REFORMA SINDICAL E A PEC 196: NA CONTRAMÃO DAS REGRAS DA OIT

25/02/2020

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

Hoje temos um grande segredo em uma possível Caixa de Pandora que é a reforma sindical.

O intuito da manutenção da estrutura corporativista é imenso. A vontade de manter uma contribuição obrigatória … sem palavras para medir.

Muitas tentativas foram feitas até hoje ao arrepio da nova legislação, de forma a obrigar-se os “representados” a pagarem contribuições a entidades sindicais que, no mais das vezes, nem sequer os representam.

A estrutura sindical brasileira desde há muito fere os princípios fundamentais da liberdade sindical das regras da Organização Internacional do Trabalho - OIT. Seja por descumprir Convenções ratificadas, como a 98, que veda qualquer contribuição da “parte contrária” ao sindicato da outra parte, mas há décadas vê passar por baixo de seu nariz cláusulas de contribuições patronais milionárias a sindicatos profissionais “para melhoria da formação dos trabalhadores” (ou qualquer coisa do gênero), sem qualquer prestação de contas. E hoje vê-se uma massa de trabalhadores que não vão conseguir empregos, porque não foram preparados para uma modernização de sua atuação.

E a esquecida Convenção 87 que trata da plena liberdade sindical está ainda a ver navios.

Surge, então, no horizonte a PEC 196[1].

O texto da PEC parece trazer liberdade sindical. Parece.

Será?

Primeiro retorna, agora constitucionalmente, com a obrigação de pagamento de contribuição com desconto em folha sem sequer prever-se direito de manifestação do empregado representado – Atenção! - obrigatória somente para o empregado.

VI - é obrigatória a participação das entidades sindicais na negociação coletiva de suas respectivas representações, que será custeada por todos os seus beneficiários e descontada em folha de pagamento;

Mais grave, traz ainda um controle fora do Estado, mas nas mãos de Centrais Sindicais e Confederações Patronais, membros de um “Conselho Nacional de Organização Sindical (CNOS)” para dizer quem pode ser entidade sindical - (estabelecer critérios para aferição da representatividade progressiva e anual das entidades sindicais de trabalhadores).

Diz ela:

“Art. 8º É assegurada a liberdade sindical, observado o seguinte:(...)

  • 1º Fica constituído o Conselho Nacional de Organização Sindical (CNOS), entidade nacional de regulação bipartite e paritário, composto por:

I – uma Câmara com 6 (seis) representantes das centrais de trabalhadores mais representativas; e

II – uma Câmara com 6 (seis) representantes das Confederações de empregadores mais representativas, ambas reconhecidas nos termos da lei

  • 2º Caberá ao Conselho Nacional de Organização Sindical (CNOS), a partir do segundo ano da promulgação desta Emenda, estabelecer critérios para aferição da representatividade progressiva e anual das entidades sindicais de trabalhadores e empregadores de que tratam os incisos I e II do § 1º;
  • 3º Ao sindicato mais representativo no respectivo âmbito de representação, cujos critérios serão definidos pelo Conselho Nacional de Organização Sindical (CNOS), será estabelecida prerrogativas no exercício da atividade sindical e da negociação coletiva, bem como o direito de pleitear por meio de plebiscito ou consulta estruturada a exclusividade de representação por período máximo a ser definido pelo Conselho Nacional de Organização Sindical

As proposições ferem a Convenção 87 da OIT, que apesar de ser uma regra fundamental do direito de sindicalização livre especialmente dos trabalhadores, nunca foi ratificada pelo Brasil.

Analisando o texto apresentado, percebemos claramente que o dito Conselho e a fixação de contribuição Sindical, além de ferir a dita Convenção 87 da OIT, fere várias dos verbetes do Comitê de Liberdade Sindical[2] da OIT, dos quais podemos citar:

 Comitê de Liberdade Sindical da OIT [3]

  1. Las cuestiones relativas a la financiación de las organizaciones sindicales y de empleadores, tanto por lo que respecta a sus propios presupuestos como a los de las federaciones y confederaciones, deberían regularse por los estatutos de los sindicatos, federaciones y confederaciones, por lo que la imposición de cotizaciones por medio de la Constitución o por vía legal no es conforme con los principios de la libertad sindical..
  2. El derecho de los trabajadores de constituir organizaciones convenientes implica, en particular, la posibilidad efectiva de crear, en un clima de plena seguridad, organizaciones independientes tanto de las que ya existen como de todo partido político
  3. La facultad de imponer obligatoriamente a todos los trabajadores de la categoría profesional interesada el pago de cotizaciones al único sindicato nacional cuya existencia está permitida para una ocupación dentro de una zona determinada no es compatible con el principio de que los trabajadores deben tener el derecho de afiliarse a las organizaciones «que estimen convenientes». En tales circunstancias, parecería que la obligación legal de pagar cotizaciones a este monopolio sindical, estén o no afiliados a él los trabajadores, representa una nueva consagración y consolidación de dicho monopolio. (Véase 65º informe, Caso núm. 266, párrafos 61 y 62.)

Assim, a PEC 196, da maneira como está redigida, representa um retrocesso à liberdade sindical tímida experimentada hoje no Brasil; e, mais, se aceita, retornará nosso sistema aos piores dias da era getulista, só que, ao invés do Estado sob controle, estamos criando um Cartel Sindical.  

