Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi
“Penso que estamos no beco dos ratos
Onde os mortos seus ossos deixaram”.
“Terra Arrasada”, T. S. Eliot
1. Introdução
A Lei 14.010, de 10/06/2020,[1] institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em decorrência da pandemia do Coronavírus (Covid-19), que se iniciou em 20/03/2020, que é a data da publicação do Decreto Legislativo 6/2020, sem implicar, porém, a revogação ou a alteração da legislação referida.
Encontram-se entre os objetivos da Lei 14.010, de 10/06/2020, os seguintes: (i) suspensão ou impedimento de fluência dos prazos prescricionais e decadenciais, (ii) extensão do “período de reflexão” nas relações de consumo envolvendo delivery, (iii) prorrogação dos prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária (usucapião), (iv) permissão de assembleia condominial virtual, (v) virtualidade de assembleias e reuniões em sociedades comerciais, (vi) flexibilização da aplicação de sanções por infração da ordem econômica e possibilidade de análise a posteriori de operações pelo CADE, (vii) conversão da prisão por dívida alimentar de regime fechado para domiciliar e prorrogação dos prazos para abertura e encerramento de inventário e (viii) extensão da vacatio legis da LGPD.
Na prática, houve, por exemplo, a violação ao princípio da irretroatividade da lei, já que dispôs acerca de sua aplicação para fatos anteriores à sua vigência (a partir de 20/03/2020), quando, como é sabido por todos, a lei é feita para o futuro (art. 5.º, XXXVI, da CF/88, e art. 6.º, da LINDB), e, também, a suspensão ou adiamento de alguns direitos, cuja constitucionalidade, à luz dos primados efetivamente democráticos, é bastante discutível, e, como consequência, transferiu-se integralmente à outra parte contratante os riscos do negócio,[2] e isso sem mencionar os prejuízos já por ela sentidos em decorrência do Covid-19. Não se resolve o problema, e agrava-se outro.
Esses pontos acima arrolados, ainda que de modo sucinto, são analisados a seguir.
2. Prescrição e Decadência
A Prescrição e a decadência, em linhas bem gerais, uma vez que o foco aqui não é discorrer sobre esses temas, mas apenas indicar as premissas sobre as quais o raciocínio desenvolve-se, são, respectivamente, a perda de uma pretensão e a perda de um direito, e que ocorre, em ambos os casos, pelo decurso de tempo.
Sem prejuízo das hipóteses ordinárias para suspensão, impedimento ou interrupção dos prazos prescricionais, e que estão dispostos nos arts. 197 et seq., do CC, em razão do reconhecimento do estado de calamidade pública em decorrência do Covid-19, os prazos prescricionais nas relações privadas (civis, empresariais e consumeristas) consideram-se impedidos ou suspensos a partir da vigência da Lei 14.010, de 10/06/2020, e estende-se até 30/10/2020.[3]
Entende-se por impedido o prazo que nem sequer se iniciou; e suspenso aquele prazo que já tenha começado.
Em outras palavras, entre os dias 12/06/2020 (data da publicação da Lei 14.010, de 10/06/2020) e 30/10/2020, por eventos decorrentes da declaração de calamidade pública decorrentes do Covid-19, mas relações privadas, não flui a prescrição, que, assim, ex vi legis, isto é, em razão de determinação legal, estará impedida de iniciar-se ou suspensa, se já iniciada.
Essas mesmas disposições relativas à suspensão ou impedimento aplicam-se à hipótese de decadência, por expressa remissão à exceção do art. 207, do CC, segundo o qual as regras que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição podem ser aplicadas à decadência se houver disposição legal nesse sentido.
O PL 1.876/2020, na Câmara dos Deputados, que institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas afetadas pela pandemia do coronavírus COVID-19, estabelece o seguinte: (i) considera 20/03/2020 como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus COVID19,[4] (ii) prorroga para 20/12/2020 os prazos prescricionais e decadenciais cujo termo final ocorrer entre 20/03/2020 e 30/10/2020, e (iii) os efeitos jurídicos da pandemia do coronavírus COVID-19, na execução dos contratos, não se aplicam, como regra, a obrigações vencidas antes de 20/03/2020.
3. Resilição, Resolução e Revisão dos Contratos
O veto sobre a disposição acerca da resilição, a resolução e a revisão dos negócios jurídicos, que está baseado na contrariedade ao interesse público da proposta legislativa, haja vista que “o ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de mecanismos apropriados para modulação das obrigações contratuais em situação excepcionais, tais como os institutos da força maior e do caso fortuito e teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva”, deve ser prestigiado.
Agregue-se a isso que a jurisprudência consolidada acerca desse tema já está bem enraizada; e os juízes, com toda certeza, não necessitam de dirigismo legislativo para a aplicação desse entendimento.
De todo modo, tendo em conta a possibilidade de o Congresso Nacional derrubar o veto (art. 66, § 4.º, da CF/88), impende traçar algumas linhas de análise sobre essa questão.
A resilição, a resolução e a revisão dos negócios jurídicos, muito embora aparentem para a média da população ter o mesmo significado, qual seja, rescindir, ou melhor, extinguir o contrato, possuem, na realidade, conotações próprias e implicações específicas, como se faz a seguir.
A relação contratual pode ser extinta pelo seu cumprimento normal, que se dá pelo adimplemento das obrigações estabelecidas, ou pelo inadimplemento, em que as obrigações não foram cumpridas por eventos ou circunstâncias posteriores (se se derem por eventos anteriores, isso enseja a nulidade, que pode ser absoluta ou relativa, mas não é disso que aqui se cuida).
A resilição e a resolução estão entre essas causas posteriores (à celebração do contrato) e que ensejam a extinção anormal do negócio jurídico; a revisão, obviamente, não implica a extinção.
A resilição significa rescindir, ou seja, encerrar o negócio jurídico celebrado por vontade das partes, e sem que tenha havido causa para isso, tal como inadimplemento. Basta a vontade de não prosseguir; e formaliza-se por meio do distrato, se bilateral, ou via denúncia, se unilateralmente (arts. 472 e 473, do CC).
A resolução, por sua vez, é o desfazimento do negócio jurídico, que pode ser por culpa, como o inadimplemento, e que é a rescisão, ou sem culpa, que pode ser, por exemplo, a inexequibilidade do objeto.
A revisão do negócio jurídico é exceção à regra, na medida em que os contratos foram celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda), isto é, as obrigações foram encetadas de forma a serem observadas e respeitadas pelas partes envolvidas, haja vista as consequências que daí decorrem.
Entretanto, existem situações que podem mitigar essa regra, tendo em consideração eventos imprevisíveis, os quais, assim, podem levar à revisão do negócio jurídico.
É a chamada teoria da imprevisão, em que uma das partes, em decorrência de um fato extraordinário, verificando-se impossibilitada de cumprir a sua obrigação prevista em negócio jurídico, pode pretender a sua revisão judicial.
A aplicação da teoria da imprevisão justifica-se ante a ocorrência de circunstâncias supervenientes e imprevistas, as quais tornam a obrigação excessivamente onerosa, e, com isso, que se permite a modificação de determinadas cláusulas pactuadas ou até mesmo a resolução contratual. É o que estabelecem os arts. 317 e 478, do CC.[5]
A aplicação da teoria da imprevisão, todavia, não é uma panaceia, e que pode servir para, simplesmente, alterar o que combinado.
