Que caminhos conduz a ponte para o futuro na proteção aos direitos trabalhistas?

16/05/2016

Por Guilherme Wünsch – 16/05/2016

Depois de decidido o afastamento da Presidente Dilma Rousseff nesta última semana, enquanto tramitará o processo de impeachment, assumiu, interinamente, um governo que se constituiu em um documento denominado de Ponte para o Futuro. Segundo esta proposição, na área trabalhista, deve-se permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos. Até aqui, nenhuma novidade, pois, em consonância com o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, se a convenção coletiva assegurar algum direito com vantagem ao já estabelecido na norma, poderá prevalecer. Ademais, é evidente que quanto aos direitos básicos, esfera indisponível dos trabalhadores, não se pode contrariar o que esteja estabelecido pela legislação. A dúvida que este documento gera é justamente se esta prevalência das negociações coletivas não abrirá uma porteira para a flexibilização de direitos, ao argumento de que será necessário flexibilizar para recuo das taxas de desemprego que afetam o Brasil.

Segundo o documento, "ajustes de emergência implicam sempre em perdas e sofrimentos, repartindo injustamente seus custos e benefícios, sem resolver o problema. É o mesmo destino do Sísifo mitológico, condenado a arrastar um rochedo para o cimo da montanha, apenas para vê-lo rolar abaixo outra vez, para reiniciar indefinidamente o mesmo padecimento." Tais perdas e sofrimentos deverão ser suportadas pelos trabalhadores, em nome do reajuste fiscal? Até que ponto a tentativa de reversão do desemprego implicará a revisão de institutos trabalhistas consagrados? Aqui, sempre oportuno lembrar-se de Alice Monteiro de Barros, quando aponta que o pressuposto sociológico do Direito do Trabalho, qual seja, a questão social obreira; o pressuposto antropológico do Direito do Trabalho, ou seja, condição de proletário e o capitalismo em crise como um pressuposto político-econômico, justificam o surgimento do Direito do Trabalho como uma resposta ao momento histórico de crise, mormente pelos problemas sociais acarretados pelos dogmas do capitalismo liberal.[1]

Todas essas mudanças geraram a discussão sobre a flexibilização do emprego, sob fundamento de que as normas imperativas era o fato gerador da crise das empresas, retirando a possibilidade de adaptação a um mercado turbulento. Sabe-se que a flexibilização é uma reivindicação empresarial que se casa com a necessidade de menores custos sociais para que haja maior dirigibilidade do trabalho. Consequência desta reivindicação é justamente uma flexibilização normativa, mas que não deve violar as garantias mínimas asseguradas ao empregado. O que a ponte para o futuro não deixa claro é se há uma pretensão à flexibilização normativa para que se procure uma alternativa ao aumento de desemprego sem deixar de lado a proteção já concedida aos trabalhadores ou se pretende uma desregulamentação normativa, em que vantagens trabalhistas poderiam ser derrogadas por benefícios inferiores, substituindo-se as garantias legais pelas convencionais, com a primazia da negociação coletiva. Neste sentido, estaria autorizada a redução salarial, já que se trata de hipótese prevista pela própria Constituição ou até mesmo da majoração da jornada em casos de turnos ininterruptos de revezamento.

Oportunas, novamente, as palavras de Alice Monteiro de Barros ao explicar que a flexibilização traduz uma forma de adaptação das normas trabalhistas às modificações verificadas no mercado de trabalho, mas isso não significa uma autorização para a não observância dos direitos mínimos estabelecidos pela Constituição, especialmente porque os direitos trabalhistas são parte do núcleo fundamental da Carta. Assim, precisa-se questionar se licenças, descansos, férias, entre outros aspectos, poderão ser flexibilizados em tempos de crise, afinal, as empresas necessitarão de mão-de-obra para aumentar os níveis de produção, desenhando uma tentativa de recuperação econômica.[2]

Entretanto, o Direito do Trabalho se desvela contra os abusos do empregador, num ideal solidarista, em que a figura do trabalhador assume relevo e deve ser protegida. Portanto, a ponte para o futuro ainda conduz, em matéria trabalhista, a um caminho nebuloso, porque não deixa clara a ideia se a prevalência das convenções coletivas será uma forma de flexibilizar ou de desregulamentar o Direito do Trabalho, o que deve ser visto com extrema cautela neste momento histórico que o Brasil vivencia.


Notas e Referências:

[1] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10.ed. atualizada por Jessé Cláudio Franco de Alencar. São Paulo: LTr, 2016. p.63.

[2] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10.ed. atualizada por Jessé Cláudio Franco de Alencar. São Paulo: LTr, 2016. p.65.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10.ed. atualizada por Jessé Cláudio Franco de Alencar. São Paulo: LTr, 2016.


Guilherme WunschGuilherme Wünsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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