento de que tal alteração estaria retirando da vítima o seu poder de escolha e sua intimidade, existe a posição de que se trata de uma expansão ao Direito Penal muito esperada e que traz segurança jurídica a todos, pois os crimes contra a dignidade sexual têm grande impacto na vida das vítimas e o clamor popular envolto desses graves crimes implica em grande repudio e apelo por punição.

 

INCLUSÃO DE AUMENTO DE PENA EM SE TRATANDO DE ESTUPRO CORRETIVO E COLETIVO

O Artigo 226, do Código Penal, aborda as situações nas quais a pena será majorada aos crimes contra a liberdade sexual e aos crimes sexuais contra vulneráveis:

Art. 226. A pena é aumentada:               

I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 02 (duas) ou mais pessoas;

II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela;

(...)

IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado:

Estupro coletivo

a) mediante concurso de 02 (dois) ou mais agentes.

Estupro corretivo

b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima (BRASIL, 2018).

A alteração legislativa em análise introduziu ao referido artigo, o inciso IV, que aumenta de um a dois terços a pena no caso de o crime de estupro ter sido praticado mediante concurso de agentes, nesse caso, de duas ou mais pessoas (BRASIL, 2018).

Embora o inciso I já trate sobre o concurso de pessoas, perfeitamente possível faz-se a existência, concomitante, de ambos os dispositivos, a medida em que a alínea “a” do inciso IV é específica ao crime de estupro (abrangendo também o estupro de vulnerável), ao passo que o inciso I é aplicável a qualquer dos crimes dos contra a dignidade sexual.

Razoável também se mostra a majorante da alínea “a” inciso IV ser maior em comparação ao inciso I, na medida em que as lesões, tanto sexuais como psicológicas, serão significativamente mais severas.

Além desta, tem-se a inclusão do aumento de pena em caso de estupro corretivo, que por sua vez, trata dos casos em que a intenção do agente, ao constranger a vítima, normalmente sendo mulher lésbica, bissexual e transexual, a com ele ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso, é consertar/corrigir o gênero, ou seja, o preconceito está em relação a opção sexual de outra pessoa, que motiva atitudes de ódio (CUNHA, 2019).

Esses fatos, nos últimos anos, têm ganhado ampla repercussão, como por exemplo, em 2011, quando o site BBC NEWS relatou que uma onda de estupros corretivos estava abalando as homossexuais sul-africanas e que, nos últimos 10 (dez) anos, 31 mulheres já haviam falecido por esse motivo (FIHLANI, 2011). E, no Brasil o número de ocorrência desse crime não é diferente, segundo o site da Câmara dos Deputados, um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro demonstra que, no ano de 2014 e 2017, foram registrados 126 assassinatos de mulheres homossexuais (MUGNATTO, 2018).

Diante disso, o aumento de pena para o crime de estupro corretivo e estupro coletivo foi um avanço para a sociedade e para o mundo jurídico, correspondendo dessa forma para um produto da expansão legislativa.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante deste artigo, é possível verificar as significativas alterações trazidas pela Lei 13.718 de 2018, mostrando de imediato que a introdução dos delitos de Importunação Sexual e Divulgação de Cena de Estupro, encontrados nos artigos 215 e 218 do Código Penal, foram de grande relevância ao sistema penal brasileiro, ao tratar de crime anteriormente não elencado no Código Penal.

Além destas duas importantes alterações, a referida lei converteu o parágrafo único do artigo 225 do Código Penal, no qual a ação penal dos crimes contra a dignidade sexual passa a ser processada sempre por ação penal pública incondicionada, ou seja, a ação sempre será promovida por iniciativa do Ministério Público, independentemente da vontade da vítima. 

Nesse mesmo sentido, fez a inclusão do §5º ao artigo 217-A, deixando expresso que o consentimento e a experiência sexual do vulnerável não implicam para a caracterização do delito, também modificou os artigos 226 e 234-A do mesmo código, que estabelecem causa de aumento de pena para os citados artigos e determina como causa de aumento de pena o estupro corretivo e o estupro coletivo.

Chegou-se, assim, a conclusão de que o legislador atual ao introduzir novos tipos penais à legislação, visando a proteção de direitos constitucionalmente garantidos, assim como tem por objetivo proteger os direitos humanos de cada indivíduo, independente de raça, cor ou gênero, deixando cada vez mais para trás uma marca de Direito Penal ultrapassado, que se preocupava mais com a proteção da moral e dos bons costumes, ao invés da liberdade sexual dos indivíduos.

Não obstante, fora possível abordar as grandes alterações sofridas pelo Código Penal nos últimos anos, tem-se que a Lei 12.015, trouxe suas consideráveis mudanças ao mundo jurídico, uma vez que as disposições anteriores carregavam inúmeras expressões de cunhos preconceituosos, além de condutas irrelevantes ao direito criminal, disposições estas que o legislador extirpou e continuou com essa preocupação de caminhar lado a lado com as necessidades da sociedade, trazendo em 2018 importantes mudanças ao Código Penal, através da Lei nº 13.718, a fim de deslindar a necessidade da tipificação de algumas condutas, que não eram consideradas fundamentais. Essas alterações na lei são vistas como vantajosas e transmitem segurança à vítima, pois estará amparada legalmente.

Desse modo, ao fim do presente artigo, conclui-se que a Lei 13.718 demonstra eficácia e competência, tendo sido inserida ao Código Penal como uma expansão de real necessidade aos acontecimentos sociais, pois anterior a esta, o rigor que a norma inseria a tais acontecimentos não era compatível com a sua gravidade. 

Assim, cabe aos órgãos competentes executar adequadamente a Lei que ampara as vítimas dos crimes contra a dignidade sexual.

 

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