Quem tem medo da Defensoria Pública? Sobre UBER, consumidores sem opção e trabalhadores sem o livre exercício da profissão

12/12/2015

Por Maurilio Casas Maia - 12/12/2015

Como diz o ditado popular, na briga do rochedo com o mar, quem sofre é o marisco, mas ninguém o vê. Ele é pequeno demais. Pelos mais fracos poucos se interessam. Principalmente aqueles de percepção enviesada da realidade.”

Fabio Schwartz*

Se você tem uma guerra, talvez melhor seja não lutá-la e deixar que os eventuais inimigos de seus inimigos o façam por você. Menos despender de esforços e você sequer sujará as mãos para atingir sua finalidade. Essa foi basicamente parte da lição exposta pela personagem central do filme “Aliança do Crime” (nome original: “Black Mass”), baseado em fatos reais. No referido trabalho cinematográfico, um mafioso irlandês conseguiu se utilizar do FBI para destruir seus inimigos e tomar o lugar destes no comando do crime com pouquíssimo esforço.

Óbvio não se tratar aqui de qualquer “aliança para o crime”, mas sim de como “criar” factoides, manipular os fatos e influenciar falaciosamente a postura da população, dos julgadores e de outros atores sociais para chegar à finalidade almejada. Aos fatos.

Recentemente, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DP-RS) propôs ação civil pública (vide mais aqui) a fim de permitir que consumidores tenham o direito de opção (entre serviços de táxi ou da Uber) e que trabalhadores – marcadamente os hipossuficientes nas relações laborais –, tenham o direito de acesso e livre exercício ao trabalho.

Porém, os interessados em fazer prevalecer teses nada democráticas – falando aqui de processo coletivo –, iniciaram mais um procedimento de “bullying institucional” em relação à Defensoria Pública. Veiculou-se em redes sociais e páginas da internet que a “Defensoria Pública estaria defendendo a Uber”.

Nada mais absurdo, não?

Afinal, ninguém desqualificaria – sob o argumento de que a ideia da ação seria beneficiar os respectivos fabricantes –, a legitimidade coletiva da Defensoria Pública ou do Ministério Público quando buscam, por exemplo, determinada medicação para garantia do direito à vida e à saúde da coletividade – como bem pontuou Tiago Fensterseifer (DPE-SP).

Em verdade, os críticos ignoraram propositadamente a massa de consumidores (p. único do art. 2º e art. 29, CDC) e a massa de trabalhadores em risco social a fim de tentar “ridicularizar” a atuação do Estado Defensor. Mas é exatamente aqui, neste ponto, que surge a estratégia à semelhança do filme mencionado no limiar do presente texto.

Ao tentar criar um clima de ridicularização do atuar coletivo defensorial – além de “sem querer” atingir toda gama de desvalidos sociais, entre consumidores e trabalhadores –, os interessados (antidemocraticamente) em enfraquecer ou fulminar a legitimidade coletiva da Defensoria Pública iniciaram uma estratégia semelhante à do mafioso Whitey Bulger (Johnny Depp): deixar que terceiros fulminem seus respectivos “inimigos”.  A suposta defesa defensorial da empresa UBER foi o “bode expiatório” da ocasião, a isca lançada para deturpar os fatos e o direito coletivo postulado – ou seja, esperava-se que o Judiciário mordesse a tal isca. Nesse cenário, porém, os mais vulneráveis são os consumidores e trabalhadores – sendo estes os mais prejudicados pela deturpação do verdadeiro intento da ação aforada. A isca lançada tinha destino certo...

Há um parecer na ADI n. 3943 (STF) – em Embargos de Declaração na ADI tratando sobre a legitimidade coletiva da Defensoria Pública –, e uma das estratégias adotadas ali foi da exposição “sensacionalista” e “superficial” de casos não conectados ao conceito meramente econômico de “coletividade necessitada”, isso a fim de provocar uma antidemocrática limitação prévia e abstrata da legitimidade coletiva da Defensoria Pública sem qualquer base constitucional – medida essa já criticada anteriormente e que não está de acordo com o entendimento atual do STF ou do STJ, harmônicos com a amplitude do acesso à 2ª onda renovatória da Justiça (Processo Coletivo).

Enquanto se permanece com o jogo de vaidades institucionais e mascara-se o real enfoque dos litígios encabeçados pela Defensoria Pública – de tutela dos necessitados vulneráveis e minorias, geralmente –, as coletividades consumidoras e de trabalhadores permanecem com seu interesse refém da Administração Pública e da empresa envolvida. É esperar que a “isca” lançada não seja mordida ao final pelo Poder Judiciário sem qualquer senso crítico, é de se esperar que nenhuma aliança antidemocrática alcance seu desiderato.

A conclusão é uma só: Quem pensa que a Defensoria Pública é ilegítima para a tutela do “direito de escolha dos consumidores” e do “direito de acesso ao trabalho dos trabalhadores”, inequivocamente, deixou que sua “ave de minerva” voasse prematuramente.

Enfim, é bom relembrá-los: A ave de minerva tem hora certa para voar. Antes disso, a prematuridade lhe impede qualquer traço de sabedoria ou inteligência, conforme a sempre atual lição Hegeliana.


 

*Para saber mais sobre o tema, vide o excelente texto “Quando a dignidade da pessoa humana é (uber)suficiente”, de  Fabio Schwartz.


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com


Imagem Ilustrativa do Post: Tunnel Vision // Foto de: Eric Kilby // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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