(Re) construção do instituto da detração penal como instrumento da política penal de redução de danos – Por Arthur Corrêa da Silva Neto

09/12/2015

Por Arthur Corrêa da Silva Neto - 09/12/2015

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – Junho de 2014, realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN [1], órgão vinculado ao Ministério da Justiça, nos traz quadro da evolução das pessoas privadas de liberdade no Brasil indicando possuir nosso país, no ano de 1990, quando se iniciou a contagem, a população carcerária de 90.000 (noventa mil) presos, porém alcançando no ano de 2014, quando se realizou o último registro, o quantitativo de 607.731 (seiscentos e sete mil, setecentos e trinta e um) custodiados.

Não obstante, tomando o ano de 1990, como referência é perceptível o recrudescimento da legislação penal brasileira, apenas com espasmos de brandura.

Exemplificam o que aqui se está mencionando a Lei 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.930/94, Lei 9.677/98, Lei 11.464/2007, Lei 12.015/2009, Lei 12.978/2014, tais leis alteraram a lei dos crimes hediondos acrescentando novos tipos penais ou agravaram o respectivo cumprimento de pena, além da Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas e outras que poderiam ser destacadas que alteram ao Código Penal e mesmo disposições de leis penais esparsa.

Aludida ordem de ideias de logo tem o condão de demonstrar que não é a inflação legislativa penal que será a fórmula mágica para solução do problema da criminalidade.

Logo, o engodo estatal de solução dos elevados índices de ocorrências de crimes, pela via consequencial, por meio do direito penal, deixando ao largo a perspectiva causal não resiste à análise fática dos fatos da vida.

Piorando a situação, o Poder Judiciário assumiu para si a vertente legislativa da ampliação do poder punitivo no âmbito da interpretação jurisdicional, chegando em dias de hoje a se alcançar níveis de prisão processual elevadíssimos,conforme assinalado no levantamento realizado pelo DEPEN, vejamos:

No Brasil, cerca de 41% das pessoas privadas de liberdade são presos sem condenação. Significa dizer que quatro a cada dez presos estão encarcerados sem terem sido julgados e condenados. A figura 10 mostra que, entre as Unidades da Federação, a variância dessa taxa é ampla: enquanto apenas 16% das pessoas privadas de liberdade em Roraima são presos provisórios, em Sergipe 7 em cada 10 presos encontram-se nessa situação. Além deste estado, outras sete Unidades da Federação têm uma quantidade maior de presos provisórios do que condenados: Maranhão, Bahia, Piauí, Pernambuco, Amazonas, Minas Gerais e Mato Grosso [2].

Extrai-se desse quadro, a adoção pelo Estado brasileiro nas últimas duas décadas de uma verdadeira política de encarceramento.

É cediço que a superlotação carcerária gerada pelo super-encarceramento se constitui em problema transversal a realização de qualquer política de educação, saúde, trabalho, entre outras no ambiente carcerário.

Como consequência dessa política a própria Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI Carcerária de 2009 da Câmara dos Deputados sinalizou que as péssimas condições carcerárias e essa solução de só apresentar deveres ao preso em detrimento de seus direitos são solo fértil e fomentadores de organizações criminosas já presentes nos Presídios [3].

Nesse cenário, ao que parece começam a surgir espasmos, possíveis movimentos de distenção e a Lei 12.736/2012, vem ao encontro dessa perspectiva.

É certo que mesmo a mencionada lei possuindo a mens legis descarcerizadora, percebe-se haver na doutrina entendimentos com o fito de negar a finalidade do referido diploma legislativo.

Selecionou-se aqui, os piores entendimentos que se pode extrair da Lei 12.736/2012, sendo eles: a) entender a inovação legislativa como progressão de regime e querendo, por conseguinte, analisar os requisitos que são inerentes ao instituto; b) entender que a lei nova revogou a competência do Juiz da Execução Penal; e c) entender o juiz do processo de conhecimento por aplicar a detração sem avançar o sentenciado de regime e ato continuo o juiz da execução penal no âmbito do processo execucional conferir caráter constitutivo a este capítulo da sentença.

Neste diapasão, entendo que a melhor teleologia da lei é aquela que assimila ter intencionado o legislador viabilizar um incremento no instituto da detração penal, para criar a detração penal para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.

Portanto, qualquer análise que queira compreender a inovação legislativa como progressão de regime deve ser rechaçada.

Deflui-se também do novel diploma o estabelecimento de competência concorrente para aplicação da detração penal, entre o Juiz do processo penal de conhecimento e o Juiz do processo de execução penal, pois o primeiro só aplicará a detração se for para avançar de regime no momento da sentença o condenado, porém se tal não for possível, no capítulo da sentença destinado a apreciação do instituto mencionará que declina da aplicação deixando ao juízo da execução penal referida apreciação.

