Redes sociais e reflexos nas relações de trabalho

03/07/2018

Prezado (a) Leitor (a),

Já pensou se o cotidiano fosse estático? Só haveria o existir.

A vida é cíclica e imaginar o contrário parece ser um tanto monótono.

E neste eterno “evoluir” das coisas vem à tecnologia, a qual traz consequências para as mais diversas áreas.

Em breves linhas, é importante destacar que o próprio Direito Laboral é fruto das evoluções tecnológicas. O surgimento das máquinas a vapor foi responsável pelas lutas dos operários.

Com o advento da internet e posteriormente com o surgimento das redes sociais foi instituída uma nova forma de sociabilidade entre os indivíduos

Além de forma de lazer e entretenimento, as redes sociais fundem os ambientes profissionais e pessoais.

Sendo assim, é preciso cautela na hora de utilizar tal ferramenta.

Massa, Anita! Diga aí o que você quer com isto.

Tudo bem, dileto (a) Leitor (a), passados tais esclarecimentos, “mãos à obra”!

# Influência das redes sociais na fase pré – contratual

Normalmente é com a apresentação do “curriculum vitae” (trajetória de vida) que se pode iniciar um contrato de trabalho. Entretanto, algumas informações não constam deste currículo e muitos empregadores buscam outros meios com o fim de conhecer melhor o pretenso empregado.

O professor de etiqueta em redes sociais e de mestrado profissional em jornalismo Ivan Paganotti diz que as empresas monitoram ativamente a participação dos funcionários nas redes sociais devido à preocupação com a reputação e com a segurança da informação, e geralmente elas avisam que estão fazendo isso. Esse procedimento, segundo ele, é para prevenir que situações de crise surjam da exposição deles nas redes sociais, e já avisam que esses comportamentos poderão ser punidos [1] 

Anita, os empregadores podem proceder desta forma?

 

# Direitos da Personalidade e Redes Sociais

A personalidade está relacionada à pessoa humana. Estes direitos começaram a ser exaltados com os movimentos de valorização da pessoa humana. Portanto é gênero de direitos humanos e é reconhecido por diversos diplomas legais, tais como: Pacto Internacional das Nações Unidas, Assembleia Geral da ONU.

Os direitos da personalidade integram o rol de direitos fundamentais de todo cidadão. Sendo assim, são garantias fundamentais dos indivíduos perante o Estado e os particulares.

Ademais, é bom destacar que o artigo 52, CC, estabelece que se aplica à pessoa jurídica, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade. Mas nem todos os direitos da personalidade são cabíveis para as pessoas jurídicas.

A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) tratou sobre tema (artigo 223-A até 223-G, CLT).

Embora as relações de trabalho sejam de conteúdo econômico, é inegável que o conteúdo humano deve ser englobado. Logo, é preciso preservá-los, pois a defesa dos direitos da personalidade é de ordem pública.

Leitor (a), recentemente, na Copa do Mundo de 2018, um vídeo com imagens de torcedores brasileiros, o qual mostrou estes proferindo palavras ofensivas de cunho sexual envolta de uma moça, “viralizou” e chocou o mundo. Será que esse fato pode repercutir na será profissional deles? Ou seja, podem ser dispensados por justa causa em virtude desse ato? Até que ponto o poder empregatício é capaz de limitar a liberdade?

 

Respondo!

# Justa causa e liberdade de expressão

A liberdade de expressão é um direito constitucionalmente consagrado (artigo 5°, IV, CF). Sendo assim, a regra é que os atos da vida privada não repercutem no trabalho, mas, mais uma vez, não se trata de regra geral.

É inegável que, em muitas das vezes, o empregado traz consigo a marca da empresa. Tal fato divide opiniões acerca de como a conduta externa do empregado reflete na imagem da empresa a que se vincula.

Sendo assim, há duas correntes para o tema.

Primeira corrente: As hipóteses de justa causa estão enquadradas no artigo 482, CLT, e a conduta dos torcedores não se encaixam em nenhuma delas. No Direito do Trabalho é vedada a discriminação (artigo 373-A, CLT c/c Lei nº 9.029/95 c/c Lei nº 9.263/96). Em regra, como explanado, o empregador deve respeitar a vida privada do empregado. O poder diretivo do empregador é limitado pelos direitos de personalidade do empregado. É proibido controlar o comportamento do obreiro fora da empresa.