Não é desse modo que funciona, já que alguns requisitos devem ser observados, e que são os seguintes: (i) contrato bilateral, em que há obrigações e contra-prestações para ambas as partes, (ii) contrato de execução continuada ou diferida, isto é, a prestação deve ser cumprida periodicamente ou em um momento futuro e certo, respectivamente, e (iii) ocorrência de evento extraordinário, superveniente e imprevisível, o qual altera a base econômica objetiva do contrato.
Dessa maneira, a teoria da imprevisão autoriza a revisão das obrigações contratuais quando há onerosidade excessiva decorrente da superveniência de um evento futuro e incerto, interferindo diretamente na base econômica do contrato.
Observe-se que, para os fins dessa projetada legislação emergencial, a teoria da base objetiva não se aplicaria.[6]
Feitas essas considerações, analisa-se, ainda que de forma hipotética, pois dependente da manutenção ou não do veto presidencial aos arts. 6.º e 7.º, da Lei 14.010, de 10/06/2020, a possibilidade de o Covid-19 ensejar a resilição, a resolução e a revisão dos negócios jurídicos.
De saída, ressalvam-se como eventos que não dão ensejo à resilição, à resolução ou à revisão dos contratos, porque não caracterizados como fatos imprevisíveis, os seguintes: (i) o aumento da inflação, (ii) a variação cambial e (iii) a desvalorização ou substituição do padrão monetário.
Dessa forma, a ocorrência de qualquer um desses eventos, isolado ou cumulativamente, não abre oportunidade para que a parte que se sentir prejudicada pretender judicialmente a extinção ou a revisão do contrato, salvo se se tratar de relação consumerista (CDC) ou locatícia (Lei 8.245, de 18/10/1991).
As regras consumeristas, e que vêm dispostas no CDC, não se aplicam às relações contratuais baseadas no Código Civil nem nas relações paritárias entre empresários.
Impende considerar que as consequências decorrentes do Covid-19 nas execuções dos contratos não têm efeitos jurídicos retroativos, isto é, não podem ser alegadas como causa para resilir, resolver ou revisar os negócios jurídicos anteriormente a 20/03/2020.
Com isso, a parte final do art. 478, do CC, que dispõe sobre a retroação à data da citação dos efeitos da sentença que reconhecer os requisitos da teoria da imprevisão no caso particular e decretar as respectivas consequências, fica excepcionada, não se aplicando, portanto, devendo limitar-se (esse interpretação) a incidir a partir de 20/03/2020.
4. Relações de Consumo
O prazo de 7 dias (“período de reflexão”) para o consumidor exercer o direito de arrependimento e desistir do contrato de fornecimento de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos adquiridos por meio de entrega domiciliar fica suspenso até 30/10/2020. Trata-se de prazo decadencial, o qual, por força de lei, é suspenso (art. 207, do CC).
Nada impede de o consumidor, nesse ínterim, exercer esse direito.
Não há necessidade de o consumidor justificar esse arrependimento.[7]
O termo inicial do prazo de 7 dias para exercer o direito de desistência, conforme art. 26, § 1.º, do CDC, inicia-se com o recebimento do produto ou serviço via delivery (internet, telefone, aplicativo etc.), está suspenso até 30/10/2020, quando se retoma a contagem desse prazo pelo tempo remanescente.
E, durante essa suspensão do prazo do exercício do direito de arrependimento, conta-se a correção monetária (art. 49, parágrafo único, do CDC), na medida em que os valores foram disponibilizados pelo consumidor ao fornecedor de produtos ou serviços.[8]
5. Locações de Imóveis Urbanos
Aspecto que, decerto, pode ensejar polêmica, diz respeito ao veto ao art. 9.º, da Lei 14.010, de 10/06/2020, que cuida das relações locatícias, chegando às raias de, em alguns casos, proibir a concessão de liminar em ação de despejo, com flagrante limitação de acesso ao Judiciário.
Sem dúvida, andou bem o Poder Executivo em vetar tal dispositivo, que se deu sob o argumento seguinte: “A propositura legislativa, ao vedar a concessão de liminar nas ações de despejo, contraria o interesse público por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas na avença de locação (o despejo), por um prazo substancialmente longo, dando-se, portanto, proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento e em desconsideração da realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de alugueis como forma complementar ou, até mesmo, exclusiva de renda para o sustento próprio”.
É importante, para compreender-se o impacto dessas disposições muito bem vetadas, analisando-se o que tinha sido estabelecido originalmente, além do aspecto da eventualidade de ser tal regra retomada pelo Congresso Nacional, mediante a rejeição do veto, ou, ainda, pela aprovação de outras propostas legislativas que estão na mesma direção do projeto original, e que são mais adiante indicadas.
Com efeito, no término das relações locatícias, seja qual for o fundamento,[9] a medida judicial cabível para que o locador possa reaver o bem é a ação despejo.
E, na ação de despejo, pode-se conceder liminar para desocupação do imóvel em 15 dias, nas hipóteses seguintes: (i) descumprimento do mútuo acordo, celebrado por escrito e assinado pelas partes e por 2 testemunhas, em que tenha sido ajustado o prazo mínimo de 6 meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento, (ii) extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário esteja relacionada com o seu emprego, e existindo prova escrita dessa rescisão ou sendo ela demonstrada em audiência prévia, (iii) término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até 30 dias após o vencimento do contrato, (iv) morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação com fim residencial, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei, (v) permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário, (vi) necessidade de se realizar reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não podem ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las, (vii) não apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato após o término do prazo de 30 dias da notificação, (viii) término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando a intenção de retomada, e (ix) falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de garantias, seja por não ter sido contratada, seja por sua extinção ou pedido de exoneração, independentemente de motivo.
Pois bem, até 30/10/2020, em ação de despejo para retomada do imóvel que tenha sido ajuizada a partir de 20/03/2020, fica vedada a concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano, nas situações seguintes: (i) descumprimento de mútuo acordo, celebrado por escrito e assinado pelas partes e por 2 testemunhas, em que tenha sido ajustado o prazo mínimo de 6 meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento, (ii) extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego, com prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia, (iii) permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário, (iv) término do prazo de 30 dias sem apresentação de nova garantia pelo locatário e que seja apta a manter a segurança do contrato, (v) término do prazo da locação não residencial, com a propositura da ação de despejo em até 30 dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o desejo de retomada, e (vi) falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de garantias, que porque não foi contratada, quer porque houve sua extinção ou pedido de exoneração.
O TJSP, diferentemente do que proposto, e adotando a equivalência negocial paritária, decidiu que:
“Locação de imóvel comercial. Tutela de urgência destinada a suspender a exigibilidade dos aluguéis em face da quarentena decorrente da pandemia por COVID-19. Descabimento. Moratória que pelo regime legal não pode ser imposta ao credor pelo Juiz, devendo decorrer de ato negocial entre as partes ou por força de especial disposição legal. Evocação do caso fortuito e força maior que tampouco autoriza aquela medida. Cabimento, porém, da vedação à extração de protesto de título representativo do crédito por aluguéis. Recurso parcialmente provido” (TJSP, 36.ª Câm. Direito Privado, AI 2063701-03.2020.8.26.0000, rel. Des. ARANTES THEODORO, j. em 06/04/2020).