Diz-se isto, pois tudo que é posto no texto da sentença deve ter aplicação pratica, nessa medida, se o Juiz sentenciante aplicasse a detração sem avançar de regime o condenado, a lei que veio com o intuito de diminuir o tempo de prisão da pessoa no cárcere serviria ao sentido inverso.

Explicasse, aludindo primeiramente a hipótese de aplicação devida: imaginemos que “A” foi sentenciado a 9 (nove) anos de prisão, tendo ficado preso processualmente 1 (um) ano, nesse caso antes da inovação legislativa o Juiz do processo penal de conhecimento sentenciaria “A” em regime fechado, passando o processo a fase de execução penal, sendo que neste momento se faria o cálculo considerando o crime como comum no percentual de 1/6, logo o preso teria que cumprir 1 (um) ano e 6 (seis) meses de pena, contudo sendo aplicado o novel diploma o Juiz de conhecimento aplica a detração referente a 1 (um) ano de prisão processual, descendo a pena para 8 (oito) anos, que consoante o art. 33, § 2°, “b”, do CP, enseja o regime semiaberto, neste caso o Juiz sentenciante avança o recluso de regime.

Nesta hipótese, a sentença será o marco (data-base) para a progressão de regime do semiaberto para o aberto, momento em que se aplicando o instituto da progressão o cálculo será de incidência do percentual de 1/6 sobre 8 (oito) anos.

Desse modo, se observa o alcance da vontade do legislador, haja vista que o aludido preso abrirá vaga a outro, 6 (seis) meses antes do que a legislação pretérita faria.

Todavia, já na hipótese da aplicação indevida, ocorreria o seguinte: “B” sentenciado a pena de 6 (seis) anos de reclusão em regime semiaberto, tendo ficado preso processualmente 1 (um) ano, o Juiz sentenciante inadvertidamente aplica a detração, nesse caso se se considerar caráter constitutivo a este capítulo da sentença, quando o processo for convertido em processo de execução penal o juízo da execução deveria aplicar o percentual de 1/6 sobre a pena de 5 (cinco) anos detraída tomando como marco (data-base) a sentença, assim o preso teria que cumprir além de 1 (um) ano de prisão processual mais 10 (dez) meses, que é o resultado do cálculo de 1/6 incidindo sobre 5 (cinco) anos, logo este preso cumpriria 1 (um) ano e 10 (dez) meses, enquanto que se o Juiz sentenciante cumprisse o mandamento legal deixando para o Juiz da execução realizar a detração haveria a incidência do percentual de 1/6 sobre 6 (seis) anos resultando na necessidade de cumprimento de 1 (um) ano, portanto, o preso seria sentenciado e chegando a execução penal já faria jus a progressão de regime do semiaberto para o aberto.

Como se vê, nas hipóteses de aplicação indevida da Lei 12.736/2012, a única forma de salvar a situação para que o preso não sofra prejuízo é o Juiz da execução penal conferir ao capítulo da sentença alusivo a detração apenas caráter declaratório.

O entendimento aqui exposto decorre da consideração de que o artigo 1°, da Lei 12.736/2012, se constitui em um artigo interpretativo da lei, o qual, porém não foi engendrado no Código de Processo Penal – CPP. Referido dispositivo impõe que “A detração deverá ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória, nos termos desta Lei” e os termos da lei presentes no art. 2°, desta, que foi inserido no § 2o, do art. 387, do CPP é no seguinte sentido “O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.

Assim, repiso, o legislador apenas quer que a detração seja aplicada pelo Juiz que profira a sentença se for para determinar o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade.

Outra questão de relevo, ainda no âmbito da detração penal, é o debate da (im) possibilidade do computo do tempo que o condenado passou sob a restrição de medidas cautelares pessoais diversas da prisão.

Sobre esse tema as reflexões circundam acerca dos efeitos trazidos pela Lei 12.403/2011, que inovou também no ordenamento jurídico alterando o título IX, do CPP, que antes trazia regras da prisão e da liberdade provisória, para acrescentar regras acerca das medidas cautelares.

Nessa medida, o capitulo V do referido título do CPP, traz “das outras medidas cautelares”, apontando no art. 319, as seguintes hipóteses de medidas cautelares pessoais diversas da prisão:

“I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

IX - monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Estipula o art. 282, do CPP, que tais medidas terão como requisito a necessidade e a adequação, logo, se percebe estarem no caminho entre a prisão e a liberdade sem nenhuma constrição.

Dessa forma, pela lógica do sistema passa a ser defensável a aplicação de abatimento tempo no cumprimento da pena se o acusado vier a ser condenado.

Claramente aqueles que respondem o processo solto, mas com constrição estão em uma posição intermediária, pois não estão presos e tão pouco estão soltos sem nenhuma restrição, portanto, como não considerar essa condição peculiar?

Com efeito, chama-se para solucionar a questão os postulados específicos da igualdade e da proporcionalidade [4].

Por outro lado, assumir tal assertiva, vai ao encontro da política de redução de danos, tendo em vista que permitirá que aquele denunciado que mesmo não estando preso e que também não estava no gozo de liberdade plena possa, se vir a ser condenado ter lhe diminuído o tempo de prisão.

