Por Guilherme Luiz Dutra - 09/02/2015
Parece-me ser indiscutível a máxima de que a matemática deva ser tida como ciência exata, cujas fórmulas e resultados trazem como baluarte a vantagem sobre outros ramos da ciência de serem unívocos. Enquanto atua em seu campo, assim o é.
Contudo, ao ser trazida para o campo do Direito, onde a criatividade normativa e a liberdade interpretativa reduzem a quase que inexistentes os casos de senso comum universal vigentes, nem mesmo o uso da matemática parece estabelecer critérios suficientemente empíricos para a análise da subsunção dos fatos concretos às normas. É o que se tem visto na prática da Execução Penal de nosso ordenamento.
O legislador, ao optar por estabelecer critérios subjetivos e objetivos para a concessão da progressão de regime na Lei de Execuções Penais, pareceu almejar a atinência aos princípios da individualização da pena (critério subjetivo) e da igualdade (critério objetivo). No que diz respeito ao critério objetivo, não conseguiu.
A análise do ordenamento normativo que rege o modelo progressivo no Brasil nos mostra que há pelo menos duas incongruências sistêmicas no que diz respeito ao critério temporal para a concessão do benefício. É que, embora a legislação faça uso de critérios matemáticos para o regramento da progressão de regime (cumprimento de um sexto da pena no regime anterior – vide art. 112 da LEP -, por exemplo), o sistema, como um todo, deixa brechas, margens de discricionariedade que faz subjetiva a análise de um critério objetivo, quando esta deveria ser por excelência (matemática) exata.
A primeira das incongruências, já explorada pela doutrina e constatada existente na divergência jurisprudencial, reside na incidência do instituto da remição sobre a análise da progressão de regime. Aqui, uma mesma condenação, com idêntico tempo de pena cumprido e com igual quantidade de dias remidos pode ter ou não implementado o critério objetivo para a progressão de regime de acordo com a opção de cálculo adotada pelo magistrado. O fato de se descontarem os dias remidos da condenação total para após prosseguir à incidência da fração de progressão ou, de outro modo, primeiro fazer incidir a fração de progressão para então serem descontados os dias remidos, pode acarretar uma diferença inclusive de meses quando do alcance ou não do critério objetivo pelo apenado.
A segunda das incongruências reside na concorrência entre crimes hediondos ou equiparados (praticados após a vigência da Lei n. 11.464/07 – vide art. 2º da Lei 8.072/90) e crimes comuns quando do incidente de soma de penas, no que diz respeito à segunda progressão de regime (ao regime aberto, portanto). É que para cada um dos casos a legislação estipulou frações incidentes diferentes para fins de progressão de regime: 1/6 (um sexto) da pena para crimes comuns e 2/5 (dois quintos) da pena para crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo (ou três quintos, se reincidente). O Tribunal de Justiça de Santa Catarina elucidou inicialmente a questão nos Acórdãos n. 2011.091071-2, 2011.038611-7, 2011.024956-5 e 2010.084396-8, todos de 2011, onde afirmou que cada fração deveria incidir sobre sua respectiva condenação, de maneira separada, para após serem somados os respectivos períodos. Não ficou claro, contudo, se caberia ou não a aplicação do art. 76 do Código Penal para fins de descontar o tempo de pena cumprido referente à obtenção da progressão ao regime semiaberto, fato que influencia em muito a previsão de progressão ao regime aberto. Um exemplo prático pode auxiliar para elucidar a questão:
Imaginemos um apenado com a seguinte situação: 05 (cinco) anos de condenação por crime hediondo mais 06 (seis) anos de condenação por crime comum. Sendo réu primário, e tomando por database a data de 01.01.2010, tem-se que o apenado terá de cumprir 03 (três) anos de condenação para a implementação do requisito objetivo (dois anos referentes à fração pelo crime hediondo somados a um ano referente à condenação pelo crime comum). Com essa situação, e a partir decondições ideais para fins didáticos, o recluso progrediria ao regime semiaberto na data de 01.01.2013. Para a segunda progressão de regime é que surge a dúvida: de que modo devem esses três anos cumpridos ser descontados? Há duas hipóteses de análise do benefício.
Numa primeira leitura dos dispositivos legais e dos acórdãos, ter-se-ia que cada quantum de pena cumprido deveria ser descontado de sua respectiva condenação. Assim, a previsão de progressão ao regime aberto seria a seguinte: 2/5 (dois quintos) da pena remanescente pelo crime hediondo - 03 (três) anos – mais 1/6 (um sexto) da pena remanescente pelo crime comum – 05 (cinco) anos -, a serem contabilizados a partir da última database (data da progressão ao semiaberto). Nesse caso, a fração do crime hediondo representaria 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias, já a fração do crime comum representaria 10 (dez) meses, donde se teria a previsão da progressão de regime na data de 13.01.2015.
Contudo, ao se fazer uma leitura sistemática do ordenamento jurídico e se considerar possível a aplicação do art. 76 do Código Penal à análise da progressão de regime, chegar-se-ia à conclusão lógica de que o tempo de pena cumprido para fins de primeira progressão de regime deveria ser descontado integralmente da condenação pelo crime hediondo. Nesse caso, haveria a suspensão no cumprimento da condenação pelo crime comum, tendo como inalterável o quantum remanescente de sua condenação até o integral cumprimento da condenação pelo crime hediondo. Em outras palavras, o resultado proveniente da fração sobre o crime comum seria o mesmo até que se chegasse à extinção da pena do crime hediondo, justamente por este se mostrar mais grave tanto quanto ao bem jurídico tutelado quanto à situação jurídica do apenado. Com isso, a previsão da progressão ao regime aberto seria feita a partir de 2/5 (dois quintos) sobre a pena remanescente pelo crime hediondo (nesse caso, dois anos) somados a 1/6 (um sexto) sobre a pena remanescente pelo crime comum (que, neste método, equivaleria ao total da condenação de 06 (seis) anos, portanto). O resultado obtido seria de 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias pelo crime hediondo somados a 01 (um) ano pelo crime comum, com a previsão de progressão ao regime aberto na data de 19.10.2014, 02 (dois) meses e 24 (vinte e quatro) dias antes do outro método utilizado, portanto.
Ante as exposições feitas, resta dizer que, mais importante que a discussão sobre a aplicabilidade ou não do art. 76 do Código Penal à prática da Execução Penal, é a defesa da certeza, por parte dos apenados, acerca dos prazos a serem cumpridos para fins de obtenção da sua progressão de regime, principalmente por se tratar de critérios cronológicos, matemáticos e, justamente por isso, empíricos e objetivos. Pior que a aplicação do método mais gravoso ao apenado, é a existência concorrente de dois métodos distintos de análise cujos resultados deveriam, em tese, ser idênticos.
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Guilherme Luiz Dutra é bacharel em Direito (UFSC) e Auditor Fiscal Tributário de Florianópolis - SC
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