Quando menos, somos três – Por Léo Rosa de Andrade

12/10/2016

As relações conjugais de um casal típico costumam ser guardadas para além da sua condição de permanência. Elas formam modelos sociais e são institucionalizadas em quase todas as culturas do mundo.

Tenho cautela com as narrativas do passado remoto, dessas deduzidas sem muita vericabilidade material. De toda forma, circulam formulações hipotéticas do que seria o protótipo do casamento atual.

A hipótese que me é mais plausível considera que o humano, ao tornar-se gregário, compreendeu a natureza da gravidez. Os homens, então, teriam transformado as mulheres em um valor negociável.

As tribos trocavam as suas jovens entre si. Compreendido que a relação sexual é que possibilitava o estado gravídico, não deve ter sido difícil deduzir que a mulher virgem era garantia de paternidade.

A “pureza” sexual da mulher seria, então, controlada, seja pelos parentes biológicos que vigiavam o valor virgindade, seja pelos parentes por afinidade que vigiavam a exclusividade adquirida de sexo.

A mulher se subsumia no homem. Era da natureza das coisas ela ser inserida na família de quem a negociara. A vigilância, então, não decorria de qualquer moralidade, mas do controle prático da prole.

Nesse tempo primitivo, as explicações de mundo eram mágicas. Com o gregarismo, os responsáveis pela condução dos ritualismos mágicos (pajé) começaram a adquirir autoridade (xamanística) e poder.

Sistema mágico centralizado e organizado de poder é religião. E a religião – dos homens e para os homens – narrou o mundo e fundou as leis. Primeiro, tradição e oralidade, depois, as escrituras.

As escrituras judaico-cristãs formam a base da legislação ocidental sobre família. Essas escrituras e, por decorrência, as leis, são severas com as mulheres, determinando-lhes subserviência aos homens.

Conforme essa tradição, o casamento se funda em dois pilares: a instituição em si e o homem. A instituição do casamento monogâmico centrado no homem foi discursada e realizada como a base da sociedade.

O corpo da mulher é posse do homem; a vontade da mulher é mediada pelo homem; o nome familiar da mulher é substituído pelo da família do homem; a personalidade da mulher é dissolvida na do homem.

O homem expressava o poder da instituição, a mulher lhe era reverente. O homem tinha vida pública e normatizava o público. À mulher cabia o recatado recinto do lar. A mulher não tinha nenhuma alternativa.

A coisa durava. O homem no gozo dessa vida. A mulher na conformidade desse único modo que lhe era dado viver. Aí as feministas (organizadas na segunda metade do século XX) trazem outro discurso ao mundo.

Primeiro as lutas das mulheres, depois alguns resultados na legislação, por fim, uma parcela significativa de ocupação social por parte do feminino. O casamento já são três: o homem, a mulher, a instituição.

Isso desestabilizou a receita antiga. Sim, muita mulher ainda veste traje semita e aceita que seu pai a leve num ritual em que um pajé católico invoca a graça divina sobre sua entrega a uma nova família.

Algumas mulheres prometem aquelas coisas todas que as mandam repetir; outras até substituem seu sobrenome. Mas a coisa mudou. Boa parte das mulheres, quando lhe convém, já se pode livrar disso.

Atualmente, além dos mitigados investimentos de costume (família, amigos, religiosos) na manutenção do casamento, há esforços terapêuticos buscando discutir os padrões de interação das partes e rearranjá-los.

Nesse modo sistêmico as características individuais são irrelevantes. Na dinâmica dos casais, de fato, há uma dimensão que lhes escapa do controle. É a instituição. A instituição casamento tem vontade própria.

Mas esse não é o fator novo. A instituição sempre houve. A questão é que até agora apenas o homem dialogava com ela. Atualmente, essa terceira pessoa que habita com o casal tem que escutar também a mulher.

Escutar: respeitar desejos, independência financeira, formação intelectual, intervenção nos costumes, vida pública. O modo vigente de casar é pra dois. Todavia, já somos ao menos três. Começou a melhorar.


 

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