Recursos Extraordinários repetitivos – Por Fernanda Pagotto Gomes Pitta

19/05/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

O regime de julgamentos repetitivos não é novidade implementada pelo Novo Código de Processo Civil. Na vigência do Código de 1973 já era aplicado, entretanto, apenas como forma de julgamento. Agora, é também precedente vinculante (sem entrar no mérito da discussão) para casos futuros. Entretanto, especialmente após a Lei 12.256/16, será que ainda veremos no dia-a-dia forense a utilização desse mecanismo de julgamento? Isso porque, referida lei, nitidamente tenta filtrar ainda mais a “entrada” de recursos extraordinários para julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

Antes de adentrar o tema, vejamos como ficou a alteração art. 1.030, inciso I, alínea a:

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:                

I – negar seguimento:  

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;

É fácil constatar que ao relator cabe negar seguimento ao recurso extraordinário quando a matéria já foi reconhecidamente desprovida de repercussão geral ou, ainda, quando o acórdão recorrido estiver de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal “exarada em regime de repercussão geral”.

Ocorre que essas situações constantes da norma em comento são diferentes daquele prevista na alínea b:

b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;

Nitidamente na alínea b trata-se de casos em que o recurso extraordinário foi julgado pela técnica dos recursos repetitivos. Por outro lado, na alínea a o legislador – propositadamente – não exigiu que o julgamento fosse por meio de repetitivos.

E é exatamente o que se pretendeu com a Lei nº 13.256, de 2016. Em primeiro lugar, uma matéria já compreendida como carente de repercussão geral jamais será novamente analisada. E, convenhamos, o que hoje pode não ter repercussão geral amanhã pode ser que seja sim matéria de repercussão geral. Em segundo lugar, um acordão que esteja em conformidade com julgamento pelo Supremo (independentemente de se tratar de julgamento de caso repetitivo) terá também seu seguimento negado.

Essa alteração muito me amedronta nesse ponto específico em relação a uma possível concessão de efeito vinculante ao julgamento dos recursos extraordinários. De fato, infelizmente, ao que parece, pela leitura do art. 1.030, inciso I, a, do Código de Processo Civil, o Presidente ou Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal DEVERÁ negar seguimento nessas hipóteses pontuadas.

Ou seja, o julgamento de um único recurso extraordinário – seja reconhecendo a inexistência de repercussão geral, seja julgando a matéria – se tornaria precedente vinculante para os demais recursos extraordinários que versarem sobre a mesma causa.

Uma primeira observação e reflexão é em relação à imposição ao presidente ou vice quanto à aplicação desse “precedente”, justamente porque o art. 1.030 se utiliza da expressão “deverá”, que deixa claro uma obrigatoriedade. Com isso, ao menos nesse momento, estariam sufocados os mecanismos de controle e superação dos precedentes.

Além disso, o Código de Processo Civil, para a vinculação, criou todo um sistema que possibilita ampla discussão da causa e garante o contraditório daqueles que possivelmente serão atingidos pela decisão, enquanto que essa inclusão pela Lei 13.256/16 caminhou na contramão da sistemática adotada pelo código possibilitando que em uma discussão estritamente individual seja aplicada a todos que litigarem sobre o mesmo tema.

E mais, se assim aplicado na prática, quando teríamos recursos repetitivos? Pois para o julgamento pela técnica dos repetitivos a lei exige multiplicidade de recursos (art. 1.036), mas como haveriam multiplicidades de recursos se todos os recursos posteriores teriam seu segmento negado?

Os recursos extraordinários repetitivos perderiam sua razão de ser, visto que “as portas do Supremo” estariam fechadas para os recursos extraordinários que versarem sobre a mesma causa. Ou seja, inexistirá multiplicidade de recursos extraordinários a possibilitar o julgamento pelo regime dos repetitivos.

Na prática, apenas será possível alcançar o Supremo quando, além de preenchidos os requisitos de admissibilidade “tradicionalmente conhecidos”, o tema tratado for inédito, ou seja, o Supremo nunca se manifestou sobre a matéria; ou, se já houver se manifestado, for reconhecida a repercussão geral e o acordão recorrido não estiver em conformidade com entendimento anterior.

