Qual o limite do Direito Penal? - Breve análise acerca do PL 4488/2016 - Alienação parental/crime

15/06/2016

Por Carlos Eduardo Martinez – 15/06/2016

Qual o limite do Direito Penal? Será que existe um “limite”, de atuação, de persecução, e mais, de abrangência? Alguns diriam que se limita a atuação quando os demais ramos do Direito restassem ineficazes (ultima racio); outros responderiam que mais condutas devem ser tipificadas como crime, e com maior rigor (direito penal máximo). Tanto em uma resposta como na outra, devemos levar em conta vários aspectos. Um destes o caso concreto, onde o Direito é chamado a intervir, verificando a necessidade de atuação do Direito Penal.

De toda forma, há de se ressaltar o binômio razoabilidade x proporcionalidade. É razoável a tipificação de determinada conduta como crime? E, de igual questionamento, proporcional é trazer o Direito Penal à baila?

Nessa esteira, discorremos no presente texto, em breve análise, sobre o Projeto de Lei n.º 4488/16, que visa alterar o art. 3º da Lei Federal n.º 12.318/10, acrescentando parágrafos e incisos ao citado artigo. O projeto de lei tem como autor o Dep. Arnaldo Faria de Sá, tendo sido apresentado em fevereiro deste ano à Mesa Diretora da Câmara Federal, e remetido às Comissões de Seguridade Social e Família, e Constituição, Justiça e Cidadania. PL polêmico, invasivo, de difícil constatação, sem contar que não oportuniza o contraditório e a ampla defesa do acusado. Ou seja, tipo penal que tem em seu cerne uma ilegalidade e inconstitucionalidade aparente, na esteira do direito penal máximo. Uma proposta de criação de tipo penal que considera apenas a generalidade dos casos, mas não trata de situações diferenciadas e muito menos do contexto de cada relação familiar. É certo que a ALIENAÇÃO PARENTAL é um mal presente em nossa sociedade. Como também é fato que muitos pais (sentido genérico da palavra) se utilizam dos filhos como pretexto e escudo: pretexto para atingir o (a) ex- marido, esposa, companheiro(a), namorado(a); escudo, pois toda discórdia gerada reflete no filho. Há de se ressaltar, como bem salienta o prof. Conrado Paulino da Rosa[1], não há ex-filho(a), "vão-se os anéis, ficam os filhos". Porém, não há justificativa razoável do ponto de vista penal a criação de tal tipificação. A Lei Federal n.º 12.318/10, art. 6º e incisos, prevê punições cíveis ao genitor alienador. Vale lembrar, as ações do alienador não visam prejudicar diretamente o filho, mas sim, o pai-mãe que não detém a guarda judicial do filho. Assim, o ato de alienar atinge reflexamente o filho(a), sendo natimorto o tipo penal objeto do PL n.º 4488/16.

Além do que, o bem jurídico pretensamente protegido seria o da convivência familiar, nesse contexto abrange-se tanto a família direta quanto a extensa (avós, tios, primos, etc.) e mesmo aquelas pessoas com vínculo afetivo com a criança ou adolescente. Destarte, em casos mais extremos, pode o juiz declarar suspensa a autoridade parental sobre o filho (art. 6º, inc. VII, Lei da Alienação Parental).

Outro ponto importante tem relação com a falsa imputação de crime. Em alguns casos, além da campanha de desqualificação de um genitor para com o outro, ocorrem denúncias de crimes cometidos pelo genitor alienado. Contudo, em grande parte dos casos, as denúncias são falsas. Tratam-se de invenções oriundas do genitor alienador, visando restringir, dificultar a convivência do outro genitor com o filho(a). Cabe rememorar que, uma vez imputado falso cometimento de crime a alguém e registrado tal fato em boletim de ocorrência, por exemplo, o indivíduo incide tanto no crime de denunciação caluniosa quanto de comunicação falsa de crime (arts. 339 e 340, respectivamente, do Código Penal Brasileiro[2]. Assim, desnecessário um tipo penal específico como o previsto no projeto de lei em análise[3]. Lembrando que o objetivo do pai alienador não é diretamente prejudicar ou causar um mal em seu filho. É sim, atingir o outro genitor que por decisão judicial não detém a guarda do filho. Atos motivados por despeito, rancor e raiva, relacionados a um relacionamento mal-acabado, mal resolvido, não podem ser motivos para atingir terceiros. Sem contar que existem outros instrumentos dispostos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Fed. 8.069/90) e na lei supracitada passíveis de uso em casos de ações prejudiciais a criança e adolescente. Embora a intenção seja nobre, não será por meio de um tipo penal que a prática da alienação parental será freada. Pois, ainda é um tema novo e pouco trabalhado, sendo necessária uma forte intervenção do Direito e da sociedade em trabalhar, discutir e prevenir sua ocorrência. Trabalho conjunto, envolvendo a Rede de Proteção Integral (Família, Comunidade, Sociedade em Geral e Poder Público)[4], bem como considerando a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente em ações governamentais e não-governamentais[5] (doutrina da proteção integral).

Em derradeira análise, procurando uma resposta ao questionamento feito no preâmbulo do presente texto, por escancarado conhecimento público da ineficácia de tipificação desenfreada, vê-se que a criação pura e simples de tipos penais não resolve o problema, muito menos o recrudescimento das normas. Quando existem instrumentos de outros ramos do Direito para a resolução de transgressão à ordem legal, não se legitima o uso e incidência do Direito Penal, vale lembrar ultima racio (ultima razão).


Notas e Referências:

[1] Prof. Me, doutrinador na área de Direito de Família, além de advogado militante.

[3] O PL 4488/2016 traz em seu bojo além da tipificação específica, o agravamento da pena se configurado o manejo deturpado de falsas e inventadas condutas criminosas – art. 3º, §2º, inc. I, por parte do genitor alienador.

[4] Art.227, CRFB/88 (Constituição da República Federativa do Brasil) e art. 4º, ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

[5] Art. 86, ECA.


Carlos Eduardo Martinez

. . Carlos Eduardo Martinez é Bacharel em Direito. Conciliador Cível do JEC – Comarca de Tramandaí/RS. Advogado. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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