Note-se, ainda, que, na Câmara dos Deputados, tramitam o PL 936/2020, que altera a Lei de Locações, para, e sob o mote de contribuir na preservação da saúde da população e evitar qualquer forma de contágio, estabelecer que, enquanto durar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus – COVID19, o seguinte: (i) veda-se a adoção da ação de despejo como meio de retomada do bem imóvel, (ii) veda-se o desfazimento da locação por falta de pagamento do aluguel e demais encargos, (iii) veda-se cobrança integral da dívida decorrente de inadimplemento do aluguel e dos demais encargos, devendo ter desconto de 50% por 4 meses ou enquanto durar a anormalidade e parcelamento em até 12 meses, (iv) autoriza-se desconto de 100% do aluguel aos locatários que se encontram na posse direta do imóvel e não tenham condições de prover o seu sustento, (v) veda-se concessão de liminar de despejo em caso de (a) sublocação, havendo a extinção da locação, e (b) inadimplemento e ausente quaisquer das garantias, e (vi) a proibição a ação de despejo, o desfazimento da locação por inadimplemento, o desconto do aluguel, o impedimento de concessão e liminar nos casos de sublocação e inadimplemento sem que haja garantia, em relação aos estabelecimentos não afetados pelas medidas de emergência (ou seja, aquelas atividades essenciais elencadas no Dec. 10.282, de 20/03/2020), o PL 1.028/2020, que trata da suspensão das ações de despejo por falta de pagamento de locações residenciais e não residenciais de imóvel urbano (com exceção às locações não residenciais cuja atividade não tenha sido objeto de medida restritiva pelo Poder Público) por 90 dias em razão das dificuldades geradas pelo combate ao Covid-19,[10] o PL 1.248/2020, que, ao acrescentar o art. 21-A, à Lei 8.245, de 18/10/91, a fim de estabelecer que, para as locações não residenciais, ocorrendo a interdição das atividades empresariais por determinação do poder público, como medida de enfrentamento de situação emergencial, o locatário fica isento – esse é o termo empregado – do pagamento dos aluguéis do período correspondente, devendo, contudo, permanecer obrigado pelos encargos, o PL 1.367/2020, que, ao incluir o art. 88-A, na Lei 8.245/91, determina, em relação aos contratos de locação comercial em vigor até o dia 31/03/2020, com aluguel no valor de até R$ 15.000,00, não podem ser rescindidos por inadimplência e nem objeto de despejo por 6 meses, em decorrência dos efeitos do estado de calamidade pública por conta do coronavírus, devendo, ainda, ser liquidados os valores dos alugueis e demais quaisquer encargos em atraso após o término do prazo de suspensão, e, outrossim, estabelece que o BNDES deve disponibilizar a empresas com faturamento anual de até R$ 2.000.000,00 linha de crédito para garantir o pagamento dos alugueis e demais encargos em atraso, o PL 1.432/2020,[11] que foi apensado ao PL 1.367/2020, que permite aos locatários de imóveis comerciais o direito de abater proporcionalmente ao número de dias em que houver redução ou interrupção das atividades comerciais, em decorrência de leis ou decretos federais, estaduais ou municipais, por força das medidas de isolamento e quarentena previstas na Lei 13.979/2020, o valor da locação, e suspende, ainda, durante o período de isolamento ou quarentena impostos, a incidência de multa, juros de mora e demais penalidades contratuais pelo descumprimento, por parte dos locatários de imóveis comerciais, do dever de pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação (art. 23, I, da Lei 8.245/91), o PL 1.489/2020, que determina o desconto de 50% dos valores definidos no contrato de locação de imóveis comerciais e que estejam fechados em razão do “isolamento social” e consequente suspensão de atividades comerciais determinada pelo poder público em face da pandemia da COVID-19 (Coronavírus), o PL 1.831/2020, que, também apensado ao PL 1.367/2020, permite aos locatários de imóveis residenciais e empresariais que foram demitidos, reduzida a remuneração ou paralisada atividade comercial reduzir em até 50% ou mesmo suspender o pagamento dos valores vencidos do contrato, devendo apenas realizar a comunicação da opção ao locador, e o PL 1.834/2020,[12] que estabelece o seguinte: (i) veda até 30/10/2020 a concessão de liminar de desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo ajuizadas a partir de 20/03/2020, nas situações seguintes: (a) descumprimento do mútuo acordo, celebrado por escrito e assinado pelas partes e por 2 testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de 6 meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento, (b) em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia, (c) permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário, (d) desfazimento da locação em decorrência do término do prazo de 30 dias sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança do contrato, (e) término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada, e (f) falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo, (ii) veda até 30/10/2020 a concessão de liminar nas ações de reintegração de posse ajuizadas a partir de 20/03/2020 e relativas a bens imóveis de caráter privado (exemplo disso são os casos de leasing ou arrendamento mercantil e retomada pelo fiduciário ou cessionário, no caso do art. 30, da Lei 9.514/97), (iii) suspende a execução de sentenças que resultem em despejo ou remoção nas ações de despejo e nas ações de reintegração de posse de bens imóveis, e (iv) instituiu (a) a possibilidade de suspensão, total ou parcial, o pagamento dos alugueis vencíveis a partir de 20/03/2020 até 30/10/2020, para o caso dos locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, e (b) o “aluguel social” para as hipóteses de exercício da suspensão do pagamento de aluguel por alteração econômico-financeira, e caso não haja acordo expresso entre locador e locatário, para subsidiar os locatários, a partir de 30/10/2020, na data do vencimento, desde que comprovado que esses aluguéis são as únicas fontes de renda dos proprietários dos imóveis;[13] e, no Senado, por seu turno, tramita o PL 1.204/2020, mas que foi retirado de pauta, que suspende o curso das ações de despejo de imóveis residenciais, proíbe a sua propositura com base no inadimplemento, reduz os aluguéis comerciais nos períodos de fechamento pela pandemia de coronavírus e exime o locatário do pagamento de juros e multa.
6. Usucapião
A usucapião é a aquisição do bem particular, móvel ou imóvel, pelo seu uso exclusivo e ininterrupto no tempo e que não esteja sendo utilizado ou aproveitado pelo seu dono.
Há diversas modalidades de usucapião, conforme a seguir: (i) bens imóveis, pode ser:
(a) ordinária, que, com justo título e boa-fé, possui o bem por 10 anos de forma contínua e sem contestação (art. 1.242, do CC),[14] (b) extraordinária, que independe de justo título e boa-fé, e deve estar no bem por 15 anos sem interrupção e de forma pacífica (art. 1.238, do CC),[15] e (c) especial, cujos requisitos são não ser proprietário de nenhum outro imóvel (urbano ou rural), possuir como seu o bem de modo ininterrupto, sem oposição, torná-la produtiva por seu trabalho ou de sua família e manter nela sua moradia, que, por sua vez, pode ser: (c.i) urbana, uso por 5 anos de área urbana de até 250m² (art. 183, da CF/88, art. 1.240, do CC, e art. 9.º do Estatuto da Cidade),[16] (c.ii) rural (pro-labore), uso por 5 anos de área de terra, em zona rural, não superior a 50ha (art. 191, da CF/88 e 1.239, do CC), (c.iii) coletiva, uso por mais de 5 anos de núcleos urbanos informais existentes e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a 250m² por possuidor (art. 10, do Estatuto da Cidade), (c.iv) familiar, uso por 2 anos de imóvel urbano de até 250m² (art. 1.240-A, do CC), e (c.v) indígena, integrado ou não, ocupando por 10 anos trecho de terra inferior a 50ha (art. 33, do estatuto do Índio), e (ii) bens móveis, possuir como sua, de modo contínuo e inconteste, coisa móvel, e que pode ser: (a) ordinária, por 3 anos, com justo título e de boa-fé (art. 1.260, do CC) e (b) extraordinária, por 5 nos, independentemente de justo título ou boa-fé (art. 1.261, do CC).
