Conta-se que certo jovem brasileiro fez uma grande viagem pela Europa onde visitou vários pontos turísticos, dentre eles, um famoso museu.
Ao contemplar de perto algumas das mais prestigiadas obras de arte do mundo, teria dito em voz alta: "Não acho grande coisa esses quadros". Ouvindo isto, o guarda do museu aproximou-se dele e disse: "Você vai me desculpar, amigo; mas os quadros não estão numa sessão de júri".
O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer nos traz uma preciosa lição acerca do respeito que o intérprete deve mostrar em relação ao texto. Ele o diz advertindo que "[...] uma consciência formada hermeneuticamente deve ser de antemão receptiva à alteridade do texto" (GADAMER, 2002, p. 76).
Às vezes, ocorre do intérprete se aproximar do texto levando consigo seus "pré- conceitos" (vor-urteile) e ao enfrentá-lo ser contrariado com o que o texto lhe diz. O choque entre suas expectativas e o texto em si força o hermeneuta a se dar conta de que a longa cadeia de pressuposições a que o texto deveria apenas se conformar, deve ser corrigida pelo texto que simplesmente não se conforma a ela: “Quem procura compreender está sujeito a errar por causa das opiniões prévias, que não se confirmam nas coisas elas mesmas”. (GADAMER, 2002, p. 75).
Diante dessa situação, não são poucos os que se sentem humilhados e decepcionados diante de textos que lhes reprovam o modo de pensar e compreender e, portanto, aquele sentimento de inferioridade e revolta logo dá lugar a um certo desprezo ao texto que rapidamente perde a primazia no processo interpretativo do hermeneuta cujo resultado ele julga ser maior e mais importante que o objeto de seu trabalho.
No entanto, compreender um texto, ensina Gadamer, não é o mesmo que prendê-lo a ponto de que este fique amordaçado, silenciado. É preciso deixar que o texto lhe diga alguma coisa: "[...] o texto não é pretexto para que só o intérprete fale"! (REALE; ANTISERI, 2005, p.253).
Aquele jovem não percebeu que não poderia julgar aquelas obras, pois era o público que visitava o museu que estava sendo julgado por elas. É o que ocorre também quando estamos diante de grandes obras literárias, de textos sagrados como a Bíblia ou mesmo de textos normativos como a Constituição.
Nós é que nos julgamos pelo juízo que delas fazemos!
Notas e Referências
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complementos e índice. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
REALE, Gianni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: de Nietzsche a Escola de Frankfurt. Vol. 6. São Paulo: Paulus, 2005.
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