Quando não é permitida a contratação temporária por excepcional interesse público?

06/08/2022

O abuso na utilização do recurso da contratação de agentes públicos sem concurso público, sob a falsa alegação da necessidade temporária de excepcional interesse público, e a prorrogação dos contratos por longos anos são condutas renitentes do norte ao sul do Brasil na administração pública federal direta e indireta, e na administração pública direta e indireta de estados e municípios.

Algumas atividades são inerentes ao exercício do poder de polícia do Estado e devem ser preenchidas por meio de concurso público, a exemplo das carreiras da administração tributária, fiscal de vigilância sanitária, guarda de trânsito, policial civil e militar, agentes ambientais, dentre outras. Nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

Foi na Constituição Federal de 1988 que o contrato temporário passou a existir na legislação brasileira. Mas é preciso saber que essa é uma condição especial, excepcional e temporal. Na contratação temporária por excepcional interesse público, existe a categoria do regime especial. Nessa categoria, cada ente federativo, ou seja, a União, os Estados e Municípios têm as suas próprias leis.

Esta pesquisa é bibliográfica e qualitativa, justifica-se pela extrema relevância do abuso da contratação de servidor público temporário o que tem ocorrido com extrema frequência pela União, Estados e Municípios brasileiros.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, Inciso IX, prevê a contratação temporária de pessoal para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Porém, a falta de definição objetiva dos pré-requisitos autorizativos para esse tipo de contratação permite interpretações e inferências distintas da sua finalidade, tornando este instrumento de contratação passível de flexibilização conforme as leis de cada ente, muitas vezes divergentes da norma constitucional.

Não é possível contratação temporária para suprir atividades permanentes com funções de poder de polícia e fiscalizatórias, tendo em vista que desempenham funções tipicamente estatais, devendo ser realizadas por profissionais de carreira, devidamente aprovados em concurso público, nos termos da jurisprudência do TCE-PI (Vide Dec. Monocrática n° 476/2021-GWA, proferida no Processo TC/016429/2021, com publicação no DOE TCE/PI n° 201, em 25/10/2021, ratificada pela Decisão Plenária nº 1.081/2021).

A pesquisa de jurisprudência revela ainda situações incríveis nesta temática da contratação temporária irregular. Cite-se, por exemplo, a contratação de policiais militares provisórios no Estado de São Paulo, prevista em lei e posteriormente declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, questão que também foi objeto de ação civil pública:

“Incidente de Inconstitucionalidade. Lei federal 10.029/2000 e Lei estadual 11.064/2002 que disciplinam a contratação de voluntários temporários para as polícias militares e corpo de bombeiros. Inconstitucionalidades flagrantes – Forma de admissão e de remuneração não previstas na Constituição Federal. Entendimento. Supressão de Direitos sociais do trabalhador. Contratação que, demais, deveria observar o prévio concurso público, já que as funções desempenhadas por policiais militares são permanentes. Inconstitucionalidade reconhecida. (9221852-31.2009.8.26.0000, Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei, Relator Des. A. C. Mathias Coltro, S. Paulo, Órgão Especial, 05/08/2009).”

“[...] Ação Civil Pública – Soldados PM Temporários – Pretensão à convolação dos contratos temporários em vinculo definitivo ou, alternativamente, à nulidade dos contratos – Inconstitucionalidade da LF 10.029/2000 e LE 11.064/2002, que davam lastro às contratações, declarada pelo Órgão Especial desta Corte – Desnecessidade de remessa da questão ao Órgão – Inteligência do par. ún. do art. 481 do CPC – Inconstitucionalidade que leva à nulidade dos contratos temporários – Impossibilidade de convolação em vínculo definitivo – Ofensa à regra do concurso público para acesso aos cargos, empregos e funções públicas – Soldados PM Temporários que ingressaram mediante processo seletivo viciado, porquanto restringiu desmotivadamente a faixa de candidatos aceitos – Quebra do princípio da igualdade ao acesso aos cargos, empregos e funções públicos – Nulidade dos contratos – Inteligência do par. 2º. do art. 37 da CF – Sentença de procedência – Recurso parcialmente provido. (AC 0031496-05.2011, j. 12/05/2014).”

Outro problema recorrente é a admissão de agentes públicos temporários, ou a sua manutenção, em detrimento de candidatos aprovados regularmente em concursos públicos para os cargos detentores das funções temporariamente exercidas pelos contratados. Cite-se, por todos, o seguinte aresto do STF:

“O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que, comprovada a necessidade de contratação de pessoal, deve-se nomear os candidatos aprovados no certame em vigor em detrimento da renovação de contrato temporário.” (AI 684.518- AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-4-2009, Segunda Turma, DJE de 29-5- 2009.)

A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA NO SERVIÇO PÚBLICO E A PEC 32/2020 (REFORMA ADMINISTRATIVA)

A nova redação expressamente prevê que a contratação temporária “não poderá ter como objeto o exercício de atribuições próprias de servidores investidos em cargos exclusivos de Estado, assim compreendidos os voltados a funções finalísticas e diretamente afetas à segurança pública, à representação diplomática, à inteligência de Estado, à gestão governamental, à advocacia pública, à defensoria pública, à elaboração orçamentária, ao processo judicial e legislativo, à atuação institucional do Ministério Público, à manutenção da ordem tributária e financeira ou ao exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle”.

Segundo essas regras, a contratação por tempo determinado será realizada para atender às necessidades temporárias previstas em lei federal, estadual, distrital – dede que não incluam atividades exclusivas de Estado enumeradas no inciso IX do art. 37.

Órgãos como a Receita Federal, o Banco Central, Agências Reguladoras e outras, atividades-meio poderiam ser objeto dessa contratação temporária, desde que não incidam sobre as funções finalísticas de fiscalização, regulação ou controle. Na Polícia Federal, a contratação poderia alcançar praticamente todas as atividades a cargo do órgão que não envolvam as funções finalísticas de segurança pública, perícia e polícia judiciária. Havendo a “necessidade temporária”, ainda que não seja “excepcional”, a lei poderia disciplinar essas contratações.

Já na segurança pública, surge a dúvida: será permitida a continuidade da contratação temporária de policiais militares, ou nas Forças Armadas? Trata-se de prática usual, e, interpretado amplamente, o art. 37, IX, não permitiria essa hipótese, por se tratar de função finalística na área de segurança pública.

De acordo com o STF, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: os casos excepcionais estejam previstos em lei; o prazo de contratação seja predeterminado; a necessidade seja temporária; o interesse público seja excepcional; e a contratação seja indispensável, sendo proibida para os serviços ordinários permanentes.

O entendimento do STF de que o caráter transitório das contratações por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público não se combina com o caráter permanente da prestação de serviços essenciais à população, como saúde, educação e segurança pública.

Portanto, deve ser uma contratação temporária para suprir uma necessidade urgente até ocorrer à substituição por profissional concursado (se tiver necessidade). Por isso, é comum ter essas contratações nas áreas da educação e saúde.                      

 

Notas e Referências

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

BRASIL. PEC 32/2020. Proposta de Emenda Constitucional que altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2262083>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/inicio/>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

STF. Leis de MG que permitiam convocação temporária de professores sem concurso são inválidas, decide STF. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=487720&ori=1>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

TCE/PI. Resolução nº 23/2016, de 06 de outubro de 2016. Dispõe sobre o envio e acesso a informações necessárias e estabelece procedimentos para exame, apreciação e registro dos atos de admissão de pessoal pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/wp-content/uploads/2016/12/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-23-16-Com-altera%C3%A7%C3%B5es-da-Resolu%C3%A7%C3%A3o-33-2016.pdf>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

 

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