REFLEXÃO - POLÍTICA DE INCLUSÃO A SER ADOTADA NAS EMPRESAS

20/11/2018

 

 

Esse texto é uma reflexão e foi elaborado a seis mãos, com a colaboração de um “amicus curiae”, uma psicóloga, o que foi fundamental, pois sendo ela especialista no tema central desse texto, trouxe dados e informações relevantíssimas para que possamos ter uma sociedade com uma política de inclusão mais justa, assegurando assim os direitos fundamentais dispostos na nossa Constituição Federal.

Não é possível manter a postura defechar os olhos ou simplesmente jogar para debaixo do tapete a questão da diversidade de gênero, em especial a dos transgêneros.

Essa é uma realidade não só no Brasil, mas no mundo todo. Então essa questão tem que ser encarada de frente e debatida em busca de soluções para implementar políticas de inclusão na sociedade como um todo, não só no âmbito do trabalho. Isso porque além de serem cidadãos, sofrem grande preconceito da sociedade e frequentemente de sua própria família. Existem dados apresentados na pesquisa de dezembro de 2016 de Glauber Wendel dos SantosSilva,em sua dissertação de mestrado: “Existências dissidentes e apagamentos: fatores associados à ideação suicida em pessoas transgênero”,  alerta para a necessidade da implementação, em caráter de urgência, de intervenções que objetivem o controle da ideação suicida, enquanto agravo à Saúde Pública, na parcela da população estudada.

Não se trata aqui de política de cotas e sim de assegurar os direitos fundamentais do ser humano.

A colaboradora ou a amicus curiae nesse texto, trabalha como voluntária no Hospital das Clínicas, atendendo não só os transexuais como suas famílias, para que sejam vistos e tratados como ser humano e, por isso detentores de direitos e deveres.

São inúmeros os desafios enfrentados pelos transexuais, em todos os setores de sua vida,  situações muitas vezes nunca pensadas por quem não vive ou convive com alguém realmente próximo com questões relativas a transgeneridade, como adequar seu nome a quem essa pessoa realmente é,  preconceitos vividos em seu trabalho,  uso de banheiro, problemas na área de saúde, cartão de crédito, celular, etc.

Os transexuais são pessoas que não se identificam com o sexo que é atribuído em seu nascimento, isto é, embora tenha nascido com uma genitália masculina, sua identidade é feminina; e caso tenha a genitália feminina, sua identidade masculina. Não estamos discutindo papéis sociais, mas sim a identidade da pessoa, quem ela é. Faça um breve exercício mental e imagine o quão sofrido seria para você ter nascido com o sexo biológico diferente de quem você é, e além disso ser impedido  ser você, ou mesmo ser mal visto, mal tratado, sofrer preconceitos, discriminações e agressões por ser cobrado a ser outra pessoa. Realmente não é nada simples, além do sofrimento gerado pela própria incongruência: sexo biológico e identidade, existem vários empecilhos e dificuldades em seu dia a dia. Situações e experiências que para quem não tem essa vivência são complexas e nem sempre perceptíveis, mas muito sofridas para as pessoas trans. 

Não existe em nosso país uma legislação específica[1] voltada a essas pessoas, no entanto, em função de sua mobilização dentro da sociedade, conseguiram conquistar alguns direitos, dentre esses a mudança de nome de registro. Desde julho de 2018 é possível fazer a mudança de nome e gênero nos cartórios, um grande avanço, pois antes dessa decisão era necessário ter passado pela cirurgia de redesignação sexual e por uma decisão do juiz. Sem dúvida foi uma grande conquista, isso porque em muitas situações cotidianas as pessoas trans passavam por muito constrangimento. Fosse na escola, no banco, em hospitais, em situações de viagem, fosse por ônibus ou avião, porque era chamado por seu nome de registro, o que não condizia de maneira alguma com sua identidade e, portanto, com sua apresentação na sociedade. 

É fundamental que saibamos compreender e aceitar as pessoas da maneira como  são, afinal buscamos esse movimento para nós mesmos. Atualmente muitas empresas recebem as pessoas trans, quando bem preparadas e que possam oferecer um bom trabalho e há toda uma lenta transformação na nossa sociedade.

Em junho desse ano foi realizada uma campanha Livres & Iguais da ONU, sendo que muitas empresas privadas já firmaram apoio expresso e assumiram compromisso básicos que devem ser observados com o intuito de combater o preconceito e a diversidade, tendo como premissa as seguintes orientações:

 

SEMPRE

1. Respeitar os direitos humanos de funcionários, clientes e membros da comunidade LGBTI em suas operações e relações comerciais e desenvolver políticas e mecanismos para monitorar e comunicar o cumprimento das normas de direitos humanos.