O tema foi percebido pelo relator da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, Dep. Fabio Trad, que emitiu parecer contra a manutenção de tais temas, não em vista de os entender contrários às regras internacionais da OIT, mas por temor de risco a “pax social”?!

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 196, DE 2019 Dá nova redação ao art. 8° da Constituição Federal e altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Autor: Deputado MARCELO RAMOS Relator: Deputado FÁBIO TRAD

(...)

Por fim, nada há na Proposta que coloque em ameaça a forma federativa de Estado, o voto direto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais, restando observado o disposto no art. 60, § 4º da Constituição, com exceção do art. 8º, inc. VI e § 1º. De fato, referidos temas foram tratados e afastados na recente reforma trabalhista de 2018, razão pela qual a segurança jurídica e a estabilidade social não recomendam nova discussão neste momento do processo legislativo.

(...)

Haja vista o que acabamos de expor, votamos pela admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 196, de 2019, retirando o artigo que trata da contribuição para negociação coletiva e da composição e atribuições do conselho (Art. 8º, inc. VI e § 1º).

(...)

Sala da Comissão, 11 de dezembro de 2019. Deputado FÁBIO TRAD (PSD/MS), Relator

O debate não se extingue, mas está apenas começando, como começou nos primórdios do Anteprojeto da Constituição Cidadã emitido por Afonso Arinos.

E no tocante às normas sindicais, é curioso observar o quadro comparativo abaixo:

 

ANTEPROJETO DE AFONSO ARINOS [4]

TEXTO PROMULGADO DO ARTIGO 8º DA CF 1988

Art. 344 – A associação profissional ou sindical é livre. Ninguém será obrigado, por lei, a ingressar em sindicato, nem nele permanecer ou para ele contribuir.

§ 1º – A assembléia geral é o órgão deliberativo supremo da entidade sindical, sendo de sua competência exclusiva aprovar-lhe os estatutos, deliberar sobre a sua constituição, organização, contribuição financeira e eleições para os órgãos diretivos e de representação.

 § 2º – Compete às entidades sindicais defender os direitos e os interesses da categoria que representam, com participação junto às empresas e aos organismos públicos que diretamente se relacionem com o exercício daqueles interesses.

§ 3º – Em quaisquer questões judiciárias ou administrativas poderá intervir o sindicato como terceiro interessado ou substituto processual, desde que comprovada a implicação, que delas possa advir, de prejuízo direto ou indireto para a atividade ou profissão.

 § 4º – Nenhuma entidade sindical poderá sofrer intervenção, ser suspensa ou dissolvida pela autoridade pública, se não por decisão judicial, garantido amplo direito de defesa.

Art. 345 – É reconhecido o direito de greve.

 § 1º – Para o seu pleno exercício, serão estabelecidas providências e garantias necessárias que assegurem a manutenção dos serviços essenciais à comunidade.

 § 2º – As categorias profissionais dos serviços essenciais que deixarem de recorrer ao direito de greve farão jus aos benefícios já obtidos pelas categorias análogas ou correlatas.

Art. 346 – O Ministério Público do Trabalho será parte legítima, na forma da lei, para a tutela dos direitos previstos neste Capítulo.

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

        I -  a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical;

        II -  é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

        III -  ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

        IV -  a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

        V -  ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

        VI -  é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

        VII -  o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;

        VIII -  é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

    Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.

 

Para quem se interessar no processo todo e descobrir como o Art. 344 – A associação profissional ou sindical é livre. Ninguém será obrigado, por lei, a ingressar em sindicato, nem nele permanecer ou para ele contribuir.

Virou a defesa ferrenha e corporativa da unicidade Getulista na redação do artigo 8º: II -  é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

Sugiro que se debruce no Anais da Constituinte que gerou a Constituição Federal de 1988:  https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/CT_Abertura.asp)

 

Quem sabe descobriremos como saímos da nova possiblidade de liberdade sindical plena para manutenção da mesma estrutura corporativa.

E não me digam que brasileiro não tem “espírito de associação” como dizia Sussekind, pois até ele mudou de ideia[5] dizendo na palestra de abertura do Fórum Internacional sobre Perspectivas do Direito e do Processo do Trabalho, no Tribunal Superior do Trabalho: “O sistema de unicidade sindical compulsória foi importante num primeiro momento, mas desde a década de 60 para cá a unicidade sindical não se justifica mais[6]”.

Basta ainda, e ouso discordar da inexistência de espírito associativo desde sempre, estudar-se a história do movimento sindical brasileiro pré-vargas.  Mas isso é assunto para outro artigo.

Só espero que este não seja mais um momento para descobrirmos como e porque Getúlio ganhou a guerra contra a liberdade sindical!

 

 

Notas e Referências

[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=277819F19B20E4168537AD94286673B2.proposicoesWebExterno2?codteor=1831736&filename=PEC+196/2019  recuperado em 17/02/2020 às 9,50hs

[2] Estudos desenvolvidos com minha colega Paula Collesi no grupo de estudos sindicais GDS atual APRES- Associação Paulista de Relações e Estudos Sindicais

[3] https://www.ilo.org/global/standards/WCMS_626851/lang--es/index.htm

[4] https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/constituinte/AfonsoArinos.pdf

[5] http://www.manoelteixeira.adv.br/noticia/4/arnaldo-sussekind-defende-mudancas-na-legislacao-sindical/

[6] http://www.manoelteixeira.adv.br/noticia/4/arnaldo-sussekind-defende-mudancas-na-legislacao-sindical/

 

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