QUANDO A DEFESA DEVE INDICAR AS SUAS TESTEMUNHAS  

09/08/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Temos presenciado no dia a dia forense uma certa estratégia da Defesa com a qual não concordamos e sobre a qual pretendemos expor alguns comentários. Acreditamos que, por vezes, alguns defensores optam por um perigoso caminho, correndo um risco desnecessário de prejudicar os seus clientes. Em outras situações, realmente, os defensores não recebem maiores informações dos réus ou dos seus familiares, o que acaba gerando consequências processuais.

Poderíamos abordar a questão tratando dos diferentes procedimentos previstos no Direito Processual Penal brasileiro. Todavia, diante dos limites desta coluna, seremos mais específicos e trataremos apenas do chamado procedimento comum ordinário, o qual, sem dúvida, é o que tem mais aplicação na prática.

O art. 394, caput, do CPP, dispõe que o procedimento criminal pode ser especial ou comum. O rito especial pode ser previsto no próprio Código de Processo Penal (como ocorre, por exemplo, no tribunal do júri) ou em alguma legislação especial (como ocorre, por exemplo, no crime de tráfico de drogas, de acordo com a Lei 11343/06). Nesses casos, o legislador adota uma ordem específica de atos processuais.

De outro lado, o rito comum pode ser sumaríssimo, sumário e ordinário. O art. 394, I a III, do CPP, indica em que situações será aplicado cada um desses procedimentos. O rito sumaríssimo é destinado às infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, nos casos tratados nos Juizados Especiais Criminais, segundo a Lei 9099/95. O rito sumário é aplicado quando o crime imputado ao réu tem previsão de sanção máxima inferior a 4 anos de pena privativa de liberdade, O rito ordinário é aplicado quando o crime imputado ao réu tem previsão de sanção máxima igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade.

Portanto, quando falamos de procedimento comum ordinário, estamos falando da ordem dos atos processuais aplicável quando o réu é acusado da prática de um crime cuja sanção máxima é igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade. Esse é, portanto, o rito de maior aplicação prática, uma vez que se refere às principais infrações penais que ensejam processos criminais, como, por exemplo, os crimes de furto, roubo, apropriação indébita, estelionato, receptação e estupro.

Feitas essas observações com o objetivo de contextualizar a questão que desejamos abordar nesta coluna, cabe responder à seguinte pergunta: em que momento o defensor deve indicar as suas testemunhas?

O art. 396-A, caput, do CPP, não podia ter uma redação mais precisa: na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.  

Portanto, parece óbvio e inquestionável que a Defesa deve, no momento da resposta, arrolar testemunhas, qualificando-as. Esse é o momento preciso para a indicação das testemunhas defensivas. Nada mais natural que haja um momento específico para a indicação das testemunhas.

Assim como cabe ao Ministério Público, no caso de ação penal de iniciativa pública, e ao querelante, no caso de ação penal de iniciativa privada, indicar as testemunhas que pretendam ouvir em juízo no momento em que é oferecida a denúncia ou a queixa-crime, por força do art. 41, caput, do CPP, nada mais adequado do que haver a previsão de um momento específico para a indicação das testemunhas que a Defesa pretenda ouvir.

Entretanto, o que temos vivenciado na prática forense não é bem isso. Em alguns casos, os defensores não indicam qualquer testemunha quando apresentam a sua resposta e, no momento da audiência de instrução e julgamento, pretendem arrolar as suas testemunhas. Em outros casos, os defensores indicam pessoas fictícias como testemunhas quando apresentam a sua resposta e, depois, requerem a substituição das testemunhas, apresentando as pessoas (agora reais) que desejam ouvir em juízo.

Isso é uma prática tão comum que alguns defensores, no próprio corpo da resposta, informam que oportunamente substituirão as suas testemunhas. Entendemos que o momento oportuno (e único) para a indicação das testemunhas de Defesa, no rito comum ordinário, é especificamente na resposta, conforme expressamente dispõe o art. 396-A, caput, do CPP.

Cabe registrar que o legislador, no art. 396, caput, do CPP, prevê o prazo de 10 dias para a apresentação da resposta justamente para os defensores terem tempo para conversar com seus assistidos e, então, elaborar a melhor estratégia defensiva, inclusive indicando pessoas a serem ouvidas em juízo. Tais pessoas, evidentemente, devem ser reais (e não fictícias) e qualificadas, para que o juízo possa intimá-las, caso necessário.

O que o legislador prestigia neste momento é a organização processual e a transparência dos atos processuais. Assim como a Defesa, antes da audiência de instrução e julgamento, pode investigar quem são as testemunhas que a acusação pretenda ouvir, o Ministério Público e o querelante têm o mesmo direito com relação às testemunhas defensivas. O que não se pode é admitir que os defensores apresentem, no momento da audiência de instrução e julgamento, pessoas cujos nomes sequer foram indicados nos autos, surpreendendo a todos.

A questão tem sido reiteradamente levada às instâncias superiores. Entendemos que o Superior Tribunal de Justiça tem corretamente enfrentado o tema. Vejamos alguns julgados com relação aos quais concordamos plenamente.

A 5ª Turma do STJ, em julgamento ocorrido no dia 28 de novembro de 2017, nos autos do Habeas Corpus n° 393.172/RS, em acórdão de relatoria do Ministro Felix Fischer, assim decidiu: A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o rol de testemunhas deve ser apresentado pela defesa na resposta à acusação, sob pena de preclusão, nos termos do art. 396-A do Código de Processo Penal.

A 6ª Turma do STJ, em julgamento ocorrido no dia 16 de outubro de 2018, nos autos do Habeas Corpus n° 446.083/SP, em acórdão de relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, assim decidiu: O direito à prova não é absoluto, limita-se por regras de natureza endoprocessual e extraprocessual. Assim é que, na proposição da prova oral, prevê o Código de Processo Penal que o rol de testemunhas deve ser apresentado, sob pena de preclusão, na própria denúncia, para o Ministério Público e, na resposta à acusação, para a defesa.

Para que não se alegue que os julgados acima foram isolados, não custa mencionar outras decisões do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido: 6ª Turma, Habeas Corpus n° 202.928/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15 de maio de 2014; 5ª Turma, Recurso em Mandado de Segurança n° 52.413/SP, relator Ministro Felix Fischer, julgado em 02 de maio de 2017; 6ª Turma, Agravo Regimental no Recurso Especial n° 1.617.234/PR, relator Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 22 de março de 2018. Também não custa mencionar decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: 3ª Câmara Criminal, Recurso em Sentido Estrito n° 0021233-94.2018.8.19.0203, relator Desembargador Paulo Rangel, julgado em 22 de novembro de 2018; 8ª Câmara Criminal, Habeas Corpus n° 0066046-39.2018.8.19.0000, relator Desembargador Gilmar Augusto Teixeira, julgado em 14 de fevereiro de 2019.

Estamos convencidos no sentido de que deva ser respeitada a opção do legislador de apontar um momento específico para a indicação das testemunhas da Defesa. É certo que, em situações excepcionais, verdadeiramente justificadas, deve ser aplicado o art. 209, caput, do CPP, segundo o qual o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.

Isso porque, evidentemente, não deve interessar ao juiz condenar ou absolver injustamente o réu. Portanto, em situações verdadeiramente excepcionais, é possível que o juiz tenha a mencionada iniciativa. O que não se pode é simplesmente admitir o rol de testemunhas defensivas a qualquer momento, como se simplesmente não existisse o comando expresso do art. 396-A, caput, do CPP. Afinal, a defesa é ampla, mas não é ilimitada.

 

 

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