Quem não é comunista?

15/11/2022

O geral das pessoas que conheço não sabe o que é comunismo, logo, não sabe o que é ser comunista. Aliás, conheço quem se declare comunista sem que tenha muita noção do que seja comunismo. 

Comunismo é um modo de produção preocupado com a satisfação das necessidades materiais de toda a população. Sua organização socioeconômica funda-se na propriedade coletiva dos meios produtivos.

A rigor, não importa à concepção comunista de sociedade a propriedade privada em geral, como a moradia ou o veículo, mas, a propriedade privada dos meios de produção, como as fábricas, por exemplo.

Em termos técnicos, meios de produção são os meios e os objetos de trabalho, ou, tudo o que medeia a relação entre o trabalho e a natureza no processo de transformação dos recursos naturais.

De forma menos técnica: o sistema produtivo seria coletivizado (tudo seria de todos), e com a coletividade cada um contribuiria de acordo com sua capacidade, dela retirando conforme sua necessidade.

Não seria o paraíso? Você trabalharia para você, e não mais para alguém que lhe paga alguma coisa, porém fica com a maior parte dos lucros (ou a mais valia) do que você produziu por todo o mês.

Por que há tanto medo do comunismo? Por dois motivos, pelo menos: porque onde houve comunismo houve extrema violência; os que lucram com o sistema capitalista produzem eficaz contrapropaganda.

Quanto aos fatos históricos, são incontestes: os comunismos reais, para se instalarem e se manterem, assassinaram tanto quanto quiseram, igualando-se em matança ao fascismo, ao nazismo, ao cristianismo.

No tocante à contrapropaganda (a dimensão ideológica do assunto), causa espécie as tolices que são ditas e o tanto de ingênuos que as seguem: comunismo é a marca do mal; comunista é o adversário.

Assim, ícones do capitalismo, como a Globo ou a Veja, no Brasil, ou o The Economist, o Facebook ou o WhatsApp, no mundo, se discordam do modo direitista de pensar, são acoimados de comunistas.

Na acoima se embutem afirmações de conspiração contra a família, a cristandade, a pátria: valores conservadores da Tradição Ocidental. O rebuliço conservador põe-se “pronto e operante” para reagir.

O “divertido” é que parte da esquerda comete devaneios ideológicos não tão danosos, mas igualmente equivocados: inventa um Jesus comunista; supõe que pautas tipicamente liberais sejam comunismo.

Ora, ainda que o católico Joaquim de Fiore (século VIII) tenha proposto o fim das “lutas para o meu e para o teu”, as igrejas cristãs, no correr na História, estiveram muito achegadas aos donos do poder.

Sobre conquistas sociais importantes, como as listadas na Carta Cidadã da Revolução Francesa, ou na Carta das Nações Unidas, ou no Artigo 5º da Constituição do Brasil, tudo isso é puro e bom liberalismo.

Também é liberalismo a agenda do libertário Maio de 68, o antirracismo, o feminismo, as afirmações identitárias, as conquistas de minorias, a liberdade sexual, os Direitos Humanos, a república, a democracia.

Que é importante, então? Importa todo o avanço social que conquiste liberdade e garanta igualdade. Para isso, há que se pensar relações sociais em que o dinheiro não seja a medida de todas as coisas.

A Revolução Liberal foi apropriada por capitalistas cobiçosos: o nascer livre e igual não se consolidou; a Revolução Comunista, onde houve, tornou-se opressão burocrática. Formulações, é visto, não bastam.

Houvesse o liberalismo cumprido a si mesmo, as pessoas concorreriam entre si com as mesmas condições de partida; houvesse o comunismo seguido seus preceitos, teríamos igualdade de chegada.

Jamais as pessoas disputaram a vida em condições de igualdade (liberalismo); jamais a humanidade chegou igual a algum lugar (comunismo). Não dá para negar a História e ficar com a teoria.

Não creio que se deva desistir das franquias liberais, contudo, as “forças materiais de produção” e as “relações de produção” (temas comunistas) produzem a vida concreta, embora se mascare o fato.

O problema é dialogar em um país dividido entre duas correntes conceitualmente equivocadas que se insultam reciprocamente de comunista e fascista, buscando a depreciação moral do “inimigo”.

O conflito é político, então, o argumento deveria ser político. A redução do discurso, que deveria ser persuasivo, a slogans que meramente etiquetam o adversário não conduz à cidadania, mas a “torcidas”.                  

Todavia, temos os termos de início: embora escassa a possibilidade de sua prática, ninguém renuncia à ideia de liberdade (liberal). Mesmo sendo “coisa de comunista” a igualdade segue como valor.

Por apreço à liberdade – se com condições materiais de realização por todos – sou liberal. Condições materiais iguais, porém, são coisa de comunista. Nesse tanto, pois, comunista sou. E quem não é?

 

Imagem Ilustrativa do Post: Entrega de moradias - Bebedouro // Foto de: Governo do Estado de Sã // Sem alterações

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