Segunda corrente: Cabe falta grave, por mau procedimento. Algumas pessoas jurídicas – “empresas de tendência”- podem exigir alguns requisitos (“praticar discriminações”), pelo fato de explorarem uma atividade especial. Além de haver uma extrapolação do poder diretivo, em razão dos elementos “confiança” e “boa-fé”, presentes no contrato de trabalho.

O obreiro está em “permanente vigilância”, fato que, em certa medida, tolhe a sua liberdade de pensamento e expressão (mitigação ao princípio da não discriminação), apenas no que estiver relacionado ao pensamento/ideologia da organização.

É de bom alvitre frisar que esta exceção deve estar pautada na proporcionalidade, razoabilidade e respeitar a dignidade humana. Ademais, apenas abarca os empregados que exercem “atividades de tendência”.

 

# Empresas de Tendência

Este é um tema pouco abordado pela doutrina, de modo que este tópico tem a finalidade de explicar brevemente o que são as “empresas de tendência” e seus reflexos no âmbito laboral.

A Constituição Federal permite a existência deste tipo de empresa, pois admite o direito a livre associação (artigo 5°, XVII, CF) e respeita a livre iniciativa – um dos fundamentos da República Federativa do Brasil – disciplinada no artigo 1°, IV, CF.

Estas empresas caracterizam-se em razão da ideologia, determinada e especifica ligada a ela. Exigem que os pensamentos políticos, econômicos, religiosos dos empregados estejam em conformidade com a ideologia da empresa e sejam essenciais ao seu desenvolvimento. Ou seja, as atividades são indissociáveis a um determinado postulado, seja ele político, cultural ou de crença (exigem mais influência de aspectos ideológicos na atividade). As organizações de tendência, exercem “tarefas de tendência” (Tendenztraeger), as quais são explicadas por abranger as finalidades/postulados estabelecidos pela empresa.

Em suma, a ideologia do empregado e a tendência (finalidade da empresa) estão relacionadas. Daí o nome.

O (a) leitor(a) pode estar achando um tanto abstrata a ideia de “empresas de tendência”. Por esta razão, observe os exemplos. São eles: colégios religiosos com relação ao professor de religião, sindicatos, partidos políticos, jornalista.

Para melhor embasamento, segue jurisprudência atinente ao tema:

DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. ABUSO DO DIREITO POTESTATIVO DE DISPENSA PERPETRADO POR ORGANIZAÇÃO DE TENDÊNCIA (COLÉGIO CATÓLICO). VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO, INTELECTUAL E ARTÍSTICA DO EMPREGADO (PROFESSOR DE QUÍMICA). DEVER DE REPARAÇÃO. Embora a reclamada possa dispensar o empregado, no presente caso, houve abuso desse direito, já que o professor, que era de química e não de religião, contava com uma década de trabalho para a reclamada, não tinha registro de má conduta e foi dispensado arbitrariamente após ser retirado desrespeitosamente no meio de uma aula que ministrava, no curso do ano letivo (maio de 2009), sequer tendo a oportunidade de despedir-se de seus alunos. E a razão principal para tanto, foi a publicação e venda de seu livro de piadas na livraria terceirizada do colégio, o qual não era utilizado como material didático em suas aulas de química e nem atentava contra a finalidade principal ou os valores religiosos ínsitos à instituição recorrente. Recurso patronal desprovido. (TRT-1 - RO: 1908006520095010244 RJ, Relator: Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Data de Julgamento: 24/04/2013,  Sétima Turma, Data de Publicação: 05-06-2013) (grifos nossos).

Insta esclarecer, portanto, que as mencionadas empresas podem exercer “atividades neutras”, que são as acessórias, não abrangidas na finalidade da empresa. Como por exemplo, tarefas de limpeza e gestão. Mas estas atividades não são atingidas pelas exceções citadas acima. Seguem a regra do poder diretivo e do princípio da “não discriminação”.

