REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS E AS FESTAS DE FINAL DE ANO DURANTE A PANDEMIA  

18/12/2020

Projeto Elas no Processo na Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Com a proximidade das festas de final de ano, os conflitos relativos ao direito de família tendem a ficar mais tensos, ainda mais nesse ano de 2020, em que a pandemia mundial da COVID-19 trouxe novas complicações aos arranjos de visitação dos filhos.

Para a contextualização do tema, é importante que se esclareça que o direito de visita de que aqui se trata é aquele estipulado para o genitor não-guardião, diante da fixação de uma guarda unilateral.[i]

O direito de visita é previsto no Código Civil, no art. 1.589, que dispõe que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia”. A fixação desse direito pode ocorrer por acordo mútuo ou por decisão judicial.

O presente artigo busca analisar as situações em que ainda não há acordo ou decisão anterior, ou há acordo e tem-se o descumprimento ou a intenção de modificação em razão de particularidades geradas pela pandemia.

É importante que se diga que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é que deve nortear qualquer decisão judicial referente ao direito de visita dos filhos pelo genitor não-guardião, independente de estar-se ou não num período de pandemia.

A pandemia do coronavírus causou uma reviravolta nessa questão de visitas, gerando ações e decisões diversas nesse período. Umas das primeiras decisões noticiadas suspendia a visita do pai, que era piloto, até cumprir uma quarentena de 14 dias.[ii] Em outras decisões, fundamentou-se que a pandemia não pode ser utilizada como único motivo para descumprimento do acordo relativo à visitação ou modificação da visita.[iii] Mais recentemente, foi noticiado um caso de tutela antecipada concedida em favor do pai que ingressou com modificação de guarda em razão da mãe ser enfermeira.[iv]

Diante da proximidade das festas de final de ano, tais questões costumam ficar ainda mais conturbadas. Diante disso, quais seriam os instrumentos processuais à disposição das partes?

O Código de Processo Civil possui capítulo próprio para tratar do procedimento das ações de família, previsto nos artigos 693 a 699, o qual estabelece como obrigatória a audiência de mediação. No mais, o procedimento é muito similar ao comum. O Código também não prevê, especificamente, as possíveis ações de direito de família, trazendo apenas parâmetros gerais para o procedimento.

Sendo assim, para as questões relativas à guarda, a parte pode se valer, a princípio, de: i) ação de regulamentação de visitas, ii) ação de modificação de direito de visitas ou do regime de convivência, iii) ação de guarda cumulada com visitas, iv) ação de suspensão do direito de visitas. Pode-se, inclusive, cogitar a propositura de uma v) ação de modificação de guarda, em situações excepcionais. Passa-se a analisar cada uma das opções.

A ação de regulamentação de visitas poderá ser utilizada na hipótese de guarda unilateral previamente estipulada, mas sem previsão do direito de visitas. O genitor não-guardião poderá pedir medida de urgência para que as visitas já sejam implementadas de forma imediata, se possuir prova pré-constituída que demonstre a viabilidade do seu direito.

Pode ocorrer de já existir uma decisão anterior de guarda e visitas, mas diante de novos fatos em decorrência da pandemia e das particularidades das festas do final de ano, surgir conflito com relação ao exercício desse direito. Nesse caso, o melhor instrumento é a ação de modificação do direito de visitas ou do regime de convivência.

É importante destacar, que nessa hipótese, não pode o genitor guardião impedir as visitas sem prévio acordo ou prévia decisão judicial que modifique a decisão anterior. Sendo assim, diante da proximidade das festas natalinas, é possível requerer antecipação de tutela, se comprovada a probabilidade do direito alegado.

Em razão das recomendações dos órgãos sanitários com cuidados com a saúde, tem-se visto com bastante frequência, ação de suspensão do direito de visitas desde o início da pandemia. Entende-se que tal suspensão deve ser temporária e apenas para hipóteses em que a saúde do menor esteja em risco.

É possível também, diante de situações mais graves, em que efetivamente há um prejuízo do contato do menor com o genitor não-guardião, ingressar-se com ação de modificação de guarda, podendo ser requerida a conversão de guarda unilateral em guarda compartilhada ou para que se inverta a guarda unilateral. Lembrando que em tal hipótese radical, recomenda-se o acompanhamento por equipe multidisciplinar, pautando a atuação do Poder Judiciário sempre pelo melhor interesse da criança ou do adolescente.

Situação diversa ocorre quando já há decisão estipulando o direito de visitas ou direito de convivência e, ainda assim, o genitor guardião a descumpre. Nesse caso é cabível cumprimento de sentença, inclusive com a possibilidade de estipulação de multa diária (astreintes) para incentivar a parte devedora ao cumprimento. Tal possibilidade já foi inclusive reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça.[v]

Agora e se, com a justificativa da pandemia e dos cuidados com a saúde, o genitor que teria direito a visitas (ou seja, o não-guardião) recusa-se a exercer esse direito? Seria possível também exigir cumprimento de sentença e fazer com que esse progenitor visite seu filho? Entende-se que, não havendo risco à saúde da criança ou adolescente, as astreintes seriam cabíveis inclusive para sujeitar o genitor não-guardião às visitas.[vi]

Maria Berenice Dias afirma que o direito de convivência (visita) não é apenas um direito dos genitores, seria um direito de personalidade do próprio filho de conviver com seus pais e de fortalecer vínculos paterno e materno-filial.[vii]

Nessa mão dupla, porém, não se pode negar que o direito de visita representa uma regalia principalmente para o progenitor que não coabita com o filho e isso decorre do poder familiar. Direito posto, temos por outro lado o direito do filho à saúde, à segurança, à dignidade humana e à qualidade de vida.