Em todas essas espécies de usucapião, os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária suspendem-se a partir de 12/06/2020 (data da publicação da Lei 14.010, de 10/06/2020) até 30/10/2020, inclusive, seja para requerimento judicial ou extrajudicial (art. 216-A, da Lei 6.015/73), o que poderia ter sido expressamente indicado.
7. Condomínio Edilício
7.1. Assembleia Condominial Virtual
A assembleia condominial e a respectiva votação podem acontecer ocorrer, em caráter emergencial, até 30/10/2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino por esse meio é equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
O PL 2.323/2020 propõe, de modo permanente, a permissão para a realização de assembleias virtuais nos condomínios.
Na realidade, o PL 2.323/2020 propõe, apenas durante o período de decretação da situação de calamidade pública pelo Congresso Nacional, mudanças na relação dos condomínios, entre as quais as seguintes: (i) restrição da utilização de áreas comuns para reuniões e/ou festas, circulação de pessoas sem os devidos equipamentos de segurança e uso de estacionamentos por terceiros, e (ii) exigência de utilização de equipamentos de segurança nas obras de natureza estrutural e benfeitorias necessárias.
A fiscalização do cumprimento dessas regras é incumbência do síndico.
7.2. Prorrogação dos Mandatos de Síndicos
Os mandatos de síndico vencidos a partir de 20/03/2020, na hipótese de não ser possível a realização de assembleia condominial por meio virtual, e para eleição de síndico, em especial, ficam prorrogados até 30//10/2020.
7.3. Poderes do Síndico
Os exacerbados poderes conferidos ao síndico pelo art. 11, da Lei 14.010, de 10/06/2020, foram vetados. E bem vetados, na medida em que retiram “a autonomia e a necessidade das deliberações por assembleia, em conformidade com seus estatutos, limitando a vontade coletiva dos condôminos”.
Em que pese não se fiar na possibilidade de rejeição desse veto, pela eventualidade disso vir a ocorrer, aproveita-se o ensejo para apontar a inoportuna proposição legislativa.
Ampliam-se sobremaneira os poderes conferidos ao síndico para além daqueles do art. 1.348, do CC, competindo-lhe: (i) restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação do Coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos, e (ii) restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19).[17]
Essas restrições e proibições não se aplicam para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias.
Esse tipo de normatização restritiva, além de desnecessária, porque se retira a possibilidade de a assembleia estabelecer tais determinações, pelo seu conteúdo despótico e totalitário, permite o surgimento de tiranetes – algo que, infelizmente, não é incomum nesse ambiente –, o que é mais pernicioso.
7.4. Prestação de Contas
É estabelecida a obrigatoriedade da prestação regular de contas pelo síndico, sob pena de destituição, o que, evidentemente, é regra absolutamente destituída de necessidade de disposição, já que isso decorre do sistema.
Ademais, como se percebe, cuida-se de fiscalização a posteriori, o que não parece ser o mais conveniente ou adequado, já que, e o que parece ser o mais apropriado, é a possibilidade de fiscalização concomitante, por ser mais efetiva ao fim perseguido (accountability).
8. Regime societário
8.1. Restrição às assembleias e reuniões presenciais
As associações, as sociedades (simples e empresariais), as empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI), as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos, em observância às determinações sanitárias, teriam restringidas a realização de conclaves na forma presencial até 30/10/2020. As cooperativas, embora não estivessem expressamente contempladas, estariam, por aplicação analógica (hermenêutica), compreendidas nessa disposição.
Essa proposta legislativa, todavia, foi vetada, sob o fundamento de que, em relação às sociedades, contraria o interesse público, gera insegurança jurídica e está mais bem disciplinada na Med. Prov. 931, de 30/03/2020, e, como o veto não pode abranger apenas parte do dispositivo (art. 66, § 2.º, da CF/88), no caso a exclusão da menção às sociedades, isso implicou o veto dessa regra.
As regras societárias vetadas na proposta legislativa que desembocou na Lei 14.010, de 10/06/2020, colidiam frontalmente com Med. Prov. 931, de 30/03/2020, que, com técnica redacional mais apurada e que não enseja dúvidas ou conflitos nesses pontos (prorrogação do prazo para realização de conclaves, deliberações remotas, assunção de competência da assembleia ou reunião pelo board e autorização para declaração de dividendos), e acabariam sendo parcialmente revogadas (art. 2.º, § 1.º, da LINDB), já que a Lei 14.010, de 10/06/2020, regularia a matéria que estava tratada na Med. Prov. 931, de 30/03/2020. Foi bastante positivo, portanto, o veto.
Permanecem vigentes as regras emergenciais dispostas na Med. Prov. 931, de 30/03/2020, que tratam (i) em relação às companhias[18] e às sociedades limitadas,[19] da prorrogação dos mandatos dos administradores e conselheiros, (ii) em relação às sociedades cooperativas e entidades do cooperativismo (a) do adiamento da realização de AGO em até 7 meses, contando-se do término do respectivo exercício,[20] e (b) da permissão de voto remoto,[21] e (iii) Juntas Comerciais: (a) da postergação do termo inicial para arquivamento de atos societários e (b) da suspensão da exigência de arquivamento de atos para emissão de valores mobiliários.[22]
8.2. Deliberações remotas ou virtuais por meio eletrônico
Os conclaves a respeito de todas as matérias, alterar estatuto e destituir administradores, inclusive (art. 5.º, da Lei 14.010, 10/06/2020, remete ao art. 59, do CC), independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica, podem ser realizados por meios eletrônicos.
A manifestação de vontade dos sócios, acionistas, associados, cooperados e demais participantes pode dar-se por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador da pessoa jurídica, e tem a mesma eficácia legal de assinatura presencial, devendo, contudo, garantir-se a identificação do participante e a segurança do voto.
9. Regime Concorrencial
Para os contratos iniciados – leia-se: celebrados – a partir de 20/03/2020, inclusive, ficam sem eficácia até 31/10/2020, ou enquanto durar a declaração do estado de calamidade pública contida no Dec. Legislativo 6, de 20/03/2020, a aplicação de sanções por infração da ordem econômica as condutas seguintes:[23] (i) vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo e (ii) cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada.
E, durante esse mesmo período, ou seja, entre 20/03/2020 e 30/10/2020 (ou enquanto durar a declaração do estado de calamidade pública contida no Dec. Legislativo 6, de 20/03/2020), não estão sujeitos ao controle de concentração pelo CADE operação em que 2 ou mais empresas celebrem contrato associativo,[24] consórcio[25] ou joint venture.[26]
Os acordos referentes a contrato associativo, consórcio ou joint venture que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes do Covid-19 podem ser objeto de análise a posteriori da operação pelo CADE.
O CADE, ainda, ao apreciar os atos que constituam infração à ordem econômica, e que tenham sido concebidos a partir de 20/03/2020, ou enquanto durar a declaração do estado de calamidade pública contida no Dec. Legislativo 6, de 20/03/2020,[27] deve considerar as circunstâncias extraordinárias decorrentes do Covid-19.
