Recurso especial: aprovação da relevância da questão federal como requisito de admissibilidade – Por Marco Aurélio Serau Junior e Denis Donoso

18/04/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

A Câmara dos Deputados, em 15.03.2017, aprovou em segundo turno a PEC 209/2012, que busca estabelecer a preliminar de relevância da questão federal como requisito de admissibilidade do recurso especial. O texto agora segue para o Senado Federal.

O mecanismo proposto seria semelhante ao da repercussão geral (filtro de admissibilidade aplicável no âmbito do STF para o recurso extraordinário), realçando a função jurisdicional diferenciada do STJ: uniformização da interpretação das leis federais.

A PEC 209/2012 também é uma tentativa de diminuir a crescente demanda que chega ao STJ, poupando o tempo dos Ministros e priorizando o julgamento de temas mais relevantes, evitando-se a discussão sobre questões jurídicas menores: multas de trânsito, cortes de fornecimento de energia, brigas entre condôminos.

Em primeiro lugar, destaque-se a correta utilização do veículo da Proposta de Emenda à Constituição para alcançar a mudança almejada. A vedação à admissão de recursos especiais que se pretende, a partir da introdução da relevância da questão federal, não pode ser introduzida apenas por simples lei ordinária; exige a alteração do próprio texto constitucional, como se pretende, a fim de não padecer de vício de inconstitucionalidade.

De fato, o art. 105, inciso III, da Constituição Federal, na sua atual redação, permite o processamento e julgamento de recursos especiais desde que presentes as hipóteses previstas nas suas três alíneas, nada dispondo sobre a verificação da relevância da questão federal.

Conforme a proposta aprovada na Câmara dos Deputados, a relevância das questões de direito federal será reconhecida pelo voto de 4/5 dos membros do STJ. Tratando-se de medida tão relevante e, porventura, limitadora do acesso à instância especial, necessário se faz a exigência de quórum diferenciado.

Outra discussão, quiçá a mais importante, diz respeito à conveniência e oportunidade dessa medida de introdução do filtro de relevância da questão federal.

A legislação federal infraconstitucional abrange imensa riqueza de situações: Direito Eleitoral, Comercial e Civil, Direito Previdenciário, Penal e Processual Penal, Direito do Consumidor e Bancário, etc. São discussões jurídicas possivelmente muito mais frequentes do que aquelas relativas às violações às normas constitucionais; certamente mais próximas do cotidiano da população. Sob esse ponto de vista, pode ser inconveniente a adoção da relevância da questão federal como filtro de admissibilidade para o recurso especial, pois o STJ deixaria de se pronunciar sobre muitas questões federais que atingem toda a população.

Além disso, são temas que acabam por apresentar grande divergência na sua interpretação em todo o amplo território nacional. A particular atenção do constituinte a este tema, ao criar a previsão do recurso especial conforme o art. 105, III, c (recurso especial por divergência jurisprudencial), possivelmente restaria maculada. Justamente a missão constitucional do STJ (unificação da interpretação da lei federal) poderia restar desatendida.

Outrossim, cogita-se estabelecer que não caberia recurso especial nas causas com valor inferior ao de 200 (duzentos) salários mínimos, salvo se houver divergência entre a decisão recorrida e súmula do STJ.

Esse critério de alçada, um verdadeiro óbice meramente econômico de restrição do recurso especial, não possui consonância com a cláusula constitucional de acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal).

Há inúmeras matérias dotadas da maior relevância social, como as causas previdenciárias, onde o valor da causa muitas vezes não é expressivo e nem sempre atinge esse patamar. O fortalecimento da segunda instância não pode se dar através da imposição de barreiras meramente econômicas de acesso à justiça.

Quanto à regulamentação infraconstitucional da relevância da questão federal, vislumbra-se o ponto ideal na similitude com os critérios jurídicos, políticos, econômicos e sociais já utilizados na definição da repercussão geral.

Igualmente importante é o estabelecimento dos procedimentos de revisão das matérias dotadas ou não de relevância, assim como a previsão de mecanismos processuais de reclamação do cumprimento da decisão estabelecida pelo STJ e de distinguishing (quando o caso concreto é diverso do precedente da Corte Superior). Esses temas, em grande parte, já se encontram resolvidos no próprio CPC de 2015, nos arts. 1.036 e 1.037, sendo caso de mera adaptação à vindoura inovação constitucional.

Aguarda-se, agora, o desdobramento do processo legislativo, bem como seu texto definitivo, a fim de que se possa prosseguir nesse tão importante debate.


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