De forma que, só haverá possibilidade de multiplicidade de recursos extraordinários quanto todos os recursos extraordinários interpostos forem contrários a entendimento do Supremo Tribunal Federal em julgamento anterior.

Isso, na realidade, corresponde a uma extensão dos efeitos das decisões individuais a todos os demais processos (individuais ou coletivos).

Inclusive Dierle Nunes, Alexandre Bahia e Flávio Quinaud Pedron já se manifestaram sobre a inconstitucionalidade:

Esses novos incisos já nascem com um potencial vício de inconstitucionalidade ao trazerem novos requisitos negativos, não previstos na Constituição de 1988 (arts. 102, III e 105, III) para estes recursos de fundamentação vinculada, que impedem inclusive que uma matéria já apreciada pelos Tribunais Superiores em precedentes volte a estes para viabilizar a superação (overrrule) do entendimento. Apenas a Constituição pode aumentar ou diminuir a competência dos Tribunais.

Tal restrição, como já pontuado, pode promover um engessamento da interpretação jurídica e se mostra completamente contrária à garantia do devido processo constitucional. Trata-se, inclusive, de hipótese na qual o vice-presidente poderá, por inconstitucionalidade material da regra, promover a declaração de sua ilegitimidade constitucional in concreto.[1]

Já Teresa Arruda Alvim, Maria Lucia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, de forma sábia, tentam interpretar o dispositivo em comento da seguinte forma:

Esse artigo só pode dizer respeito à necessidade de adequação (= aplicação automática do entendimento que prevalece no recurso extraordinário) dos acórdãos do órgão a quo àquilo que tenha sido decidido em recurso extraordinário repetitivo – já que as decisões proferidas em recursos avulsos não vinculam e não geram este efeito, consistente na retratabilidade das decisões (acórdãos), que não estiverem de acordo com a tese adotada. Onde o legislador diz “em regime de repercussão geral”, terá querido dizer em regime de recurso extraordinário repetitivo (art. 1.030, II); (...).

Deve-se interpretar, portanta, esta nova lei de redação tormentosa, no sentido de que todas as demais causas de inadmissibilidade, quando detectadas pelo presidente ou pelo Vice-Presidente, geram decisão passível de ser impugnada pelo recurso do 1.042, além daquelas do art. 1.030, V – e as outras, especificamente tratadas pelo legislador, geram decisões impugnáveis pelo agravo interno (arts. 1.030, I, III e 1.035, § 7º).[2]

Essa, para nós, também seria a única forma de interpretação possível. Caso contrário, é sim hipótese de inconstitucionalidade. Não apenas por acabar por criar mais um requisito de admissibilidade (na realidade requisito para inadmissibilidade), mas também por violar o acesso à justiça.

Além disso, esse não é o único problema.

Da forma como na legislação, além da criação de um efeito extraprocessual, como já mencionado, também nos deparamos com a violação ao próprio sistema de “precedentes” criado pelo Código.

Isso porque, para que uma decisão extrapole os efeitos inter partes é necessário – e é justamente o que o Código faz – ampla discussão da matéria, com amplo contraditório, ampla publicidade, possibilitando a participação social. É justamente o que acontece no regime dos repetitivos, incidente de resolução de demandas repetitivas e incidente de assunção de competência.

Ou seja, os mecanismos de resolução de processos de massas viabilizam que todos aqueles que serão atingidos pela decisão possam se manifestar. O que não ocorre no julgamento de um recurso extraordinário individual.

Criaram um monstro processual. E, apesar da doutrina já sinalizar no sentido de inconstitucionalidade ou necessidade de interpretação adequada, há que se observar também que com essa sistemática, está, na realidade, sufocando a possibilidade de julgamento de recurso extraordinário repetitivo. Sem multiplicidade de recursos – pois foram todos ou quase que todos barrados na admissibilidade – não haverá julgamento pela técnica dos repetitivos.


Notas e Referências:

[1] NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio Quinaud. Art. 1.030. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (orgs.) Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1373.

[2] ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, comentários ao art. 1.030 – livro digital.


 

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