A pandemia do COVID-19 trouxe uma realidade inédita que pôs em xeque vários direitos e a própria segurança jurídica nos moldes em que a sociedade sempre esteve acostumada.

Em momentos críticos como esse, é necessário recorrer aos alicerces do sistema jurídico e ir buscar nas estruturas basilares a solução para vexata quaestio.

É assim que Ronald Dworkin[viii] esclarece que quando há um confronto entre regras, deve-se dirimi-lo aplicando um princípio e se o confronto é entre princípios, deve-se usar o juízo de ponderação e discernir qual deles deve ser privilegiado no caso para que a decisão seja íntegra.

Diante do direito dos progenitores de convívio com seus filhos e o direito de seus filhos à saúde e a própria vida digna, dentro do sistema jurídico brasileiro, verifica-se na Constituição Federal um brinde ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (arts. 226 e ss), que deve ser claramente o protocolo a ser seguido! Ponderados os princípios, devem prevalecer na decisão judicial os preceitos que ponham os filhos em segurança durante essa fase atípica de isolamento social forçado. Mas, como nas lições de Dworkin, tem-se, diferentemente de um conflito de normas, onde uma anula a outra no caso concreto, no confronto de princípios a ponderação faz com que um prevaleça sobre o outro, sem tampouco anulá-lo. Portanto, há de se decidir com base no melhor interesse da criança e adolescente, mas, aplicando-se, na medida do possível, a garantia do direito de convívio dos pais. Uma solução encontrada criativamente pelos tribunais nacionais foi a adaptação da visita física em on-line.

Assim, os laços relacionais entre pais e filhos continuam a ser desenvolvidos, ainda que improvisadamente, e a segurança da criança e adolescente é resguardada.

A adaptação da visita na forma remota não precisa seguir à risca os moldes da presencial, até porque logisticamente não seria confortável, por exemplo, um fim de semana inteiro transmitido por câmeras.

As horas podem ser divididas num intervalo 30 minutos a 1 hora de dias alternados, por exemplo. Vai variar pela idade do visitando e pelo contexto da relação filial, respeitando sempre o bem estar da criança ou adolescente.

Diante do aqui exposto e diante da inesperada crise mundial causada pela pandemia da COVID-19 há que se ponderar o direito dos pais à visita e o direito dos filhos à vida e à segurança. Diante disso, a decisão judicial deve se basear num juízo de ponderação, no qual predomina o princípio constitucional do melhor interesse da criança e adolescente, o que abre o potencial para ajustes temporários de visita presencial por visita remota na forma on-line, onde os vínculos familiares continuam evoluindo e a saúde do filho é resguardada pela exigência de isolamento social. Isso vale tanto para visitas semanais/quinzenais como para visitas natalinas e férias escolares.

O essencial é a cooperatividade dos envolvidos, a empatia para com o progenitor que não coabita com o filho e a boa fé na relação, seja extrajudicial, seja judicial, para que haja sustentabilidade da relação e dos vínculos, lembrando-se que é uma solução customizada para os tempos de pandemia, devendo ser retomados os modelos iniciais depois dessa crise, ou abrir-se margem para novas formas adequadas para cada família, no novo normal que haverá de se instaurar.

 

Notas e Referências

[i] Reconhece-se que o termo “convivência familiar” seria mais adequado para o direito do genitor não guardião de estar com seu filho ou filha, todavia, opta-se pela utilização do termo “visita” ou “visitação” diante da expressa previsão do Código Civil e do Código de Processo Civil.

[ii] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 1014033-60.2018.8.26.0482. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2020/3/A84478676C3318_piloto.pdf. Acesso em 08 dez. 2020.

[iii] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 1014501-97.2014.8.26.0309. Disponível em: https://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2020/04/Fam%C3%ADlia-Medida-provisional.-Visita-do-Genitor.-Suspens%C3%A3o-das-visitas.-Pandemia-n%C3%A3o-pode-ser-justificativa-para-aliena%C3%A7%C3%A3o-parental.-Indeferimento.-TJSP.pdf. Acesso em 08 dez. 2020

[iv] G1. Decisão polêmica: Justiça proíbe enfermeira e filho de morarem juntos por causa da Covid-19

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/12/06/decisao-polemica-justica-proibe-enfermeira-de-ver-filho-por-causa-do-risco-de-contagio-da-covid-19.ghtml. Acesso em 08 dez. 2020.

[v] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. REsp 148153. 3. T. Relator: Ministro Moura Ribeiro. j. 16 fev. 2017. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201401869064&dt_publicacao=07/03/2017>. Acesso em: 15 set. 2020: 09:50.

[vi] TEIXEIRA, Benigna; HILDEBRAND, Cecília Rodrigues Frutuoso. Aplicabilidade das Astreintes em casos de Direito de Família. Projeto Elas no Processo na Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro. Coordenador Gilberto Bruschi. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/aplicabilidade-das-astreintes-em-casos-de-direito-de-visita. Acesso em: 13 dez. 2020.

[vii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 532.

[viii] O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2014. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

 

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