RECENTES ALTERAÇÕES NA LEI MARIA DA PENHA: DEMAGOGIA LEGISLATIVA OU EFETIVIDADE NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA?

05/12/2019

A Lei nº 11.340/06, popularmente conhecida por “Lei Maria da Penha”, foi seguramente o diploma legal que mais sofreu alterações no ano de 2019, somando um total, até o momento, de seis diplomas alteradores, o que denota a evidente ânsia do legislador em demonstrar que se preocupa com as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Sim, porque o que se verifica, na realidade, é a demagógica inclusão, por via de diplomas legais alteradores, de diversas regras supostamente protetivas da mulher em situação de violência doméstica e familiar, sem a menor preocupação com a efetividade das medidas legisladas e ignorando completamente que a questão que envolve a vitimização de mulheres no Brasil é muito mais profunda e merecedora de sério e coordenado enfrentamento por parte do legislador e do Poder Público.

Sempre sustentamos e defendemos a completa e integral proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com a rigorosa e exemplar punição do agressor.

Entretanto, o enfrentamento à violência contra a mulher não pode ser feita apenas com medidas legislativas demagógicas, voltadas unicamente a enliçar o eleitorado feminino, coordenadas e sustentadas por aqueles que visam única e exclusivamente a próxima eleição e a perpetuação no poder.

Como é possível tratar com seriedade o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, se o agressor, não raras vezes apenado com pífias penas privativas de liberdade, somente pode ser preso após o distante e demorado trânsito em julgado da sentença penal condenatória? Onde cabe a efetividade da punição?

Assim é que, nos últimos meses, foram aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República as seguintes leis, alteradoras da Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha:

  1. Lei nº 13.827, de 13.05.2019, que autoriza, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.
  2. Lei nº 13.836, de 04.06.2019, que torna obrigatória a informação sobre a condição de pessoa com deficiência da mulher vítima de agressão doméstica ou familiar.
  3. Lei nº 13.871, de 17.09.2019, que dispôs sobre a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizados.
  4. Lei nº 13.880, de 08.10.2019, que prevê a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica, na forma em que especifica.
  5. Lei nº 13.882, de 08.10.2019, que garante a matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio.
  6. Lei nº 13.894, de 29.10.2019, que prevê a competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento ou dissolução de união estável nos casos de violência e para tornar obrigatória a informação às vítimas acerca da possibilidade de os serviços de assistência judiciária ajuizarem as ações mencionadas. Além disso, a referida lei altera o Código de Processo Civil, para prever a competência do foro do domicílio da vítima de violência doméstica e familiar para a ação de divórcio, separação judicial, anulação de casamento e reconhecimento da união estável a ser dissolvida, para determinar a intervenção obrigatória do Ministério Público nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, e para estabelecer a prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar.

Percebe-se, pois, facilmente, que nenhuma das medidas indicadas nos mencionados dispositivos legais, por si só, será capaz de pôr cobro à lamentável e verdadeira epidemia de casos de violência doméstica no País.

Os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, incluindo as hipóteses de feminicídio, aumentam assustadoramente ano a ano, fazendo com que cada vez mais mulheres sejam vítimas de atrocidades por motivos banais ou por razões de condição de sexo feminino.

De nada adianta uma legislação determinando a apreensão de arma de fogo sob a posse do agressor, se mais de 60% dos feminicídios são praticados com armas brancas. De nada adianta registrar a medida protetiva em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, se não há efetividade no cumprimento dessas medidas, que são descaradamente desrespeitadas pelo agressor, em regra, sem qualquer providência por parte das autoridades. De nada adianta matricular os dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, se, na maioria das vezes, a mulher violentada nem casa tem para morar com seus filhos, igualmente vítimas de violência. De nada adianta estabelecer prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, se, após a separação do agressor, a mulher não encontra respaldo do Poder Público para colocação ou recolocação no mercado de trabalho, alcançando condições de sobrevivência com dignidade.

Enfim, o Brasil ainda tem muito a caminhar para um sério e eficaz enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, que garanta severa e eficiente punição ao agressor e proteção integral e efetiva às inúmeras vítimas, conferindo-lhes um patamar mínimo e aceitável de dignidade humana.

 

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