10. Direito de Família e Sucessões
10.1. Introdução
O PL 1.627/2020, no Senado, trata do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito de Família e das Sucessões no período da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV2 (CoVid-19), dispondo, em linhas gerais, que: (i) o casamento, que pode, para evitar o contato social e a aglomeração física, ser celebrado à distância, por sistema de audiovisual que permita a transmissão, aos nubentes e às testemunhas, da voz e da imagem da autoridade celebrante, (ii) a guarda, em que, considerando as determinações emanadas das autoridades públicas impositivas de isolamento social ou quarentena, o regime de convivência de crianças e adolescentes, qualquer que seja a modalidade de guarda, pode ser suspenso temporariamente, de comum acordo entre os pais ou a critério do Juiz, para que sejam cumpridas, (iii) o alimento, que cuida da suspensão parcial da prestação, em limite não superior a 30% do valor devido, pelo prazo de até 120 dias, desde que comprovada a regularidade dos pagamentos até 20/03/2020, ao devedor de alimentos que comprovadamente sofrer alteração econômico-financeira, decorrente da pandemia, e (iv) o testamento, permite que os testamentos particulares possam ser escritos ou gravados, desde que gravadas imagens e voz do testador e das testemunhas, quando exigidas, por sistema digital de som e imagem.
10.2. Dívida Alimentar
O cumprimento da prisão civil por dívida alimentícia em regime fechado segregado dos demais presos comuns, e que seja decretada entre 12/06/2020 (data da publicação da Lei 14.010, de 10/06/2020) e 30/10/2020, é convertido, exclusivamente, para a modalidade domiciliar.
10.3. Inventário
O prazo de 2 meses para instaurar o processo de inventário (judicial ou extrajudicial, conforme art. 610 e §§, do CPC) para as sucessões abertas a partir de 1.º/02/2020, ou seja, falecimentos ocorridos a partir desta data, tem o seu termo inicial prorrogado para 30/10/2020.[28]
Dessa maneira, caso ultrapassado esse prazo e não aberto o inventário, o juiz, independentemente de requerimento, pode prorrogá-lo de ofício (art. 611, parte final, do CPC).
Acontece, porém, que, não aberto o inventário no prazo legal, incide multa.[29]
No estado de São Paulo, o art. 21, da Lei 10.775, de 28/12/2000, que dispõe sobre o ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos,[30] impõe multa de 10% se não for aberto no prazo de 2 meses e de 20%, dobrando essa multa, portanto, se não for aberto no prazo de 6 meses, além de juros de mora.
E essa questão não foi resolvida pela novel legislação; e coloca os jurisdicionados em situação limítrofe e movediça, já que, caso não haja legislação local disciplinando isso, poderá haver muitas autuações, e abarrotando ainda mais o Poder Judiciário de forma desnecessária, já que poderia ser tranquilamente resolvido pelos governos locais.
E o prazo de 12 meses para ultimar o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1.º/02/2020, fica suspenso a partir de 12/06/2020 (data da publicação da Lei 14.010, de 10/06/2020) até 30/10/2020.
11. Mobilidade Urbana
Os arts. 17 e 18, da Lei 14.010, de 10/06/2020, que foram vetados, dispunham que, entre 12/06/2020 até 30/102020, (i) em relação às empresas que atuam no transporte remunerado privado individual de passageiros, inclusive por aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede,[31] deveriam (a) reduzir sua porcentagem de retenção do valor das viagens em ao menos 15%, garantindo o repasse dessa quantia ao motorista, e (b) não aumentar os preços das viagens ao usuário do serviço, e (ii) em relação aos serviços e outorgas de táxi, (a) reduzir para o motorista em, no mínimo, 15% todas e quaisquer taxas, cobranças, aluguéis ou congêneres incidentes sobre o serviço, e (b) não aumentar os preços das viagens.
As razões do veto são a flagrante inconstitucionalidade dos dispositivos, porque, ao reduzir os repasses dos motoristas às empresas de serviços de aplicativos de transporte de individual e dos serviços e outorgas de taxi, bem como às empresas de serviços de entrega (delivery), em ao menos 15%, violam o princípio constitucional da livre iniciativa (art. 1.º, da CF/88), bem como o da livre concorrência (art. 170, caput, IV, da CF/88).[32]
Não fosse tudo isso suficiente, embora o seja, a disposição vetada contraria o interesse público, por provocar efeitos nocivos sobre o livre funcionamento dos mercados afetados, além de produzir incentivos para a prática de condutas colusivas entre empresas, uma vez que estabelece forma de restrição ou controle de preços praticados aos usuários.
12. Disposições Finais
12.1. Direito de Trânsito
O trânsito em condições seguras, mais que o chavão de se tratar de um direito de todos, porque envolve aspectos patrimoniais, mas também envolve vida e saúde, é uma exigência, a qual se revela na imposição de que os veículos para transitarem em vias terrestres devem atender aos limites de peso e dimensões definidos pelo CONTRAN, sendo infração administrativa essa inobservância, punível com multa e retenção do veículo, inclusive (arts. 1.°, § 2.°, 99 e 231, V, todos do CTB – Lei 9.503/97).
O comando de limite do peso vem prescrito não por extravagância ou experimento de futilidade do legislador e do administrador, mas justamente porque o sobrepeso causa danos ao patrimônio público e pode acarretar ou agravar acidentes com vítimas.[33] O transporte de cargas nas rodovias não é livre: submete-se a padrões previamente assentados pelo Estado por meio de normas legais e administrativas.[34]
Pois bem, em que pese tais alertas, preferiu-se delegar ao CONTRAN a competência para a flexibilização do trafego pelas vias terrestres de veículo que exceder além do tolerável os limites de (i) lotação de passageiros, (ii) peso e (iii) dimensões.
Acertadamente, houve o veto a esse dispositivo.
E o fundamento para o veto ao art. 19, da Lei 14.010, de 10/06/2020, que impunha ao CONTRAN, entidade vinculada ao Poder Executivo, editar regras especiais de flexibilização e relativização de normas de trânsito, por ser bastante profilático, merece ser transcrito: “A propositura legislativa, ao determinar que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) edite normas que prevejam medidas excepcionais de flexibilização do cumprimento do disposto nos arts. 99 e 100 da Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997, viola o princípio da interdependência e harmonia entre os poderes, nos termos do art. 2.º da Constituição da República, haja vista que o Poder Legislativo não pode determinar que o Executivo exerça função que lhe incumbe (v. g. ADI 3394, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2007).”
Embora patente, tornou-se comum, nesse quadrante, a invasão e a usurpação de competência.
12.2. Prorrogação da Vacatio Legis da LGPD
A Lei 13.709, de 14/08/2018 (LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), tem a sua vacatio legis alterada e prorrogada, e que dar-se-ia durante o período emergencial definido no Dec. Legislativo 6, de 20/03/2020, da maneira seguinte: (i) arts. 52 a 54, que cuidam das sanções aplicáveis por infrações cometidas pelos agentes de tratamento de dados, que são o controlador e o operador, passam a viger a partir de 1.º/08/2021, e (ii) os demais artigos, que ainda estão em vacatio legis,[35] passam a viger a partir de 03/05/2021, conforme estabelecido pela Med. Prov. 959, de 29/04/2020, que alterou o art. 65, II, da LGPD, e, como consequência, prorrogou a vacatio legis.
