Relativizações no processo penal – Por Paulo Silas Taporosky Filho

05/02/2017

Forma é garantia. A instrumentalização do exercício da jurisdição através de um procedimento previsto em lei tem suas justificativas e razões de assim o ser. Longe de se tratar de mero formalismo que se ampara apenas na própria formalidade enquanto um discurso retórico. Os motivos que determinam a delimitação dos atos praticados pelo Estado a fim de apurar e constatar eventual autoria e materialidade com relação a um fato tido como criminoso são vários. A garantia dos direitos do acusado é uma delas – a principal. O caminho necessário para a aplicação de pena – dizem alguns. O meio devido para se apurar e concluir acerca de um fato tido criminoso e o responsável por esse - também poderiam dizer outros.

A questão é que seja qual for a base que se tenha ou se tome a fim de justificar o processo, tem-se que a previsão de atos preordenados a serem procedidos por meio do instrumento processual se trata de uma condição necessária para a formalização da jurisdição. Nisso todos os posicionamentos sobre o sustentáculo do exercício da jurisdição poderiam acabar concordando. Contudo, o problema passa muitas vezes a existir no tratamento que é dado quando do descumprimento desses atos preordenados. Num viés utilitarista, por exemplo, almejando-se um fim como acalentador de espíritos de uma sociedade, e não do acusado, o infringir de um regramento pode acarretar em... nada! Ora, já que a satisfação (gozo) se pauta no fim almejado pelo processo, pouco se importando com a figura do acusado nesse cenário e já que vale mais a “felicidade” de quase toda uma sociedade do que a de um único acusado, o “passar por cima” de um determinado procedimento pode ser visto como algo trivial. É justamente aí que o perigo reside.

É diante dessa possibilidade dada no exemplo (e se tem vários) que se questiona acerca das relativizações no âmbito do processo penal. Como dito, podem-se apontar para diversas vertentes justificadoras do processo. Porém, enquanto se observar tal questão no contexto em que aqui se situa, essas diversas vertentes passam a poder ser conjecturadas tão somente no campo hipotético, suposto. Diz-se isso pelo fato de que sempre haverá um balizador estrutural que prevê as possibilidades de direcionamento de suas ramificações. Esse balizador aqui mencionado se trata da Constituição Federal.

A partir do momento em que a Constituição define, alinha, traceja e delimita os caminhos que podem ser seguidos dali, não se pode mais falar que toda e qualquer tese justificadora do processo seja possível. No plano factual, concreto, os fundamentos da jurisdição penal estabelecem critérios que devem ser observados enquanto o processo posto em prática. É daí que se diz que forma é garantia. As previsões legais acerca da procedimentalidade processual possuem uma razão de constarem enquanto tal. A questão não é tão simples, claro, pois várias nuances surgem quando dessa análise, e muitas vezes o alinhamento necessário da Constituição Federal com processo penal não se evidencia pela análise do texto da norma. O problema é muito mais profundo. Daí a necessidade de se levar a sério a coisa toda, observando os aspectos principiológicos, fundamentais, fundantes, contextuais e vários outros.

Seguindo o direcionamento dado pela Constituição de maneira escorreita, não há como concordar ou permitir relativizações no âmbito do processo penal. A base fundante do sistema não permite. Por exemplo, se o artigo 212 do Código de Processo Penal determina que “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”, não se pode cogitar que durante uma audiência seja procedido de maneira diversa à que estipula o código. Caso não haja respeito a tal determinação legal, tem-se esse ato como imprestável, devendo ser reconhecida a devida nulidade. Há várias outras hipóteses concretas nesse sentido. O que se diz é que violações de regramentos atinentes ao processo penal devem ter como consequência o reconhecimento desses atos como sendo nulos.

Ocorre que para “salvar” essa problemática, articulam com base em relativizações. Dicotomiza-se a nulidade, criando-se uma vertente chamada de “nulidade relativa”. É o amparo para o “pode tudo”. A pragmática e o utilitarismo entram juntos em campo e assumem as rédeas do jogo. São esses os paradigmas que passam a ditar as regras. Quando há o desrespeito para com a realização de um ato conforme seu regramento legal, analisa-se se essa não observância acarreta em algum dito prejuízo para o processo. E quando se chega nesse ponto já se misturou e confundiu tudo, de modo que a finalidade do processo pode passar a ser qualquer coisa. Eis quando a relativização se apresenta em sua mais sorrateira forma. É quando se pode tudo, pois aquilo que se descumpriu é dito como relativo em sua análise sobre a nulidade do ato. Tudo passa a ser relativo, pois o interesse principal no processo não é mais a efetivação dos direitos e garantias do acusado, mas sim o tal do bem maior que se diz buscar constantemente.

Quanto as relativizações no processo penal, tem-se muito o que lamentar!


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