Reforma da Previdência e o aprofundamento das desigualdades de gênero: mobilizações no Dia Internacional da Mulher de 2017

05/03/2017

Por Fernanda Ely Borba – 05/03/2017

A proposta de reforma da Previdência apresentada por Michel Temer (PEC 287/2016) e seus aliados tem sido alvo de inúmeras críticas de diversos segmentos sociais, haja vista os retrocessos postos especialmente aos grupos mais vulneráveis, dentre eles as mulheres, os(as) trabalhadores(as) rurais e a camada mais empobrecida da população brasileira.

De acordo com Birolli (2017), dentre as principais alterações propostas pela mencionada PEC, destacam-se as seguintes: A PEC 287 define 65 anos como idade mínima para aposentadoria e elimina as distinções hoje existentes na nossa legislação entre mulheres e homens e, também, entre trabalhadores/as urbanos/as e rurais. Hoje a idade mínima para a aposentadoria é de 65 anos para os homens e 60 para as mulheres. Ela é diferenciada para o trabalho rural, em que a idade mínima é hoje de 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres. Além disso, o tempo mínimo de contribuição é hoje de 15 anos, mas a proposta é de que passe a ser de 25 anos. No caso de trabalhadoras e trabalhadores rurais, também se passa a exigir contribuição individualizada mensal, rompendo com o tratamento diferenciado garantido para a agricultura familiar, na qual o rendimento é baixo e está sujeito aos ritmos sazonais de produção e venda dos produtos”.

É sabido que a Constituição Federal de 1988 introduziu o princípio da equidade, o qual “é fundamental para a priorização das ações, tendo em vista a gradual diminuição das desigualdades sociais, pois há flagrante heterogeneidade da população no tocante às suas necessidades [...] e acesso aos serviços” (EGRY et al, 2007, p. 763). Espraiado pelas demais leis complementares e ordinárias, tal princípio se materializa na legislação previdenciária à medida que incorpora o tratamento diferenciado às “situações especiais e as assimetrias no acesso ao trabalho formal ao longo da vida, como no caso do trabalho na agricultura familiar e da carga ampliada de trabalho das mulheres devido às tarefas desempenhadas no cotidiano doméstico, correspondem a sistemas de contribuição e acesso à aposentadoria diferenciados” (BIROLLI, 2017, p. 02).

Portanto, as mudanças desencadeadas pela referida PEC muito possivelmente contribuirão para acentuar mais ainda as desigualdades de gênero em nosso país, sobretudo em razão da preponderância dos papeis tradicionais de gênero e da rígida divisão sexual do trabalho. A este respeito, Hirata e Kergoat (2007) explicitam que a divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos, modulando-se numa perspectiva histórica e social. Caracteriza-se pela designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.). Essa forma particular da divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem "vale" mais que um trabalho de mulher).

Concretamente no âmbito brasileiro, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – IBGE de 2014 revelou o seguinte panorama:

As mulheres trabalham mais do que os homens, haja vista as responsabilidades cotidianas frente ao trabalho não remunerado, ou seja, o cuidado do lar, das crianças e dos idosos.

As mulheres recebem hoje cerca de 74% da renda média dos homens nas mesmas ocupações, embora o acesso à educação formal seja maior entre elas do que entre eles, o que está fortemente calcado na tradicional divisão dos papeis de gênero. Enquanto o exercício das tarefas domésticas é realizado prioritariamente pelas mulheres, os homens têm tempo liberado dessas funções para o exercício de trabalho remunerado.

Ressalta-se ainda que as mulheres, sobretudo as negras, têm menor acesso ao trabalho formal. Nesse sentido, as mulheres trabalham menos com carteira assinada do que os homens, o que está diretamente relacionado ao exercício da maternidade e à responsabilidade perante o trabalho doméstico. Paralelo a isso, o rendimento proveniente do trabalho informal é inferior ao dos homens que igualmente exercem trabalho informal. Segundo a PNAD/IBGE 2014, no ano de 2013 as mulheres receberam em média 65% do salário dos homens no mercado informal e 75% no formal.

Sob o viés étnico-racial, as desigualdades sociais entre os gêneros aprofundam-se, uma vez que metade da população negra (pretos mais pardos) exercia trabalho informal em 2013, contra 34,7% da população branca, de acordo com a PNAD. As mulheres negras são o segmento da população com menor acesso ao trabalho formal e com a menor renda média. Aliado a isso, são as que possuem menores condições de contratar serviços privados para auxiliar nas tarefas domésticas, o que repercute no prolongamento da jornada de trabalho.

Por todo o exposto, importante ressaltar que as violações de gênero extrapolam o âmbito privado (familiar e conjugal), tendo em vista que o Estado brasileiro, ao restringir direitos sociais e em decorrência contribuir para o acirramento das desigualdades, está em última instância violentando as mulheres.

Por todo o mundo, mulheres devem paralisar suas atividades no dia 8 de março de 2017 em luta contra todas as formas de violência e, no Brasil, o mote principal será o protesto contra a reforma Previdenciária proposta pela PEC 287/2016.


Notas e Referências:

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.

BIROLI, Flávia. Reforma da Previdência: a PEC 287 contra as mulheres. Disponível em [http://grupo-demode.tumblr.com], acessado em 22 de fevereiro de 2017.

EGRY, Emiko Yoshikawa et al. Políticas e práticas de saúde rumo à equidade: uma abordagem geral. Rev. esc. enferm. USP, São Paulo, v. 41, n. spe, p. 762-764,  dez.  2007 .

HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. In: Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007


Fernanda Ely BorbaFernanda Ely Borba possui graduação (2004) e mestrado (2007) em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. É Assistente Social do Poder Judiciário de Santa Catarina desde o ano de 2008, lotada no Fórum da Comarca de Chapecó/SC. Atualmente é aluna do curso de pós-graduação lato sensu Abordagens da Violência contra Crianças e Adolescentes, promovido pela PUC/RS. Integra o  Núcleo de Pesquisas Sobre Violência (NESVI/UNOCHAPECO). Participa da União Brasileira de Mulheres (UBM) sediada em Chapecó/SC. Compõe a Associação Catarinense dos Assistentes Sociais de Poder Judiciário de Santa Catarina (ACASPJ), exercendo o cargo de presidente do Conselho Fiscal (triênio 2017-2020). Estuda o tema da violência sexual contra crianças e adolescentes desde o ano de 2002, quando passou a integrar o Núcleo de Pesquisas em Violência do Departamento de Serviço Social da UFSC (NEPEV/DSS/UFSC). 


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito. 


 

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