13. Vigência
A vigência aqui analisada, isto é, o momento a partir do qual a legislação é obrigatória e, assim, produz os efeitos nela previstos, tem duplo significado: (i) o termo inicial e (ii) a duração.
O termo inicial, conforme o art. 8.º, caput, da LC 95, de 26/02/1998, deve estar indicado de modo expresso, e estende-se até 30/10/2020.
Recomenda-se que o início da vigência seja indicado de forma expressa e que a vacatio legis (vacância da lei), ou seja, o tempo que intermedeia entre a publicação e a efetiva vigência, contemple prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento (e assimilação), o qual sugere-se possa ser de até 45 dias, inclusive (art. 1.º, caput, da LINDB); devendo-se reservar a cláusula que estabelece que a lei “entra em vigor na data de sua publicação” para as normas de pequena repercussão.
Embora as disposições aí contidas nesse novel normativo sejam de média a grande repercussão, o que afastaria o início com a publicação, sem observar o interstício de vacatio legis, a urgência da situação, decerto, acaba impondo a sua vigência imediata.
Ademais, com a atual acessibilidade aos meios de comunicação, o requisito de seu amplo conhecimento acaba sendo atingido, o que permite, por a sua vigência com a sua publicação.
Em que pese haja expressa menção ao caráter transitório e emergencial desse novel normativo, o que poderia induzir a cuidar-se de legislação temporária – ainda que haja referência a seus efeitos estenderem-se até 30/10/2020 –, a sua vigência perdurará até que outra modifique-a ou revogue-a (art. 2.º, caput, da LINDB).
14. Conclusões
A orientação na busca de resultados sociais vem surgindo como uma prática corriqueira, no âmbito legislativo, inclusive, o que, acerca das relações privadas, deveria ser evitado ao máximo, primeiro, porque o espectro subjetivo inerente a esse tipo de postura não se coaduna com liberdade negocial, na medida em que a incumbência de definir o que é adequado deve ser atribuída, primordialmente, aos interessados, e, segundo, porque a escolha legislativa, por estar além de sua esfera de competência e conhecimento, pode não ser a mais apropriada, já que há uma flagrante opção por uma das partes como hipossuficiente, retirando-lhe previamente o ônus dessa demonstração e prova, onerando indevidamente a contra-parte.
Outro aspecto que se apresenta equivocado sobre esse tipo de interferência legislativa nas relações privadas refere-se à razão escolhida como causa para disparidades entre contra-partes, a qual não está na relação negocial em si mesma, mas, isto sim, no abrupto e não-planejado fechamento imposto, cuja confusão se deve, em grande medida ao que estabelecido pelo STF na definição da competência concorrente, e que travou o poder central, pulverizando a decisão, impedindo-o, com isso, de coordenar as estratégias e delegar a execução aos entes sub-nacionais, e que, ao fim e ao cabo, em decorrência de uma flagrantemente errônea interpretação constitucional, mais do que indevida intromissão no Poder Executivo, foi o total desrespeito ao Poder Legislativo, ao desprezar a legislação de cunho normativo geral com esse fito.
Com efeito, a Lei 13.874, de 20/09/2019, a Lei da Liberdade Econômica, ao tratar das disposições gerais sobre os contratos, incluiu (i) o parágrafo único no art. 421, do CC,[36] e (ii) o art. 421-A, do CC,[37] estabelecendo, em síntese, que, nas relações civis e paritárias, devem prevalecer os princípios da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual.
No entanto, com a crise deflagrada a partir do reconhecimento do surto do Covid-19, esses princípios, outrora sólidos, foram sem nenhum rubor flexibilizados, o que não passa de um eufemismo para esquecimento ou abandono, senão desprezo. Trata-se de apostasia jurídica, porque houve realocação do centro gravitacional da relação jurídica privada.
As contradições são bastante evidentes, até pueris, já que se instalou no Brasil, a partir da Lei da Liberdade Econômica, a ideia da livre estipulação de vontade nos negócios privados paritários e empresariais, sem a necessidade de interferência estatal, a qual, empiricamente, comprovou-se sempre e inexoravelmente nociva.
A Lei 14.010, de 10/06/2020, indo na contramão desse ideal estabelecido, que pode ser condensado na redução do Estado na atividade privada, adota por premissa que nos negócios jurídicos privados as partes precisam do Estado para resolverem os problemas que deles nascem, entre eles aqueles advindos de uma crise imprevista; inclusive indicando ao Poder Judiciário que essa pandemia é situação imprevista, como se o Juiz, aquele intérprete autêntico a que se refere Hans Kelsen, não soubesse, ou talvez, somente quem não soubesse disso fossem os lawmakers.
Em outras palavras: a Lei 14.010, de 10/06/2020, pretende arbitrar o que é melhor nas questões privadas, denotando, assim, alta interferência estatal nos negócios privados, contrariando, com isso, tudo o que estabelecido nos arts. 421 e 421-A, do CC.
E essa Lei 14.010, de 10/06/2020, vai além, porque, de modo reducionista, “adota” uma das partes como a mais frágil ou vulnerável e estabelece regras desprovidas de critérios práticos, concretos ou empíricos para sua proteção,[38] gerando, com isso, não apenas descrédito dos primados estabelecidos na Lei de Liberdade Econômica, mas, e pior, criando alto grau de inimizade e beligerância entre as partes dos negócios jurídicos privados, e reduzindo-as, praticamente, a incapazes, que não têm condições de mutuamente revisarem seus acordos de forma voluntária e livre. Esse rebaixamento ontológico da autonomia das vontades pressupõe que o credor seja um agente econômico violador e abusador, o que não confere com a realidade, e empodera o devedor, para usar uma expressão politicamente correta, evidenciando um enorme retrocesso.
Há, evidentemente, uma tremenda infantilização das relações negociais privadas paritárias pelo Estado plenipotenciário, denotando esse engajamento social como uma verdadeira situação orweliana, por meio dessa interferência indevida e desnecessária.
O Estado não pode nem deve intervir nas relações privadas paritárias, mesmo que em situação de crise – especialmente nessas situações, frise-se! –, já que não resolve a questão e gera ainda mais conflitos.
O sistema legal brasileiro possui regras que já foram decantadas pela doutrina e pela jurisprudência, em diversas oportunidades, acerca de situações de crise e calamidade, não necessitando que viesse o Estado e criasse novas regras, de pouca expressividade intelectual e sem grande profundidade de debates de ideias, observe-se, as quais não resolvem, apenas agravam essas questões.
Decerto, denota-se que não houve a adequada e profunda reflexão pelo Legislativo sobre os impactos dessas medidas, pois, como se bem sabe, a pressa é inimiga da perfeição.
E, assim, os vetos procedidos ao texto pelo Poder Executivo, todos eles, foram bem fundamentados e devem, pelas razões aqui também expostas, ser mantidos.