 

NO LOCAL DE TRABALHO

2. Acabar com a discriminação contra funcionários LGBTI. As empresas devem garantir que não haja discriminação no recrutamento, na contratação, nas condições de trabalho, nos benefícios, no respeito à privacidade ou no tratamento de situações de assédio.

3. Apoiar. Indivíduos LGBTI são funcionários, gerentes, empresários, clientes e membros da comunidade, entre outros, porém muitos deles ainda enfrentam enormes obstáculos para serem aceitos e incluídos no ambiente de trabalho. Espera-se que as empresas proporcionem um ambiente positivo e afirmativo para que funcionários LGBTI possam trabalhar com dignidade e sem estigma. Este padrão requer que as empresas vão além dos benefícios igualitários e tomem medidas para garantir a inclusão, inclusive abordando as necessidades específicas das pessoas LGBTI no ambiente de trabalho.

 

NO MERCADO

4. Prevenir outras violações de direitos humanos. As empresas devem garantir que fornecedores, distribuidores ou clientes LGBTI não sejam discriminados no acesso aos seus produtos e/ou serviços. Em suas relações comerciais, as empresas também devem garantir que seus parceiros comerciais não pratiquem discriminação. Quando um parceiro comercial discriminar pessoas LGBTI, as empresas devem usar sua influência para buscar impedir o ato discriminatório. Isso significa ir além de evitar a discriminação para abordar questões de violência, bullying, intimidação, maus tratos, incitação à violência e outros abusos contra pessoas LGBTI nos quais uma empresa possa estar envolvida através de seus produtos, serviços ou relações comerciais.

 

NA COMUNIDADE

5. Agir na esfera pública e defender os direitos humanos de pessoas LGBTI nas comunidades onde realizam seus negócios. As empresas são incentivadas a usar sua influência para contribuir com o fim dos abusos contra direitos humanos nos países onde atuam. Ao fazer isso, elas devem consultar de perto as comunidades e organizações locais para identificar que abordagens construtivas elas podem aplicar em contextos em que as estruturas legais e as práticas existentes violam os direitos humanos de pessoas LGBTI. Essas medidas podem incluir incidência no debate público, ações coletivas, diálogo social e apoio financeiro e em espécie para organizações que promovem os direitos de pessoas LGBTI e questionam a validade ou a implementação de ações governamentais abusivas.

 

Assim, o presente texto serve de reflexão, inclusive porque todas as pessoas colaboram para a manutenção da ordem econômica e a ausência de integração de parcela da sociedade, acarreta prejuízos maiores ao próprio Estado, já que uma pessoa não integrada à sociedade tem problemas de saúde (principalmente psicológico e que acaba afetando o físico/saúde), deixa de ser uma consumidora por ausência de trabalho e de qualificação, muitas vezes não tem onde morar causando um problema social, já que fica pelas ruas e acabam se prostituindo, ou seja, a ausência de política de inclusão acarreta inúmeros problemas ao Estado, que podem ser evitados se a essa parcela da sociedade forem assegurados os direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa.

 

 

Notas e Referências

 

 

[1] - Sequer seria necessária uma legislação específica, pois o sistema já garante os direitos e deveres, conforme podemos observar na (a)exposição de motivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seu item nº 27; (b) Portaria Ministerial nº 233/2010, emitida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; (c) Resolução n° 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais da Secretaria de Direitos Humanos, em seu artigo 2º; (d) Resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e promoção de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais da Secretaria de Direito Humanos, n° 11/2014; (e) artigo 5° da Constituição Federal, que dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; (f) Constituição Federal, art. 3º, IV, onde dispõe que: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e no art. 7º, XXX, proíbe-se a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; (g) art. 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; (h) Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que faz a seguinte afirmação em seu artigo 1º, alínea “a”: “para os fins desta Convenção, o termo ’discriminação’ compreende: a) toda distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; (i) Lei nº 9.029/95, que dispõe que: “é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal; (j)  Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 7º); (k) Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, art. 24 ; (l) exposição de motivos da CLT em seu item nº 48: “o que não poderia ser admitido, em uma Consolidação que se propõe a sistematizar os princípios do nosso Direito Social, era a persistência de um singular privilégio para uma categoria de trabalhadores, quando o prestígio das instituições públicas exige exatamente uma igualdade de tratamento para situações sociais idênticas.”, entre outras.

 

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