REFLEXÕES NECESSÁRIAS ACERCA DA CONTRATAÇÃO INTERMITENTE

09/04/2019

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Dentre as alterações implementadas no corpo da CLT, mediante Lei nº 13.467/2017, merece destaque o art. 443. Isso porque, dentre as espécies de contrato de emprego classificados quanto ao prazo e à forma de pactuação, foi inserido o contrato intermitente.

Com o propósito de acompanhar a tendência flexibilizante das formas de exploração do trabalho, criou-se uma modalidade de contratação nova sob o argumento de se absorver aqueles que, até então, se inseriam no mercado de trabalho de maneira informal para suprir demandas eventuais do contratante (freelancer).

Porém, por se ter, na legislação celetista, regulamentação superficial e, ainda, permissiva de regulamentação via instrumento coletivo (negociado prevalecerá sobre o legislado – art. 611-A, inciso VIII, da CLT), é necessário que sejam feitas ponderações interpretativas e que reflexões acerca da nova modalidade contratual, para fins de a compatibilizar ao sistema principiológico trabalhista e constitucional vigente.

 

1. REGRAS GERAIS

Trata-se de uma nova modalidade de contrato de emprego em que se tem a indeterminação do contrato e a transitoriedade da prestação de serviços. Significa dizer que o contrato será pactuado sem que haja um prazo máximo de vigência. Porém, o empregado executará as atividades de acordo com a demanda do empregador, ou seja, apenas quando necessário.

     Assim é que o próprio legislador reformista cuidou de conceituar contrato intermitente, no novo § 3º, do art. 443, da CLT:

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Pode-se afirmar que, ao considerar o contrato intermitente como vínculo de emprego, flexibiliza-se o pressuposto fático-jurídico da não eventualidade. Isso porque, mesmo que a prestação de serviços ocorra de forma intermitente, ainda assim será reconhecida a relação de emprego, desde que presentes os demais pressupostos dos art. 2º e 3º da CLT.

Vale ressaltar que é possível adotar o contrato intermitente para qualquer categoria, independentemente das atividades do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Reiterando: embora o legislador o tenha inserido no art. 443, caput, e conceituado no § 3º, da CLT, não se pode afirmar que é contrato de emprego temporário (prazo determinado). O contrato é indeterminado, ao passo que a prestação de serviços é intermitente. Dentro do contrato indeterminado, o empregado executará suas atividades apenas quando convocado pelo seu empregador (caso aceite). Logo, só executará suas atividades quando houver demanda, conforme necessidade do empregador. Por esta razão, afirma-se que o contrato é intermitente. Na verdade, a intermitência é da prestação de serviços, e não propriamente do contrato, já que este é indeterminado.

Por se tratar de uma nova modalidade de contrato de emprego, cujo prazo de vigência é indeterminado, embora a prestação de serviços seja determinada (por demanda), o legislador reformista cuidou de definir as particularidades que incidirão sobre as partes inseridas nesta nova modalidade contratual, tanto quanto à forma, quanto em relação aos efeitos jurídicos dele provenientes.

Embora tenha prevalecido, até a Reforma, a regra segundo a qual para reconhecimento da validade jurídica dos contratos não era necessária forma escrita, para os contratos intermitentes, por se tratar de nova modalidade de contrato de emprego sobre o qual recaem características específicas, o legislador reformista cuidou de exigir forma escrita para sua pactuação.

No instrumento escrito, é necessário que contenha o valor da hora do trabalho, tendo por parâmetro o valor do salário mínimo-hora ou o salário devido aos demais empregados, mesmo que não tenham sido contratados como intermitentes. Para tanto, é necessário apenas que exerçam a mesma função.

Assim, de acordo com o art. 452-A, da CLT, o valor da hora de trabalho “não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam mesma função em contrato intermitente ou não.”

Como dito anteriormente, embora o contrato intermitente seja a prazo indeterminado, a prestação de serviços ocorrerá apenas quando o empregado for demandado pelo seu empregador. Neste caso, o empregador deverá convocar o empregado por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.

O empregado terá um dia útil para responder ao chamado. Caso não manifeste sua aceitação durante este prazo, presume-se que houve recusa. Esta não caracterizará ausência de subordinação, mesmo porque pode ser que o trabalhador esteja a serviços de outro contratante.

Ainda de acordo com o art. 452-A, da CLT, ao final de cada período de prestação de serviços, o empregado receberá:

  • remuneração;
  • férias proporcionais com acréscimo de um terço;
  • décimo terceiro salário proporcional;
  • repouso semanal remunerado; e
  • adicionais legais.

Merecem destaque, ainda, as seguintes regras:  

  • o recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas devidas na data de pagamento acordada entre as partes;
  • o empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações;
  • a cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.

Por sua relevância, merece destaque o art. 452-A, da CLT, por estarem nele previstas as regras gerais referentes à contratação intermitente:

Art. 452-A.  O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.                    

§1oO empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.                       

§2oRecebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.                    

§3oA recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.                     

§4oAceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.   