Notas e Referências
[1] A Lei 14.010, de 10/06/2020, originou-se do PL 1.179/2020, cujo substitutivo foi aprovado no Senado em 03/04/2020, e remetido à Câmara dos Deputados, em 13/04/2020, e, após algumas modificações (em particular quanto à exclusão do texto de disposições afetas ao Direito Societário, mais especificamente, envolvendo (a) deliberações remotas ou virtuais por meio eletrônico, (b) dilação de prazos para realização de assembleias e reuniões, (c) assembleias e reuniões virtuais ou externas e (d) distribuição de lucros, dividendos e resultados; e também ao Direito da Concorrência, em que foi retirado do texto a remissão a que os efeitos dos atos excepcionalmente praticados ou interpretados favoravelmente deveriam ser imediatamente interrompidos em 30/10/2020), foi aprovado em 14/05/2020, e ante as alterações, foi devolvido ao Senado, em 15/05/2020, que, em 19/05/2020, aprovou o texto final e remeteu, em 21/05/2020, à sanção presidencial, que veio a acontecer, mas com vetos.
[2] O Covid-19 alterou as circunstâncias do negócio jurídico para ambas as partes, que, embora seja o óbvio ululante, precisa ser realçado.
[3] Os casos em que ordinariamente não correria a prescrição, como, por exemplo, em relação ao incapaz, permanecem não alcançados ou atingidos; e, mesmo que a situação que ensejou a suspensão ou impedimento da fluência do prazo prescricional, como, e a título de exemplo, mais uma vez, não pender mais a condição suspensiva, for superada, ainda assim, durante aquele interstício compreendido entre 12/06/2020 (data da publicação da Lei 14.010, de 10/06/2020) e 30/10/2020, a suspensão ou o impedimento permanecem até 30/10/2020, inclusive.
[4] O PL 1.876/2020 não impede que eventos anteriores a 20/03/2020 produzam efeitos jurídicos anteriores a esse período, desde que provados e resultantes da pandemia do coronavírus COVID-19.
[5] O art. 317, do CC, dispõe: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
E o art. 478, do CC, estabelece: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
[6] A teoria da base objetiva e a teoria da imprevisão assemelham-se por ambas demandarem fato novo superveniente que seja extraordinário e afete diretamente a base objetiva do contrato, mas distinguem-se, porque a teoria da base objetiva prescinde da previsibilidade, o que é elemento intrínseco, todavia, à teoria da imprevisão.
[7] O STJ já decidiu: “Quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento comercial, o consumidor tem o direito de desistir do negócio em 7 dias, sem nenhuma motivação, nos termos do art. 49 do CDC” (STJ, 3.ª T., AgRg no AREsp 533.990/MG, rel. Min. MOURA RIBEIRO, j. em 18/08/2015, DJe de 27/08/2015.
[8] O consumidor deve ter de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas com o serviço postal para a devolução do produto, montantes estes que não podem ser repassados ao consumidor; eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor neste tipo de contratação são inerentes à atividade.
Nesse sentido: STJ, 2.ª T., REsp 1.340.604/RJ, rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, j. em 15/08/2013, DJe de 22/08/2013.
[9] O vínculo contratual locatício pode ser rompido nas hipóteses seguintes: (rol não-exaustivo): (i) mútuo acordo (ou distrato), (ii) infração legal ou contratual, (iii) falta de pagamento do aluguel e encargos, e (iv) reparações, reforma ou obras urgentes, necessárias e inadiáveis e (a) que tenham sido determinadas expressamente pelo Poder Público e (b) que não podem ser executadas com a presença do locatário. Esse rol, contudo, não é exaustivo.
[10] A partir de sua vigência, suspendem-se por 90 dias as ações de despejo relativas a locação residencial e não-residencial, quando tiverem por fundamento: (i) falta de pagamento, no vencimento, do aluguel e acessórios e (ii) desfazimento da locação sem que, após a notificação, o locatário apresente nova garantia apta a manter o contrato. Durante a suspensão: (i) não serão executadas sentenças ou liminares de despejo (a) que tenham sido proferidas anteriormente (dando efeito retroativo) e (b) que, embora deferidas, não tenham sido cumpridas, (ii) denúncia do contrato só produzirá efeitos após o prazo de suspensão (90 dias), (iii) admite-se, para as ações de despejo ajuizadas após a sua vigência, a pratica de atos para citação do réu apenas, e (iv) admite-se, nas demandas já ajuizadas, acordo, que, caso descumprido, poderá ser executado.
[11] Nessa mesma linha, está o PL 1.461/2020, que faculta aos locatários de imóveis comerciais o direito de requerer abatimento no valor da locação, proporcional ao número de dias em que houver redução ou interrupção das atividades comerciais por força das medidas de isolamento e quarentena previstas na Lei 13.979/2020.
[12] O PL 1.834/2020 foi apensado ao PL 936/2020.
[13] As obrigações de fiança em razão de inadimplemento dos alugueis ficarão igualmente suspensas pelo mesmo prazo.
[14] Na usucapião ordinária, o prazo de 10 anos pode ser reduzido para 5 anos se o bem for utilizado como residência habitual ou houver investimentos de cunho social e econômico, bem como tenha sido adquirido onerosamente por título registrado, mas cancelado posteriormente (art. 1.242, parágrafo único, do CC).
[15] Na usucapião extraordinária, o prazo de 15 anos pode ser reduzido para 10 anos se o bem for utilizado como residência habitual ou atividade produtiva (art. 1.238, parágrafo único, do CC).
[16] O STJ decidiu que a área de imóvel objeto de usucapião especial urbana não precisa ser usada somente para fins residenciais, sendo possível, com isso, usucapir imóvel que, apenas em parte, é destinado para fins comerciais. E, assim, o exercício simultâneo de pequena atividade comercial pela família domiciliada no imóvel objeto do pleito não inviabiliza a prescrição aquisitiva buscada.
Nesse sentido: STJ, 3.ª T., REsp 1.777.404/TO, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, j. em 05/05/2020, DJe de 11/05/2020.
[17] É vedada, todavia, qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.
[18] O art. 1.º, da Med. Prov. 931, de 30/03/2020, estabelece: “A sociedade anônima cujo exercício social se encerre entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 poderá, excepcionalmente, realizar a assembleia geral ordinária a que se refere o art. 132 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, no prazo de sete meses, contado do término do seu exercício social. (..)
§2.º Os prazos de gestão ou de atuação dos administradores, dos membros do conselho fiscal e de comitês estatutários ficam prorrogados até a realização da assembleia geral ordinária nos termos do disposto no caput ou até que ocorra a reunião do conselho de administração, conforme o caso. (...)”.
[19] O art. 4.º, da Med. Prov. 931, de 30/03/2020, estabelece: “A sociedade limitada cujo exercício social se encerre entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 poderá, excepcionalmente, realizar a assembleia de sócios a que se refere o art. 1.078 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002- Código Civil no prazo de sete meses, contado do término do seu exercício social. (...)
§2º Os mandatos dos administradores e dos membros do conselho fiscal previstos para se encerrarem antes da realização da assembleia de sócios nos termos previstos no caput ficam prorrogados até a sua realização”.
[20] O art. 5.º, da Med. Prov. 931, de 30/03/2020, estabelece: “A sociedade cooperativa e a entidade de representação do cooperativismo poderão, excepcionalmente, realizar a assembleia geral ordinária a que se refere o art. 44 da Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, ou o art. 17 da Lei Complementar 130, de 17 de abril de 2009, no prazo de sete meses, contado do término do seu exercício social.
Parágrafo único. Os mandatos dos membros dos órgãos de administração e fiscalização e dos outros órgãos estatutários previstos para se encerrarem antes da realização da assembleia geral ordinária nos termos previstos no caput ficam prorrogados até a sua realização.