No mesmo sentido da necessária absorção pelo Estado brasileiro da política de redução de danos vale destacar a visão de Rodrigo Duque Estrada Roig [5] e André Ribeiro Giamberardino [6], cada um na sua perspectiva de consideração acerca do tema.

Nesse contexto, pela aplicação dos postulados específicos da igualdade e da proporcionalidade se deve dirigir a resolução da questão para um modelo que permita posicionar o instituto da detração penal no âmbito dessa peculiaridade.

Por isso, no sentido de se encontrar uma solução justa e ética o caminho é posicionar o parâmetro entre a assunção da detração pela medida 1 (um) dia de prisão processual para 1 (dia) de cumprimento de pena e 0 (zero) dia de prisão processual e nenhuma constrição pela aplicação de medida cautelar diversa da prisão para 0 (zero) dia de cumprimento da pena.

Outrossim, no intento de fixar um parâmetro a luz de balizas teóricas seguras é que se assimila para solução, as bases da nova hermenêutica constitucional bem alinhavada por Luís Roberto Barroso [7] e importando para esta resolução a categoria da argumentação jurídica, na medida em que como não há regra legal específica o interprete a fim de assegurar legitimidade e a racionalidade para sua interpretação deve se vincular a uma deliberação majoritária anterior, que no caso será do legislador ordinário, adotando o critério já fixado previsto no art. 126, § 1°, II, da Lei de Execução Penal – LEP, que estabelece para o alcance da remição, a proporção de 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho (constrição pessoal).

Se toma esse parâmetro, pois o trabalho como as medidas cautelares diversas da prisão são constrições pessoais, o trabalho se coloca como uma restrição para o alcance da extinção de 1 (um) dia de pena, por meio da remição.

Por isso, nesse caso se trouxe o enunciado normativo estabelecido no art. 126, § 1°, II, da LEP, a fim de se apresentar um balizamento já avalizado pelo legislador em situação que mutatis mutandis se assemelham, como ora se demonstrou.

Nessa senda, o Poder Judiciário incorporar as interpretações aqui expostas acerca da expansão do conceito de detração como instrumento de redução de danos é medida que se entende salutar para o sistema prisional pátrio.

Ademais, assim como se disse ter o legislador assimilado um movimento de distenção com a Lei 12.736/2012, no âmbito desse processo ampliação da severidade das leis penais, o Poder Judiciário pode se dizer também inicia um encaminhamento na mesma linha quando observamos recentes julgados e a pauta da Suprema Corte do país acerca do sistema prisional.

São exemplos do que se está expondo, o julgamento do RE 592.581, relatoria do Ministro Ricardo Lewandowsky, no qual se reconheceu a tese de que “É licito ao Judiciário impor à administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5°, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível, nem o princípio da separação de poderes”, bem como também recentemente na ADPF 347, da relatoria do Ministro Marco Aurélio em que se fixou a tese do “estado de coisas inconstitucionais” do sistema prisional brasileiro a permitir o descontigenciamento do fundo penitenciário nacional.

Destarte, a compreensão da aplicação da detração penal pelo Juiz do processo penal de conhecimento apenas para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade, bem assim seja feito uso da detração quando se tenha imposto medida cautelar pessoal diversa da prisão na proporção estabelecida no art. 126, § 1°, II, da LEP, são mecanismos juridicamente em harmonia com o ordenamento nacional e politicamente consentâneos com a perspectiva da necessária consideração relativa à redução de danos e observação do princípio da menor onerosidade da pena [8].


Notas e Referências:

[1] Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – Junho de 2014<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/11/080f04f01d5b0efebfbcf06d050dca34.pdf> acessado em 28.11.2015, pág. 15.

[2] Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – Junho de 2014<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/11/080f04f01d5b0efebfbcf06d050dca34.pdf> acessado em 28.11.2015, pág. 21.

[3] CPI sistema carcerário – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009 (Série ação parlamentar; 384), p. 60-61.

[4] Ávila, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípio jurídicos, 12ª ed. ampl. – São Paulo: Malheiros, 2011, p. 162-163 e 173, respectivamente.

[5] Roig, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 25-26.

[6] Giamberardino, André Ribeiro. Crítica da Pena e Justiça Restaurativa: A Censura para Além da Punição,1ª ed. – Florianópolis:Empório do Direito Editora, 2015, p. 232.

[7] BARROSO, Luis Roberto. In: NOVELINO, Marcelo. (Org). Leituras Complementares de Direito Constitucional: Teoria da Constituição. “Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional”. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 145-146.

[8] Silva Neto, Arthur Corrêa da; Arruda da Silva, José Adaumir. Execução Penal: Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1 ed. 2 tiragem rev. Manaus: Aufiero, 2012, p. 116.


Imagem Ilustrativa do Post: Follow The Leader! // Foto de: Vinoth Chandar // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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