 

# Liberdade de expressão na seara pública

A preocupação em manter uma boa imagem não é exclusividade das empresas privadas. Para o âmbito público o legislador disciplinou o seguinte (Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 - Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal), em seu Capítulo I, Seção I, inc. VI :

A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia a dia em sua vida privada poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional.

Ademais, o CNJ editou Provimento nº 71, de 13 de junho de 2018, o qual dispõe sobre o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário, como também sobre a manifestação nas redes sociais.

Para melhor ilustrar, segue alguns artigos do provimento:

Art. 3º É dever do magistrado ter decoro e manter ilibada conduta pública e particular que assegure a confiança do cidadão, de modo que a manifestação de posicionamento, inclusive em redes sociais, não deve comprometer a imagem do Poder Judiciário nem violar direitos ou garantias fundamentais do cidadão (da CF/88, art. 37, caput, e Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979, art. 35, VIII).

Art. 4º O magistrado deve agir com reserva, cautela e discrição ao publicar seus pontos de vista nos perfis pessoais nas redes sociais, evitando a violação de deveres funcionais e a exposição negativa do Poder Judiciário.

Art. 5º O magistrado deve evitar, nos perfis pessoais nas redes sociais, pronunciamentos oficiais sobre casos em que atuou, sem prejuízo do compartilhamento ou da divulgação, por meio dos referidos perfis, de publicações constantes de sites institucionais ou referentes a notícias já divulgadas oficialmente pelo Poder Judiciário.

Art. 6º O magistrado deve evitar, em redes sociais, publicações que possam ser interpretadas como discriminatórias de raça, gênero, condição física, orientação sexual, religiosa e de outros valores ou direitos protegidos ou que comprometam os ideais defendidos pela CF/88.

Art. 10 As recomendações definidas neste provimento aplicam-se, no que couber, aos servidores e aos estagiários do Poder Judiciário.[2]

Frise-se que os servidores públicos e militares podem ser exonerados após uma sindicância. O processo administrativo varia de acordo com cada órgão e o profissional tem sempre direito a se defender [3]

Especificamente no “Caso Rússia”, apesar da Copa do Mundo ser um momento de distração e lazer, existe um limite entre o que é brincadeira e o desrespeito. Parece que a “liberdade de expressão” foi extrapolada, pois gerou ofensa e humilhação.

Nenhum direito fundamental é absoluto. Também não o é a liberdade de expressão que, segundo o STF, “não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal”.

Após essas ilações, você pode está aí se perguntando: e a utilização das redes sociais pelos empregadores, Anita? Gera repercussões no Direito do Trabalho?

 

#Dispensa Indireta e Redes Sociais

A dispensa indireta ou rescisão indireta está disciplinada no artigo 483, CLT. Dentre elas, destaca-se:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

  1. d)não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
  2. e)praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; 

Essas hipóteses são exemplos de extinção do contrato pelo empregador pela “má utilização” das redes sociais.

 

Conclusão

A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2018) tratou sobre diversos artigos e modificou outros. Inclusive acrescentou uma alínea, a qual insere uma hipótese de justa causa (artigo 482, “m”, CLT).

Destaca-se, porém, que não disciplinou sobre as redes sociais e os reflexos nas relações de trabalho. O assunto abarca diversos direitos fundamentais, dentre eles: direito à intimidade, imagem e liberdade de expressão.

Desta feita, são inúmeros os debates sobre o tema e as correntes construídas. Juízes e tribunais aceitam “prints” de redes sociais como meio de prova. A jurisprudência entende que se a má conduta do obreiro prejudicar a imagem da empresa é cabível a justa causa.

Notas e Referências

[1] https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/empresas-monitoram-comportamento-nas-redes-sociais-para-contratar-ou-demitir-veja-cuidados.ghtml

[2] http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3489

[3] http://www.granadeiro.adv.br/clipping/noticias/2018/06/27/empregados-envolvem-polemicas-nas-redes-sociais-podem-demitidos

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: ECIC XVII Rome - 2 // Foto de:Stéphane Gallay // Sem alterações

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