[21] O art. 8.º, da Med. Prov. 931, de 30/03/2020, incluiu o art. 43-A, na Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que estabelece na maneira seguinte: “Art. 43-A. O associado poderá participar e votar a distância em reunião ou assembleia, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.” (NR)
[22] O art. 6.º, da Med. Prov. 931, de 30/03/2020, estabelece: “Enquanto durarem as medidas restritivas ao funcionamento normal das juntas comerciais decorrentes exclusivamente da pandemia da covid-19:
I - para os atos sujeitos a arquivamento assinados a partir de 16 de fevereiro de 2020, o prazo de que trata o art. 36 da Lei 8.934, de 18 de dezembro de 1994, será contado da data em que a junta comercial respectiva restabelecer a prestação regular dos seus serviços; e
II - a exigência de arquivamento prévio de ato para a realização de emissões de valores mobiliários e para outros negócios jurídicos fica suspensa a partir de 1.º de março de 2020 e o arquivamento deverá ser feito na junta comercial respectiva no prazo de trinta dias, contado da data em que a junta comercial restabelecer a prestação regular dos seus serviços”.
[23] O art. 36, da Lei 12.529, de 30/11/2011 (Lei do CADE), estabelece: “Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (...)
§3.º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: (...)
XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; (...)
XVII - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada; (...)”.
[24] Consideram-se associativos quaisquer contratos com duração igual ou superior a 2 anos que estabeleçam empreendimento comum para exploração de atividade econômica, assim entendida a aquisição ou a oferta de bens ou serviços no mercado, ainda que sem propósito lucrativo, desde que, nessa hipótese, a atividade possa, ao menos em tese, ser explorada por empresa privada com o propósito de lucro, desde que, cumulativamente: (i) o contrato estabeleça o compartilhamento dos riscos e resultados da atividade econômica que constitua o seu objeto e (ii) as partes contratantes sejam concorrentes no mercado relevante objeto do contrato (art. 2.º, da Res. CADE 17, de 18/10/2016).
[25] O consórcio é entidade sem personalidade jurídica constituída por meio de contrato por 2 ou mais sociedades empresárias (consorciadas), sob o mesmo controle ou não, e sem presunção de solidariedade, para executar determinado empreendimento (arts. 278 e 279, da Lei 6.404/76).
[26] E o joint venture é um acordo comercial associativo em que 2 ou mais agentes econômicos reúnem-se para criar uma nova empresa (newco), sem a extinção dos agentes econômicos que lhe deram origem, para o fim de desenvolver novos produtos ou serviços, atuar em mercados distintos daqueles individualmente operados pelos agentes econômicos criadores ou participar no mesmo mercado relevante, assim considerado o produto ou o espaço geográfico, dos agentes econômicos.
[27] A redação legislativa da interpretação hermenêutica enseja dubiedade se ela se limita até 30/10/2020 ou pode perdurar enquanto a situação emergencial estiver vigente.
[28] Estima-se que nesse ínterim devam acontecer os picos de falecimento em decorrência do Covid-19.
[29] Note-se que, além da perda de algum ente e que pode ter sido ocasionado pelo Covid-19, os familiares ainda terão o ônus e o dissabor, para dizer o mínimo, de discutir a incidência ou não de multa, sujeitando-se aos gostos de governantes de oportunidade.
[30] O art. 21 da Lei estadual paulista 10.775, de 28/12/2000, estabelece: “O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD, fica sujeito às seguintes penalidades:
I - no inventário e arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento);
II - na exigência de imposto mediante lançamento de ofício, em decorrência de omissão do contribuinte, responsável, serventuário de justiça, tabelião ou terceiro, o infrator fica sujeito à multa correspondente a uma vez o valor do imposto não recolhido;
III - apurando-se que o valor atribuído à doação, em documento particular ou público, tenha sido inferior ao praticado no mercado, aplicar-se-á aos contratantes multa equivalente a uma vez a diferença do imposto não recolhido, sem prejuízo do pagamento desta e dos acréscimos cabíveis;
IV - o descumprimento de obrigação acessória, estabelecida nesta lei ou em regulamento, sujeita o infrator a multa de 10 (dez) UFESPs”.
[31] Essas disposições seriam extensíveis também aos serviços de entrega (delivery), inclusive por aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede, de comidas, alimentos, remédios e congêneres.
[32] Em reforço dessas razões, indicou-se jurisprudência do STF (STF, 2.ª T., RE 422.941/DF, rel. min. CARLOS VELLOSO, j. em 05/12/2005, DJe de 24/03/2006, e STF, 2.ª T., AgR no AI 754.769/DF, rel. min. CÁRMEN LÚCIA, j. em 18/09/2012, DJe de 04/10/2012).
[33] O tráfego de veículos com excesso de peso provoca sérios danos materiais às vias públicas, ocasionando definhamento da durabilidade e da vida útil da camada que reveste e dá estrutura ao pavimento e ao acostamento, o que resulta em buracos, fissuras, lombadas e depressões, imperfeições no escoamento da água, tudo a ampliar custos de manutenção e de recuperação, consumindo preciosos e escassos recursos públicos. Ademais, acelera a depreciação dos veículos que utilizam a malha viária, impactando, em particular, nas condições e desempenho do sistema de frenagem da frota do embarcador/expedidor. De modo mais inquietante, afeta as condições gerais de segurança das vias e estradas, o que aumenta o número de acidentes, inclusive fatais.
[34] Nesse sentido: STJ, 2.ª T., REsp 1.678.883/DF, rel. Min. HERMAN BENJAMIN, j. em 25/03/2020, DJe de 02/04/2020.
No mesmo sentido: STJ, 2.ª T., REsp 1.574.350/SC, rel. Min. HERMAN BENJAMIN, j. em 03/10/2017, DJe de 06/03/2019, STJ, 2.ª T., EDcl no AgInt no AREsp 1.251.059/DF, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 22/10/2019, STJ, 2.ª T., AgInt no REsp 1.712.940/PE, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 09/09/2019, STJ, 2.ª T., AgInt no AREsp 1.580.705/MG, rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 06/03/2020, STJ, 2.ª T., REsp 1.637.910/RN, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 09/09/2019, STJ, 2.ª T., AgInt no REsp 1.701.573/PE, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 02/09/2019, STJ, 2.ª T, AgInt no AREsp 1.139.030/DF, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 04/09/2019, e STJ, 2.ª T., AgInt no AREsp 1.137.714/MG, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 14/06/2019.
[35] Estão excepcionados, porque já vigentes, os arts. 55-A, 55-B, 55-C, 55-D, 55-E, 55-F, 55-G, 55-H, 55-I, 55-J, 55-K, 55-L, 58-A e 58-B, da LGPD.
[36] O art. 421, do CC, dispõe: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.
[37] O art. 421-A, do CC, estabelece: “Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.
[38] É exemplo disso a vedação de concessão de liminar de despejo em caso de o inquilino ter sido demitido, se a locação estiver vinculada ou relacionada ao trabalho. A novel legislação não questiona se o inquilino não tem outro imóvel em outro local, ou se tem renda suficiente para arcar com a mudança, ou se existe algum tipo de seguro que proteja esse tipo de situação ou mesmo da própria situação do locador, que, sem embargo, necessita igualmente da renda do aluguel para complementação financeira.
Imagem Ilustrativa do Post: Figures of Justice // Foto de: Scott Robinson // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/clearlyambiguous/2171313087
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode