Reflexões sobre o recente julgamento do Recurso Especial n. 2.059.278 que autorizou a penhora de imóvel alienado fiduciariamente em razão de dívida condominial

13/10/2023

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Na semana passada, em 12 de setembro de 2023, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o RESP n. 2.059.278, decidiu que imóvel alienado fiduciariamente pode ser objeto de penhora para pagamento única e exclusivamente de taxas condominiais.

Na mesma oportunidade, sob a relatoria do Ministro Raul Araújo, a Quarta Turma entendeu que diante a natureza propter rem da taxa condominial, esta se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa e por essa razão deve se sobrepor ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário.

A decisão contraria o entendimento da Terceira Turma que ao julgar em agosto de 2023 o RESP n. 2.036.289 entendeu no sentido de proteger o credor fiduciário, inclusive do pagamento das taxas condominiais. Na oportunidade, em análise de caso análogo, os Ministros, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, entenderam que apesar do art. 1.345 do Código Civil atribuir caráter propter rem ao débito condominial, essa regra teria sido excepcionada na hipótese de alienação fiduciária pelos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único do Código Civil.

No entendimento da Terceira Turma, se a responsabilidade pelas despesas condominiais é do devedor fiduciante, a norma estabelece, por consequência que o seu patrimônio é que será usado para satisfação do crédito, sem incluir o imóvel alienado, que integra o patrimônio do credor fiduciário, permitindo ao credor somente a penhora dos direitos do devedor fiduciante sobre o imóvel.

Já na Decisão mais recente, o Ministro Raul Araújo assim fundamenta acerca da exceção da dívida condominial:

“Entendo correta a solução em tal contexto, para um credor comum, o credor normal de um condômino, naquela situação. Tal credor não poderá penhorar o imóvel do devedor, por estar o bem alienado fiduciariamente ao credor fiduciário, sendo este o titular da propriedade resolúvel da coisa imóvel.
Porém, quando o credor do condômino devedor é o próprio condomínio a solução não se ajusta. É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno desses valores. A razão para tanto está em que não se pode cobrir o credor fiduciário de imunidade contra dívida condominial, outorgando-lhe direitos maiores do que aqueles que tem qualquer proprietário. Quer dizer, o proprietário fiduciário não é um proprietário especial, detentor de maiores direitos do que o proprietário comum de imóvel em condomínio edilício”.

Nota-se que ao Julgar desta forma, a Quarta Turma claramente interpretou a Lei sob a luz do espírito da Carta Magna de 1988.

Em que pese o credor fiduciário, por força da lei 9.514/1997 seja de certa forma excepcionado sob diversos aspectos, as valorações dos direitos individuais jamais podem sobrepor ao direito dos demais, ou seja, os direitos da coletividade.

Aqueles que militam na área do Direito Condominial sabem o quanto as preferências dadas pela Lei de Alienação Fiduciária prejudicam o ambiente condominial, principalmente em razão da falta de interesse na retomada de determinados imóveis.

Por vezes, o ambiente condominial convive com “compromissários compradores” pouco compromissados, que acumulam anos de pagamento de taxas condominiais e financiamento do imóvel, entretanto, por vezes o banco, ao vislumbrar pouco interesse no imóvel, postergam por anos para exercer seu direito de retomada previsto na Lei de Alienação Fiduciária.

Por outro lado, na maioria das vezes, o condomínio encontra-se com as mãos atadas, sendo que os direitos oriundos do “compromissário comprador” são de valor irrisório e o imóvel permanece intocável, em razão da nua propriedade do credor fiduciário.       

Embora o cenário deveria ser ajustado por força legislativa, exigindo prazo máximo para retomada do banco, a decisão tomada pela Quarta Turma neste mês de setembro parece acertada, tendo em vista o espírito que deve sempre permear aplicação da lei de seguir o viés constitucional.

De mais a mais, trata-se de princípio basilar de hermenêutica jurídica de que a lei não possui palavras inúteis, tampouco quando tratamos da Carta Magna de 1988.

Em especial:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[..]
XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”.

Considerando os incisos destacados, é possível compreender que a Lei de Alienação Fiduciária não pode servir para mera blindagem, em especial dos agentes financiadores, a Lei merece análise sob perspectiva constitucional e consequentemente sob a ótica da Dignidade da Pessoa Humana.

Cumpre destacar que a problemática não diz respeito a condomínios de alto padrão, onde o “compromissário comprador” por razões de dificuldade financeira atrasa suas obrigações, mas sobretudo sobre aqueles imóveis de baixo padrão, geralmente adquiridos pelo programa “Minha Casa, Minha Vida” e que por tratar-se maior dificuldade de venda em hasta pública, por vezes restam abandonados no local.

Além disso, também merece crítica a concessão exacerbada de crédito àqueles não possuem lastro patrimonial e ou financeiro básico para arcar com os pagamentos somados (financiamento e taxa condominial), tendo em vista que em razão de suposta facilidade de blindagem que a lei lhe oferta, por vezes cria um clima de libera geral aos adquirentes. No frigir dos ovos, a conta dos imóveis abandonados e endividados sobra para os demais condôminos trabalhadores que possuem taxas condominiais deveras valorizada.

 

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