§5oO período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.  

§6oAo final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:      

I - remuneração;

II - férias proporcionais com acréscimo de um terço;         

III - décimo terceiro salário proporcional;      

IV - repouso semanal remunerado; e        

V - adicionais legais.       

§7oO recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6odeste artigo.                  

§8oO empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.                

§9oA cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.                   

Por ter inaugurado um contrato híbrido, afirma-se que se tem, no art. 452-A, da CLT, uma regulamentação bastante tímida e, ainda, vulnerabilizada, na medida em que regras previstas em instrumentos coletivos (ACT e CCT) poderão prevalecer sobre ela.

A fragilidade do instituto suplanta reflexões que percorrem aspectos não apenas da seara trabalhista, mas também previdenciária.

 

3. REFLEXÕES NECESSÁRIAS ACERCA DO CONTRATO INTERMITENTE

     Considerando as regras da contratação intermitente, embora vigentes há mais de um ano, o tema está longe do alcance da segurança jurídica e pacificação quanto às questões dele provenientes. Destacam-se, entre outras, as seguintes reflexões:

 

3.1. Multa a ser paga

De acordo com o art. 452-A, §4º, da CLT, “aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo”. É inegável que se torna necessária a definição de sanção para aquele que descumprir compromisso voluntariamente aceito. Porém, como definir o período de execução das atividades se este estiver condicionado ao tempo gasto para a execução da demanda esporádica, sem que se tenha data certa estipulada?

Como possiblidade de compatibilização do dispositivo com as demais regras celetistas, sugere-se a aplicação subsidiária dos artigos 479 e 480, ambos da CLT, atualmente aplicados nos casos de extinção antecipada dos contratos a prazo determinado:

Art. 479 - Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato.                    

Parágrafo único - Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à rescisão dos contratos por prazo indeterminado.

Art. 480 - Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem.                    

§1º - A indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito o empregado em idênticas condições.    

 

3.2 Período de inatividade

     De acordo com o art. 452-A, §5º, da CLT, o período de inatividade contratual aquele que separa o término de uma prestação de serviços e o início de outra. A reflexão que recai sobre tal regra diz respeito aos efeitos trabalhistas e previdenciários a serem produzidos durante este período.

Não se pode afirmar, pela redação do texto reformista, que se equipara à suspensão ou interrupção contratuais.

A temática se torna ainda mais sensível quando associada à interpretação do §8º , do mesmo art. 452-A, da CLT:

§8oO empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.     

     O recolhimento da contribuição previdenciária e do FGTS deverão ser feitos mensalmente, inclusive durante períodos de inatividade, ou o “mensalmente”, a que fez referência o legislador reformista, deverá ser interpretado no sentido de considerar o somatório dos dias trabalhados (mesmo que em meses diferentes) para que se cumpra o requisito para fins de pagamento do FTGS e do recolhimento previdenciário?

     Trata-se, de fato, de questão espinhosa sobre a qual não se pode admitir regulamentação em ACT e CCT.

 

3.3. Aquisição do direito às férias

     Nos termos do art. 452-A, §9º, a cada doze meses o empregado adquire o direito às férias. Porém, o que se questiona, a partir da redação do dispositivo, é se este período levará em consideração o período de inatividade ou apenas aquele que tenha sido efetivamente trabalhado.

     Sob a ótica protetiva que permeia o Direito do Trabalho, é mais sensato defender que, independentemente de se ter trabalhado durante os 12 meses, ou por 15 dias ou mais de cada mês, deve ser assegurado o direito à fruição do direito às férias no período subsequente, relativizando o conceito de período aquisitivo até então adotado pela doutrina e jurisprudência trabalhistas. Obviamente, tanto a remuneração quanto aos dias a serem concedidos, pela sensatez interpretativa, deverão considerar o somatório dos dias efetivamente trabalhados durante o período aquisitivo intermitente.

     Defende-se esta ideia por serem as férias uma garantia constitucional e mais: por estar associada à saúde física e mental do trabalhador, permitindo-lhe um período maior de afastamento das atividades laborais para fins de descanso. Por ser direito indisponível, defende-se a necessária adequação do conceito de período aquisitivo para alcance dos fins a que se destinam referida garantia constitucional.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

     A inquietude ocasionada pela Reforma Trabalhista fez com que, em certa medida, se tenham olhos voltados à disciplina. Infelizmente, por um atropelo legislativo, a ausência de amadurecimento legislativo, que permeou a CLT desde a sua publicação, se mostra latente também na Lei 13.467/17, especialmente quanto à contratação intermitente.

     Espera-se que esta inquietude surta efeitos para uma possível mudança no cenário trabalhista brasileiro que independe de outras imposições legislativas. Para tanto, busca-se o fortalecimento argumentativo de todos aqueles que acreditam e lutam por um Direito do Trabalho que seja protetivo na medida exata das necessidades do trabalhador e compatível com a volatilidade e desigualdade do contexto econômico do país. 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Chrysler Building // Foto de: Jeffrey Zeldman // Sem alterações

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