Reflexões sobre legalidade, sustentabilidade e consequencialismo jurídico

05/11/2015

Por Phillip Gil França - 05/11/2015

O sistema jurídico brasileiro foi estruturado com base na legalidade da atuação publica e privada. O Estado atua conforme a legalidade que estipula o que deve fazer, conforme expressão do caput do art. 37 da CF/88. O particular desenvolve suas atividades, por sua vez, nos limites da legalidade, tendo liberdade de agir, conquanto não desobedeça o sistema jurídico definido no tempo e no espaço onde desenvolve as atividades que precisam ser aprovadas pela lógica de ´certo´ ou ´errado´ imposta pela lógica da legalidade, como indica o art. 5º, II da CF/88.

Nesse contexto, se o sistema estatal de legalidade (jurídico) foi idealizado para delimitar a atividade humana entre semelhantes envolvidos em um meio ambiente minimamente equilibrado, a escolha sobre o que é bom para o melhor desenvolvimento possível dos personagens dessa interação fica a cargo de quem?

Os interessados no produto dessa energia humana criada pela interação de cidadãos estabelecidos sob a égide de uma regulação estatal de comportamentos realmente sabem qual é o melhor caminho a seguir?

Não, logicamente.

Agem na 'tentativa e erro'.

A regulação estatal é baseada, estruturalmente, por uma análise consequencialista do sistema jurídico convencionado.

Analisar os efeitos práticos das escolhas teóricas alcançadas é pressuposto básico para o Estado de Direito estabelecido com as vestes da República. Fato que demanda um agir responsável e responsabilizável dos representantes do Poder Público.

Logo, admite-se o erro sustentável do Estado como ação propulsora de desenvolvimento quando da criação de normas, desde que não inviabilize a capacidade regenerativa do sistema de legalidade estatal, por meio de processos que concedam respostas e soluções corretivas das falhas para regenerar o próprio sistema de interação das pessoas.

Exalta-se a necessidade do desenvolvimento sustentável do sistema de legalidade estatal para que os seus partícipes continuem a investir suas energias no desenvolvimento do Estado. De igual forma, para que os cidadãos continuem a agir em prol da manutenção e da promoção do regime de legalidade (regulatória) em que os cidadãos vivem e acreditam cotidianamente, como forma ideal de vida adequada para um amanhã permanentemente melhor do que o presente em que vivem.

Isto é, legalidade pressupõe procedimento (para criação) e processo (para concretização).

Se estabelecermos legalidade como um fim em si mesma e não como um resultado de um legítimo procedimento de criação e de um republicano processo de concretização, por certo nada de legalidade restará nessa expressão jurídica.

Sem o vínculo consequencialista do atuar público, as ações do Estado se revestem de capas autoritárias não mais aceitas no regime de chancela democrática que vivemos.

Além de não possuírem força coercitiva, eventualmente, podem gerar responsabilidade estatal por causarem danos (de forma geral) quando da sua tentativa de concretização.

Ou seja, ou os agentes estatais compreendem de vez que ´o que se faz´ é tão importante quanto ´como se faz´, ou as falhas estatais alcançarão níveis de insustentabilidade do sistema jurídico aptos a inviabilizar a atuação estatal conforme uma lógica mínima de legalidade.

Em outras palavras, sem a crença na legalidade estatal voltada ao bem e ao desenvolvimento do cidadão, não restará qualquer coluna de sustentação do Estado.

Realidade que, inevitavelmente, destruirá o modelo regulatório alcançado e demandará novas escolhas de delimitação do agir intersubjetivo voltado ao desenvolvimento de todos e de cada um.

Na verdade, temos com a ilegalidade estatal uma frustração.

É, talvez, um arrependimento de doar algo bom para um resultado ruim.

Ao mesmo tempo, nutrimos a esperança de que o mal irá passar e o errado não se repetirá.

Isso porque, acreditamos no Estado?

Não.

Apesar de tudo, acreditamos em nós mesmos.

É um engano.

Um auto engano.

Acreditamos que nossa energia é infinita e sempre o erro poderá ser superado.

Mas o sistema estatal aposta nisso?

Não.

O Estado sabe e considera nossa finitude e se perdura no porvir, nas futuras gerações.

A legalidade é voltada para nós, cidadãos do presente, ou para aqueles que sequer possuem expectativa de existência?

Lutemos por um Estado bom para nós e nossos filhos, sustentavelmente. Pensemos nos netos amanhã, mas jamais esqueçamos dessa tarefa e compromisso com a sustentabilidade do sistema jurídico. Desenvolver hoje e programar o amanhã, sem comprometer um pelo outro.


autorPhillip Gil França é Pós-doutor (CAPES_PNPD), Doutor e Mestre em direito do Estado pela PUC/RS, com pesquisas em “Doutorado sanduíche – CAPES” na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Professor de Direito Administrativo (mestrado e graduação) da Universidade de Passo Fundo, autor dos livros “Controle da Administração Pública”, 3 Ed. (RT, 2011) e “Ato Administrativo e Interesse Público”, 2 Ed (RT, 2014), e tradutor da obra “O Princípio da Sustentabilidade – transformando direito e governança“, de Klaus Bosselmann. Professor dos Cursos de Especialização do IDP (Brasília), Abdconst (Curitiba) e Unibrasil (Curitiba). Email: phillipfranca@hotmail.com / Facebook: Phillip Gil França


Imagem Ilustrativa do Post: What the future holds {Explored} // Foto de: Susana Fernandez // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/susivinh/6607644933

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura